A violência na rua

LÚCIO FLÁVIO PINTO Escrevi este artigo para o Jornal Pessoal, publicada antes das violências que aconteceram em Belém entre os dias 4 e 5 de novembro. Talvez ajude a explicar o pânico que se criou na cidade com as execuções […]

Por Amazônia Real Publicado em: 10/11/2014 às 11:36

Policiamento no bairro do Guamá na manhã de 5 de novembro (Fotospúblicas: Eliseu Dias/Ag. Pará)

LÚCIO FLÁVIO PINTO

Escrevi este artigo para o Jornal Pessoal, publicada antes das violências que aconteceram em Belém entre os dias 4 e 5 de novembro. Talvez ajude a explicar o pânico que se criou na cidade com as execuções dos “justiceiros” de marginais. E serve de contraponto às declarações tardias do governador sobre o exagero da sociedade diante dos fatos.

Você, que circula diariamente pela cidade de Belém do Pará, qual a probabilidade de ser vítima de um crime ou testemunhar um? Gostaria que alguém habilitado fizesse esse cálculo a partir da frequência desses crimes. Os mais frequentes são assalto, furto, agressão, sequestro, “saidinha” e até homicídio. Se você conseguir escapar a um deles, dificilmente escapará da marcante experiência de ver o crime sendo praticado.

Em três dias vi duas ocorrências. Em início de manhã, ao lado de uma boate que só fecha no domingo já avançado, na Pedreira, uma pessoa agredia com violência uma mulher, dando-lhe socos vigorosos e diretos. Houve uma parada em que pareciam tentar se apaziguar, mas logo os socos voltaram.

Ia me meter na confusão quando um senhor me segurou e explicou por que o fazia: “é uma lésbica acertando as contas com a namorada”. Disse sapatão, mas corrigi para me prevenir de alguma capitulação penal. Mesmo com a advertência, permaneci alerta. A agressão criava uma cena muito forte, provocando os instintos. Cansado (a), o (a) agressor (a) se sentou no meio-fio, enquanto a mulher, que tentara inutilmente se defender, mas dera algumas agatanhadas no(a) agressor(a), ficava escorada na parede. Segui meu caminho.

Três dias depois fui sacado do computador por gritos, correrias e um tiro. Desci para ver quando alguns PMs algemavam um homem e o colocavam, de bruços, na calçada, enquanto outros acudiam uma senhora de boa aparência e bem vestida, ao lado do carro. Pensava-se que fora um sequestro. Não era. O homem fugia da polícia, depois de ter assaltado um ônibus, na avenida Governador José Malcher, quase na esquina com a Quintino Bocaiúva.

Descoberto quando fugia do ônibus, viu a motorista descer do carro para entrar num salão de beleza. Forçou-a a abrir a porta mostrando-lhe seu revólver e, em seguida, colocando a arma na sua cabeça.

Mandou que voasse. Mas foram barrados em duas frentes pela polícia, que agiu rápido. O tiro tinha atingido um dos pneus traseiros do carro.

Abalada, a senhora queria ir embora porque tinha plantão, como médica, no hospital da Ordem Terceira, bem perto. Fiz coro para que fosse depor na polícia, mesmo perdendo o plantão. Tentaria pelo menos evitar a impunidade, já considerada tão certa por todos, sobretudo pelos criminosos. Daí vários dos chamados populares, na cena, querem dar “uns tapas” no homem preso e imobilizado no chão. Foram contidos a custo pelos PMs.

Dois dias normais e característicos em Belém do Pará.

Lúcio Flávio Pinto é jornalista, sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém/PA desde 1987. Lançou recentemente o site Amazônia Hoje e blog Cabanagem. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, “Guerra Amazônica”, “Jornalismo na linha de tiro” e “Contra o Poder”. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])