Questão Agrária

Bastidores da reportagem sobre a Comunidade Quilombola do Tambor

ELAÍZE FARIAS, DE NOVO AIRÃO (AM) Para entrar no Parque Nacional do Jaú, é preciso um termo de autorização emitido pelo escritório gestor da unidade de conservação, com sede em Novo Airão. É possível viajar pelo rio Jaú saindo de […]

Crianças do Tambor: Cristiane , 11,Francisca. 05, e José Carlos de Oliveira, 16. (Foto: Elaíze Farias/AR)

Por Amazônia Real Publicado em: 05/11/2014 às 17:01

ELAÍZE FARIAS, DE NOVO AIRÃO (AM)

Para entrar no Parque Nacional do Jaú, é preciso um termo de autorização emitido pelo escritório gestor da unidade de conservação, com sede em Novo Airão. É possível viajar pelo rio Jaú saindo de Manaus, mas a rota mais comum parte de Novo Airão.

Até a comunidade do Tambor, são mais de 270 quilômetros pelos rios Negro e Jaú. Uma viagem sem paradas em uma voadeira com um motor de 50 HP, como a usada pela reportagem, leva no mínimo 10 horas. Mas não foi isso que aconteceu. A reportagem viajou em uma semana chuvosa na região de Manaus e Novo Airão, obrigando o condutor da voadeira a parar durante o trajeto em algumas localidades e assim aguardar o banzeiro do rio Negro se acalmar.

Na vazante, o rio Negro é perigoso devido as rochas e os bancos de areia que emergem neste período. O rio Jaú tem característica diferente. Suas águas são tranquilas. Tão serenas que parecem espelhos onde é possível avistar nas suas águas o reflexo da floresta fechada que lhe circunda. Mas o rio tem uma grande concentração de crocodilos, que ficam à espreita dos viajantes como uma sombra. Também é possível avistar muitos botos vermelhos, em grupos, “passeando” pelo rio.

Se a travessia do rio Negro durou cerca de cinco horas devido as paradas, a previsão é de mais oito horas pelo Jaú até o Tambor. Mas a escuridão e os perigos da noite obrigam o viajante a pedir abrigo em alguma casa ribeirinha. Essas paradas preventivas em nome da segurança fazem com que uma viagem prevista ainda durante o planejamento para durar 10 horas, acabe sendo realizada em 24 horas, como ocorreu com a reportagem da Amazônia Real.

Esse tempo largo não é algo incomum para os moradores da Comunidade Quilombola do Tambor. No Tambor, as famílias se deslocam para Novo Airão em pequenas embarcações ou em rabetas (canoa de motor de 5HP) em viagens de ida e volta que duram até oito dias. No período da cheia, os “furos” (atalhos em forma de canais) que surgem no rio ajudam a diminuir o tempo de viagem. No período da seca, isso é praticamente impossível.

Todo o trajeto (ida e volta) ao Tambor foi feito debaixo de um céu nublado, com interrupções e diminuição de velocidade da embarcação quando caía uma chuva fraca.

Barco da família de Sabino e Maria Aparecida ancorado à margem do rio Jaú. (Foto: Elaíze Farias/AR)

Mas os moradores sabem adaptar suas vidas à floresta e aos rios, conforme a necessidade. No dia em que concedeu entrevista à Amazônia Real, Sabino dos Santos Nascimento estava há oito dias com parte de sua família em sua embarcação ancorada à margem do trecho mais baixo do rio Jaú, com um pedral aflorando, no qual se forma uma cachoeira, comum no período da vazante do rio, aguardando o retorno de três professores da comunidade do Tambor. Os professores haviam ido a Novo Airão para a votação do primeiro turno das eleições. O retorno era financiado pela Prefeitura da cidade até o trecho do pedral somente. A partir daí, eles seriam transportados na embarcação de Sabino.

A reportagem da agência Amazônia Real descobriria, mais tarde, que todos os eleitores do Tambor haviam viajado para Novo Airão para votar no primeiro turno das eleições. Na viagem, os pais levaram seus filhos, em uma cansativa jornada de rabeta que eles não quiseram repetir no segundo turno. Nenhuma família viajou novamente a Novo Airão para votar no dia 26 de outubro. Também não quiseram ficar na cidade aguardando o segundo turno devido à fadiga, sobretudo das crianças, e a falta de local para se hospedar (todos dormiam nas embarcações). Os eleitores do Tambor preferiram abster-se.

Minha chegada na comunidade foi uma surpresa para a maioria dos moradores. Apenas Sebastião Ferreira, o Bá, representante do Tambor em Novo Airão, e que me conduziu até a comunidade em uma pequena embarcação, sabia da viagem. A comunicação tem sido dificultada porque o único equipamento de radiofonia do Tambor está danificado. Não existe sinal de celular ou de telefone fixo. Alguns moradores disseram que na escola há acesso à internet, ocasionalmente, mas apenas um dos professores utiliza. Este professor não estava na comunidade. Viajou a Novo Airão para participar da votação do dia 5 de outubro e não havia retornado.

Embora surpreendidos, todos os moradores foram calorosos e receptivos. Muitos disseram que não lembravam da presença de jornalista no Tambor. A distância, o tempo de viagem e os custos são os principais obstáculos. Obstáculo, provavelmente, para quem não mora na comunidade, pois apesar de várias privações no que diz respeito a políticas públicas, nenhum morador quer sair do Tambor.

Pequena embarcação usada por famílias do Tambor. (Foto: Elaíze Farias/AR)

Vista do rio Jaú, da comunidade quilombola do Tambor. (Foto: Elaíze Farias/AR)

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

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