A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

As mentiras em Belo Monte

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 04/02/2022 às 16:36

O conselho de administração da Eletrobras comunicou que aprovou, ontem, o aumento de capital da Eletronorte de mais de 1,930 bilhão de reais, passando de R$ 11,576 bilhões para R$ 13,506 bilhões, mediante a emissão de quase 14 milhões de novas ações ordinárias nominativas, sem valor nominal, ao preço de R$ 138,35 por ação. Os títulos serão subscritos e integralizados pela Eletrobras com as ações ordinárias que detém na Norte Energia, equivalente a 15% do capital social.

Assim, a Eletrobras deixará de ter participação direta na Norte Energia, controladora da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, considerada a maior inteiramente nacional.

A Eletrobras jura de pés juntos que a operação de capitalização “está alinhada ao objetivo estratégico de racionalização de participações conforme previsto no plano de negócios 2021/2025”.

O objetivo real é evidente: tornar mais atrativa a privatização da Eletrobras. Embora Belo Monte seja a quarta maior hidrelétrica do mundo, sua potência máxima nominal, de 11.233 megawatts, cai para 4.573 MW se considerada a geração média ao longo do ano, por funcionar com pequeno reservatório, quase a fio d’água. A potência de Tucuruí é de 8,4 mil MW, mas sua energia firme é semelhante à de Belo Monte: 4,6 mil MW. Seu reservatório é o segundo maior do Brasil.

Com a aplicação dos R$ 2 bilhões, a Eletrobrás agrega os seus 15% aos atuais 19,8% que a Eletronorte possui atualmente na Norte Energia, elevando a participação da sua subsidiária amazônica na concessionária de Belo Monte para 34,98%. É a maior participação individual de um acionista na sociedade.

Para ser coerente, a Eletrobras terá que investir mais R$ 2 bilhões na elevação do capital de Furnas, outra sua subsidiária, na região sudeste, com 15% das ações ordinárias que possui na Norte Energia. Dessa maneira, Eletronorte e Furnas ficarão com os mesmos 49,98% atuais do grupo Eletrobras, que se livra das gorduras pra se chegar ao fogo da churrasqueira da desestatização.

Mas há ainda os 20% dos fundos de previdência de empresas federais, 10% da Previ (do Banco do Brasil) e 10% do Funcef (da Caixa). Sem esquecer que aCemig, a estatal mineira, participa com a mineradora (ex-estatal e ex-mineira) Vale no consórcio Amazônia Energia, que tem 9,77% da Norte e dos 9% detidos (também com a Vale) dos autoprodutores de energia.

Empresa privada mesmo, sozinha, é a Belo Monte Participações, controlada pela Neoenergia, com sua parcela de 10%. Acontece que a Neoenergia pertence ao grupo espanhol Ibedrola, que irritou os seus acionistas ao anunciar, no mês passado, o início do pagamento de direitos à matriz madrilenha.

Como, então, a Norte Energia se proclama empresa 100% nacional? Com o mesmo descompromisso com a causa pública da Eletrobras, açodada pelo processo de privatização e disposta, mais uma vez, a cobrir com dinheiro público a ausência de capital privado, ao menos enquanto não há lucro líquido capaz de distribuir apetitosos dividendos aos capitalistas.

A imagem que abre este artigo mostra o barramento da hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu.

(Foto de Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.