A influência do Instituto Hudson na UHE de Balbina (AM)

Por Amazônia Real Publicado em: 19/01/2014 às 22:14

RENAN ALBUQUERQUE

Na elaboração do projeto para o guia básico de operação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Balbina, localizada no município de Presidente Figueiredo/AM ― uma das piores na relação da área alagada por geração energética do país ―, a previsão de entrada em operação das máquinas da barragem foi alterada duas vezes por causa de incertezas acerca da extensão do reservatório da represa. O governo brasileiro e o Departamento de Estado dos EUA, que mantinham estreito diálogo na época, discordavam acerca de prognósticos referentes ao enchimento do lago.

Para amenizar o entrave, foram solicitados estudos ao Instituto Hudson, então dirigido por Hermann Kahn. O resultado da consulta foi além do aguardado (a aprovação sem condicionantes da barragem de Balbina). A instituição propôs não apenas executar a obra da UHE sem restrições, mas ainda elevar a ênfase no fomento à hidroeletricidade na Amazônia, inundando 600 mil km² para a construção de complexos lacustres no bioma em geral. A contrapartida seria o direito de exploração de jazidas de minério submersas na porção oriental da Amazônia, principalmente em Monte Alegre/PA, com inundação de 400 mil km², e Óbidos/PA, onde se formariam inúmeros lagos, em um total de 180 mil km², produzindo supostos 70 milhões de quilowatts de energia elétrica.

Antes do prazo para a entrega do projeto executivo final da UHE Balbina, com as indicações do Instituto Hudson/EUA, a proposta foi desmobilizada por ação do amazonófilo e geógrafo humano, Orlando Valverde, que contou com a ajuda de especialistas do Centro de Estudos de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, do historiador e ex-governador do Amazonas, Artur César Ferreira Reis, e de alguns setores do Congresso e Estado Maior das Forças Armadas. Tratou-se de trabalho conjunto e dirigido, no sentido de dificultar a inserção político-partidária nos destinos do bioma.

Apesar da atitude de forçar o arranjo de diálogo entre setores estratégicos nacionais e internacionais para alavancar projetos socioambientais próprios à realidade amazônica, a pujança capitalista, os interesses em acessibilidade e a geração de energia acabaram ditando necessidades para os grupos e isso influenciou nas negociações junto aos militares.

Proprietários de megaempreiteiras, que angularam o direcionamento das atividades de infraestrutura nacional, subscrevendo em grande parcela o processo de expansão econômica brasileira, tiveram entre os objetivos, em detrimento às populações afetadas, fomentar consórcios multifacetados de obras, tendo em vista aumentar lucros, aprofundar contatos intragovernamentais e ampliar a composição de carteiras de clientes em diferentes Estados do país.

O caso da relação entre governo nacional, empresas brasileiras e o Instituto Hudson é emblemático. Hoje, seguindo idêntica linha de raciocínio, os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), em termos comparativos, são recentes propostas para incentivar grandes obras e megaprojetos em regiões de bioma, como a Amazônia, a exemplo do que o regime militar fez em planejamentos para estradas, hidrelétricas e mineradoras, com definições de desenvolvimento correlatas, nas quais quantidade e tamanho das obras muitas vezes tende a se confundir e negativar a qualidade de vida e o bem-estar social.

Atualmente, a meta do governo é tornar mais relevante a influência do Brasil diante de demais nações da América Latina, projetando, se possível, efeitos dos PACs para fronteiras com EUA e Europa. E se o militarismo auxiliou na projeção da liberalização econômica e das privatizações ocorridas nos anos 1990 na América Latina, impulsionando a internacionalização dos serviços das grandes empreiteiras, a intenção de elevar a participação do Brasil dentro do Cone Sul, sugerida pelo regime, acabou sendo remodelada por meio da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), o que mais uma vez fortificou o mercado empresarial.

A IIRSA foi lançada no ano 2000 e tem sido um dos mais ambiciosos projetos desenvolvimentistas nas áreas de transporte, energia e telecomunicações já vistos na Amazônia. É, em escala maior, aquilo que foi pensado para o bioma nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e de igual modo pouco afeito a mitigar impactos socioambientais. Há ainda uma estratégia comunicacional para divulgar o desenvolvimentismo como alternativa de crescimento e oportunidade para os amazônidas, tal como ocorreu na construção da UHE Balbina, quando se notou falta de transparência em dados sobre a obra e ausência de participação da sociedade civil na discussão direta sobre a implantação da represa, que a priori seria essencial para sanar o problema energético do Estado do Amazonas, mas nem de longe conseguiu atingir seu objetivo.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])