A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

A Vale e o poder público

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 03/11/2021 às 14:36

No ano passado, a Vale extraiu e vendeu quase 110 milhões de toneladas de minério de ferro extraídos das minas de Carajás, no Pará. É o maior volume desse minério, o mais comercializado no mundo, destinado integralmente à exportação, principalmente para a Ásia e, em particular, para a China, que fica com quase metade do volume total.

O custo dessa produção foi de quase 10 bilhões de reais (R$ 9.970.478.159,35), resultando em um custo unitário de produção de R$ 91,08. Sobre esse valor a Vale destinou quase R$ 1,8 bilhão para o governo do Estado e os municípios da sua área de influência, com destaque para Parauapebas e Canaã dos Carajás, que lideram os municípios brasileiros por arrecadação da taxa de compensação (a CFEM). Ela somou pouco mais de R$ 1,5 bilhão no Pará. Outros R$ 223 milhões foram recolhidos à taxa estadual de fiscalização minerária.

Assim, o dinheiro que vai para o poder público é o dobro do custo da Vale com a mão-de-obra direta e indireta e equivale ao valor da depreciação que a empresa lança na sua contabilidade. E é 18 vezes maior do que os recursos destinados a suprir as demandas impostas pela exaustão das jazidas.

A Vale, como as demais mineradoras, contesta na justiça a constitucionalidade da taxa criada pelos Estados nos quais atua, argumentando que se trata, na verdade, de um novo imposto e não de uma taxa, sendo vedada a sua criação pelos Estados. Mas nunca deixou de pagar a taxa, cujos R$ 223 milhões superam a amortização contabilizada (de R$ 200 milhões). O dinheiro repassado ao governo e às prefeituras representa 18% do custo total de produção e 10% do volume de minério produzido em Carajás, a maior província mineral do planeta.

Os números adquirem dimensão menor quando comparados ao faturamento da mineradora ou ao seu lucro. Mas são números suficientemente expressivos para que sua aplicação pelo poder público seja cobrada e as informações sobre o uso da verba cobrada. Pode ser que o silêncio seja o efeito dessa relação entre a Vale e os agentes do governo, que mantém a distância a sociedade.

Os dados foram extraídos de uma resposta dada pela secretaria da Fazenda do Pará a recurso apresentado pela prefeitura de Parauapebas contra os índices provisórios estabelecidos pelo órgão para as cotas-partes do ICMS aos municípios. A prefeitura entende que o valor deveria ser maior, embora, com o índice proposto, ela vá arrecadar mais do que a capital, Belém, fato inédito na história paraense. Canaã dos Carajás, para onde se deslocaram alguns dos investimentos da Vale, é o terceiro maior arrecadador do imposto.

Seguem-se os dados, que, em seu conjunto, são divulgados através de um veículo de comunicação pela primeira vez:

DEMONSTRATIVO DO CUSTO DE PRODUÇÃO

ITEM DESCRIÇÃO DOS CUSTOS 2020

1 Material aplicado na produção R$ 2.173.296.196,74
2 Mão de obra direta R$ 540.444.057,05
3 Mão de obra indireta R$ 378.445.677,43
4 Custo com transporte na mina R$ 1.747.034.330,20
5 Depreciação R$ 1.832.795.302,00
6 Amortização R$ 2.072.164,00
7 Exaustão R$ 110.194.535,00
8 CFEM R$ 1.509.968.332,28
9 TFRM R$ 273.373.368,52
10 Estocagem R$ 114.888.978,25
11 Expedição R$ 159.427.264,71
12 Transporte próprio para entrega ao comprador R$ 1.348.904.083,65
13 Transporte contratado c/ 3o para entrega ao comprador R$ – [sem o valor no original]
14 Custos portuários R$ 666.984.221,71
TOTAL R$ 10.857.828.511,54

DEMONSTRATIVO DO CUSTO DOS PRODUTOS VENDIDOS

1 Total do custo de produção R$ 10.857.828.511,54
2 Mão de obra direta R$ 540.444.057,05
3 Mão de obra indireta R$ 378.445.677,43
4 = (1-2-3) CUSTO A APROPRIAR R$ 9.938.938.777,06
5 Quantidade de toneladas produzidas R$ 109.123.167
6 = (4/5) Custo unitário de produção R$ 91,08
7 Quantidade de toneladas vendidas/transferidas R$ 109.469.449
8 = (6×7) Custo dos produtos vendidos/transferidos R$ 9.970.478.159,35

A imagem que abre este artigo, mostra máquinas recuperadoras trabalhando no pátio de estocagem do Complexo Minerador de Carajás (Foto: Salviano Machado/ Agência Vale)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Citações

"Os números adquirem dimensão menor quando comparados ao faturamento da mineradora ou ao seu lucro. Mas são números suficientemente expressivos para que sua aplicação pelo poder público seja cobrada e as informações sobre o uso da verba cobrada."

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.