Aproveitamento da hidroeletricidade em países vizinhos amazônicos

Por Amazônia Real Publicado em: 10/02/2014 às 18:02

RENAN ALBUQUERQUE

A estimativa de evolução da capacidade instalada hidrotérmica por tipo de fonte no Brasil, partindo de 110 GW em dezembro de 2010 para cerca de 171 GW no fim de 2020, aponta com destaque para a manutenção do perfil não renovável da matriz elétrica, conforme descrição no Plano Decenal de Expansão de Energia 2020 – Geração de Energia Elétrica (1). Essa perspectiva sugere que o país não vai reduzir a produção de petróleo; pelo contrário, deve triplicar, chegando a 6,1 milhões de barris por dia até o fim desta década, embora o consumo de energia pelo petróleo deva diminuir de 38,1% para 31,9% nos próximos dez anos. A questão é que o Brasil se tornará um grande exportador do item, como aponta o PDEE 2020.

O crescimento médio anual da carga de energia, no horizonte decenal, é de 3.200 MW, representando taxa média de expansão de 4,6% a cada 12 meses. A indústria se mantém como setor responsável por quase metade do que é utilizado em eletricidade no país até o ano de 2021. Sobre o nível de consumo, trata-se de uma taxa histórica: o setor industrial é o que mais consome e o que mais pressiona para que parques energéticos não sustentáveis sejam construídos na Amazônia, mesmo sem condições de funcionamento. O volume de investimentos para a manutenção da potência energética nacional em níveis que consigam suportar a demanda surge muito mais a partir do que solicita a indústria e não a sociedade amazônica, especificamente, e brasileira em geral.

O plano do governo federal para ampliar a oferta de energia no Brasil e sustentar a demanda industrial é a construção de hidrelétricas em países vizinhos. O principal projeto de integração para geração de energia será com o Peru, mas há estudos e propostas em andamento em outros países, a maioria na região amazônica, especificamente Bolívia, Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela. A ferramenta preferencial por detrás desses planos é a capacidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que já subsidiou variados projetos de megaempreiteiras na Amazônia.

O acordo de integração energética Brasil-Peru foi assinado pelos países em maio de 2009. A escolha do Peru como parceiro não foi por acaso: o país responde por 14% do potencial hídrico da América Latina e tem baixa demanda interna de energia. Na nação vizinha, previu-se a construção de seis usinas com capacidade de gerar 22 GW/h — quase a potência instalada de duas hidrelétricas do mesmo porte de Belo Monte —, mas a ideia sofre alta resistência por lá devido impactos a povos indígenas.

Cinco barragens de grande porte estão associadas ao acordo energético entre Peru e Brasil (Inambari, Mainique, Paquitzapango, Tambo 40 e Tambo 60). A UHE Inambari, com custo em US$ 4 bilhões, foi suspensa em junho de 2011 e até o momento o governo peruano não entrou em acordo com indígenas e populações tradicionais para a liberação da obra. Ao todo, até 2050 há projetos para 150 novas barragens nos seis maiores rios que conectam os Andes à Amazônia, sendo que 50% serão de alto impacto socioambiental e 80% causarão perdas de florestas.

Fora da Amazônia, o governo constrói junto com a Argentina uma usina binacional de US$ 4,8 bilhões, a Hidrelétrica Binacional Garabi, que deve ser erguida no rio Uruguai, com capacidade estimada em 2.000 MW. Na Bolívia, é estudada a construção de outra binacional, a exemplo da Itaipu (segunda maior usina do mundo), erguida com o Paraguai. As parcerias buscam um custo de energia mais baixo do que o registrado no Brasil. É o caso da represa na Bolívia, onde o MW/hora da Usina de Cachuela Esperanza, ainda em estudo, sairia por US$ 58,00. No Brasil, se fosse implantada barragem dessa capacidade, o custo seria de US$ 77,00.

A pressão sobre a Amazônia dá-se porque o bioma eleva a disponibilidade de recursos hídricos do Brasil (177,9 mil m³/s). A região é responsável por quase 20% da descarga de água doce do mundo e concentra perto de 72% do potencial hídrico do país (2). Se for agregada a vazão da bacia às disponibilidades hídricas do Brasil (251 mil m³/s), o potencial corresponde a 53% do total referente à América do Sul e 15% do montante terrestre (3). No acréscimo de potência instalada por região brasileira, no contexto da geração hidrelétrica (por MW), é na Amazônia onde há mais empreendimentos planejados até 2020, em comparação com demais territórios.

Portanto, pela quantidade de usinas planejadas, considera-se que cada vez mais represamentos hidrelétricos sejam construídos nos países amazônicos e mais o potencial hídrico dos ecossistemas venha a ser usado para a geração. Questiona-se, porém, a viabilidade das obras, os impactos que elas terão sobre animais, plantas, ecossistemas raros e isolados, várzeas e alagadiços, além de perturbações a populações ribeirinhas, rurais, indígenas e assentados da reforma agrária.

1. PDEE 2020 – PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2020. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Brasília: MME/EPE, 2011.

2. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Águas no Brasil: Aspectos Legais. Ciência Hoje. Rio de Janeiro. no. 110, v. 19, p. 61-65, Jun. 1995.

3. SETTI, Arnaldo Augusto. A necessidade do uso sustentável dos recursos hídricos. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, 1994.

Reportagem Noticiosa

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