A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

As torres de energia abatidas. E daí?

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 16/01/2023 às 16:17

Três torres de transmissão de energia foram derrubadas, uma quarta danificada e outras duas avariadas desde os atentados às sedes dos três poderes institucionais da república, em Brasília, no dia oito deste mês. Duas torres foram postas abaixo. Duas em Rondônia e uma no Paraná, Estados nos quais Bolsonaro derrotou Lula no segundo turno das eleições presidenciais do ano passado. Uma torre foi danificada em São Paulo e mais duas, de menor intensidade, no Paraná.

Em todos os casos foram identificadas “claras evidências” de que os danos foram provocados por ação humana. Teriam sido atos de sabotagem, com propósito político. Mesmo com as quedas de três torres, não chegou a haver interrupção do fornecimento de energia.

Em nota, a Aneel informou que as transmissoras são as responsáveis pela avaliação sobre a origem e causa dos eventos, e, quando possível, devem apontar eventuais responsáveis ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e à Agência Nacional de Energia Elétrica.

A regulamentação do segmento de transmissão concede incentivos econômicos para recomposição rápida quando da indisponibilidade de equipamentos e linhas de transmissão, “aplicando redução de parte da receita das empresas proporcional ao atraso na recomposição do serviço”.

No Paraná, a ainda estatal Furnas reportou queda de uma torre de transmissão – e danos em outras três – no município de Medianeira, a 50 quilômetros de Foz do Iguaçu. Segundo a empresa, “não foram identificadas condições climáticas adversas que possam ter causado queda de torres”. Havia indícios de vandalismo.

Em Rondônia, a também estatal Eletronorte informou que a queda de uma torre e torção de duas unidades adjacentes da linha 230 kV Samuel-Ariquemes circuito 3. Havia indícios de vandalismo.

A Evoltz confirmou a queda de uma torre e corte em dois estais (cabos de sustentação) na Coletora Porto Velho-Araraquara 2 — Polo 3. A empresa constatou indícios de sabotagem.

O impacto das cenas com milhares de pessoas destruindo – e livremente – as sedes dos três poderes em Brasília teve um impacto muito maior, como seria de se esperar. Mas é muito mais grave a derrubada de três grandes torres de transmissão de energia (uma no Paraná, com origem na hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo, e duas nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, das maiores do Brasil, em Rondônia).

Parece, no entanto, que o governo e a grande imprensa não pensam assim. Nenhuma declaração a propósito do presidente e dos seus ministros. Registros burocráticos na mídia. A reação seria natural caso as quedas fossem por motivos naturais, hipótese já descartada, em função das condições meteorológicas naturais nos dois locais. O entendimento dominante é de que as torres foram derrubadas intencionalmente.

Se essa hipótese se comprovar, trata-se de ato terrorista óbvio. Praticado poucas horas depois da invasão da praça dos Três Poderes. Não por um aglomerado de pessoas muito diferenciadas e com propósitos distintos, mas de um grupo reduzido, integrado por gente consciente do que estava fazendo. E que executou integralmente o que planejou. A realização do propósito contém um recado: essas pessoas deverão continuar a cometer esses crimes, que têm um propósito político e não teme as consequências do que faz.

É um grupo terrorista de extrema direita, que pode estar se organizando para travar uma luta armada contra o governo legalmente constituído do país, à maneira dos grupos de luta armada da esquerda contra os governos da ditadura militar. A derrubada das três torres não interrompeu o fluxo de energia porque o Brasil dispõe de um sistema integrado de energia, com as mais extensas linhas de transmissão do mundo. Mas terão mais impacto concreto e provocarão prejuízo bem maior do que os de Brasília.

Assim, é estranho que, no domingo, 8, os jornalistas fizessem coro em uníssono para classificar os atos e os participantes da invasão da capital federal, indistintamente e genericamente, de terroristas (o que pode ter contribuído para a prisão de crianças que estavam no acampamento bolsonarista em frente ao quartel do exército), e nada falaram sobre o evidente terrorismo de um grupo organizado e, por isso, perfeitamente identificável.

Barris de pólvora

Interdição da BR 163 por golpistas, em Novo Progresso, Pará (Foto: Divulgação/PRF)

Dos quatro bloqueios de estradas federais que os bolsonaristas pretendiam fazer no dia 8, dois seriam na BR-163, a Santarém-Cuiabá. No trecho em território paraense, o principal acampamento ficaria em Novo Progresso, a capital do segmento mais agressivo do agronegócio na região. Em Mato Grosso, seria em Rio Verde, Matupá e Guarantã do Norte. No Pará, em Altamira, na Transamazônica, também haveria bloqueio.

Essas áreas precisam de atenção especial, tanto dos organismos de segurança quanto dos órgãos de fomento. As rodovias pioneiras, abandonadas ou malcuidadas pelo poder público, entregues a líderes extremados, se tornaram barris de pólvora.

Após a publicação deste artigo, na segunda-feira, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) atualizou o número de torres de transmissão atacadas por envolvidos nos atos golpistas. Até terça-feira (17), a Aneel contabilizou 16 torres de transmissão de energia elétrica atacadas com suspeitas de atos de vandalismo, entre os dias 8 e 13.

Quatro foram derrubadas e 12 danificadas. Rondônia foi o principal alvo, com três torres derrubadas e seis danificadas, No Paraná, veio abaixo uma torre e quatro foram danificadas. Duas foram atingidas em São Paulo.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, porém, acha não ser possível afirmar que os ataques às torres têm relação com os atos de vandalismo do dia 8, em Brasília.

“O que podemos dizer é que, pelo fato de vários eventos convergirem, nós entendemos que, por bem, é melhor nos adiantarmos a possíveis problemas mais graves, usando todos os instrumentos, e estarmos em posição de vigilância”.

O ministério estuda a utilização de drones e a instalação de câmeras de segurança nos locais. Ao longo das últimas décadas, o Brasil montou um dos mais extensos sistemas de transmissão de energia em alta voltagem do mundo. A expansão prossegue, mas têm sido insuficientes os investimentos em manutenção e modernização.

Este artigo foi atualizado nesta quarta-feira (18), com novos dados da Aneel sobre o número de torres atacadas e sobre medidas a serem adotadas pelos Ministérios de Energia e da Justiça.

A imagem que abre este artigo mostra uma das torres de transmissão da Eletronorte, em Rondônia, que foram derrubadas por vândalos (Foto: Divulgação/Eletronorte)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Citações

'O impacto das cenas com milhares de pessoas destruindo - e livremente - as sedes dos três poderes em Brasília teve um impacto muito maior, como seria de se esperar. Mas é muito mais grave a derrubada de três grandes torres de transmissão de energia (uma no Paraná, com origem na hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo, e duas nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, das maiores do Brasil, em Rondônia)'

Trecho do artigo de Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.