Cadê minha Menina?

Por Amazônia Real Publicado em: 18/11/2014 às 15:49

FÁTIMA GUEDES

Depois de um breve período longe de Parintins/AM, encontrei Cristiane durante as últimas eleições. Viera votar e ao mesmo tempo continuar a peregrinação pela filha desaparecida, há 11 anos. Cristiane Pereira Pinheiro, solteira, não consegue conter a dor e desabafa entre lágrimas: “Minha Menina já está com 19 anos…”. Sem qualquer certeza do destino da pequena, Cristiane insiste na possibilidade de que ainda esteja viva e com 19 anos.

O alvo desta interminável busca é Khatlen Pinheiro Ferreira, caçula entre 03 irmãos, nascida aos 15/02/1995, no Hospital Padre Colombo, na cidade de Parintins. O sumiço de Khatlen é mais um dos casos não solucionados na lista dos 32 desaparecidos (crianças, adolescentes e adultos), nesta pequena Ilha de 7.069 Km2, com pouco mais de 100.000 habitantes, divulgada para o mundo como “capital brasileira do folclore”.

Tudo aconteceu aos 27 de março de 2003. Na época, com 08 anos de idade, Khatlen cursava a terceira série, do Ensino Fundamental, na Escola Presbiteriana, Bairro Santa Rita, próximo de sua residência. Os únicos relatos sobre a questão são de Deidiana, a coleguinha que acompanhara Khatlen até o momento do desaparecimento. Naquela tarde, terminada a aula, ambas rumaram para um comércio localizado em frente à Escola e compraram dois dindins. Ali, parado num triciclo, um cidadão alto, claro, bem vestido, lhes oferece carona. Isentas de quaisquer malícias, agradecem ao “tio” e entram no veículo.

Nas afirmações da coleguinha, o “tricicleiro não falava com nós. Quando chegou na esquina da minha casa pedi pra parar. Eu fiquei e a Ket foi com ele. Daí… Não sei mais de nada…

Khatlen Ferreira, desaparecida desde 2003.

”

Durante estes dolorosos 11 anos, Cristiane lança-se incansável e cotidianamente à procura da filha. As estradas d’água da Amazônia têm sido grandes parceiras e ao mesmo tempo testemunhas vivas dessa busca sem norte, sem sorte e sem fim. A princípio, recorreu à Polícia, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário, às emissoras de rádio e televisão (local e estadual), em vão.

Dentre as inúmeras tentativas, chegou ao Governador do Estado, na época, Sr. Amazonino Mendes, quando de passagem por Parintins e entregou-lhe uma carta relatando os fatos e pedindo apoio. Segundo Cristiane, naquele momento, o prefeito da época, “me humilhou, dizendo ao Governador que eu era mentirosa e doida…” E, entre soluços incontidos, fala sobre outra injusta acusação advinda da polícia. “Disseram até que eu tinha trocado minha filha com droga… Fui à Rádio Alvorada e dei minha cara à tapa. Até hoje, ninguém provou nada, não deram notícias da minha Menina e ninguém foi punido por calúnia…”.

Além dos elementos apontados, o caso Khatlen trouxera à tona outros fatos semelhantes adormecidos nos arquivos das investigações. E por conta da complexidade da questão e ao mesmo tempo das limitações e fragilidades dos órgãos que cuidam de casos dessa natureza, a tendência é caírem no esquecimento e virarem arquivo morto.

Neste intervalo de tempo, o movimento “Mães da Liberdade e da Justiça”, organizado por populares e famílias envolvidas nos mesmos dramas, foi às ruas e praças da Ilha do Folclore clamar por seus desaparecidos, porém sem respostas satisfatórias… Alegoricamente, é como se, de repente, o Planeta fosse um vazio abissal para onde as vítimas são levadas e, ali, desaparecem para sempre: não existe lugar, não há referências, ninguém sabe, ninguém viu e quem delega poderes para elucidar os fatos declina impotência diante do caos.

E, assim, tateando nas obscuras incertezas, Cristiane vive em peregrinação permanente, dia após dia, sem saber onde encontrar sua Menina: hoje, em Parintins; amanhã, em Manaus; depois de amanhã em outro município sempre que surge um sinal, ainda que falso ou inconsistente. Mesmo sem apoio institucional insiste na busca, hoje, não apenas por Khatlen, mas por todas as crianças que sumiram de Parintins e não se têm lugares para encontrá-las.

Concluímos nossa conversa. Em seus olhos, um rasgo de esperança como se vislumbrasse nesse desabafo mais uma possibilidade…

Notas:

As personagens são reais. Contatos com Cristiane – (92) 992873396

Dindim – Sucos ou refresco congelado em pequenas sacolas; flau; sacolé…

Tricicleiro – Condutor de triciclo.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins e da Articulação Parintins Cidadã.

Reportagem Noticiosa

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