Povos Indígenas

Cai censura à série ‘Ouro do Sangue Yanomami’

Por Eduardo Nunomura Publicado em: 06/08/2021 às 16:21

Juiz Air Marin Junior, de Boa Vista (RR), decide extinguir ação de danos morais de auxiliar de enfermagem da Sesai contra Repórter Brasil, flagrada pela Amazônia Real interessada em vender ouro do garimpo ilegal. (Foto acima: reprodução redes sociais)

São Paulo (SP) – Depois de mais de 20 dias, caiu a censura contra a Repórter Brasil pela publicação da reportagem ‘Compro tudo’: ouro Yanomami é vendido livremente na rua do Ouro, em Boa Vista, produzida pela Amazônia Real. Em sentença de quinta-feira (5), o juiz Air Marin Junior acatou a defesa da agência parceira na série Ouro do Sangue Yanomami e decidiu pela extinção do processo de danos morais movido por Tathiana Nascimento Almeida, auxiliar de enfermagem da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Em 19 de julho, a Repórter Brasil cumpriu decisão liminar proferida pelo próprio do 2º Juizado Cível de Boa Vista (RR), que determinava retirar “qualquer mensagem ofensiva” direcionada à Tathiana na reportagem da série. A Repórter Brasil ocultou com uma tarja preta os parágrafos em que o nome de Tathiana era citado. A ação judicial não recaía sobre a agência Amazônia Real, que sempre manteve o texto na íntegra.

O magistrado acatou a defesa da agência parceira da Amazônia Real, que considerava inadequada a competência de uma vara de pequenas causas para julgar esse tipo de processo. O Juizado Especial Cível analisa ações cujas causas sejam inferior a 40 salários mínimos. “O presente juízo não dispõe de competência para o conhecimento e julgamento da demanda apresentada”, afirmou Marin Junior, ao revogar a censura. Já sobre a autora da ação, Tathiana, a sentença informa que ela “quedou-se inerte quanto a preliminar apontada”.

Advogados da Repórter Brasil, em seu site nesta segunda-feira (9), argumentaram que “a retirada da matéria do ar configuraria odiável censura à liberdade de imprensa, repudiada pela Constituição Federal e diplomas normativos internacionais”.

A censura já havia sido repudiada por entidades jornalísticas, como a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), da qual a Amazônia Real é associada. “Ações de censura como a imposta neste caso são uma grave violação da liberdade de imprensa inscrita no inciso IX do artigo 5º da Constituição Brasileira”, afirma Natalia Viana, presidente da Ajor. “O trabalho premiado e reconhecido das duas organizações revela há décadas ilegalidades que acontecem em cantos pouco cobertos do Brasil. O dano é ainda maior porque afeta organizações independentes que fazem jornalismo justamente onde há ausência do Estado.”

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também se manifestou contra a censura: “O que chama atenção é que o juiz nem sequer ouviu os sites citados na ação”. A Oxfam, o Artigo 19 e o Observatório do Clima também repudiaram a censura.

Investigada pelo MPF

Tathiana Almeida na aldeia vacinando os Yanomami (Reprodução redes sociais)

A fisioterapeuta Tathiana Almeida foi flagrada, em abril deste ano, pela equipe de reportagem da Amazônia Real em uma loja da rua do Ouro, da capital roraimense, perguntando se o ponto comercial comprava “ouro do garimpo”. Em seguida, ela foi até o carro e voltou com um pacote para dentro da loja. Tathiana, que vestia máscara da Sesai, foi procurada antes da publicação da série, em 24 de junho, mas não retornou as ligações. Depois de publicada, anunciou que entraria com um processo judicial. Depois, ela moveu a ação contra a Repórter Brasil.

Em junho, o Ministério Público Federal (MPF) abriu procedimento para investigar se há ligação da funcionária da Sesai com o garimpo ilegal. O Ministério da Saúde informou que faria uma investigação de 30 dias, afastando a auxiliar de enfermagem da TI Yanomami.

O nome de Tathiana Almeida foi citado, ao lado de outros quatro agentes, em ofício de 15 de julho do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kuana (Condisi-YY). Depois da publicação da série jornalística, o presidente do Condisi-YY, Junior Hekurari Yanomami, decidiu visitar as comunidades Komamassipi, no Parafuri, e também as aldeias das regiões do Parima e Homoxi. Lá, descobriu, segundo relato dos Yanomami, que profissionais de saúde desviaram pelo menos 106 vacinas que deveriam imunizar os indígenas contra a Covid-19 e aplicaram as doses em garimpeiros.

Junior Hekurari apurou ainda, junto aos Yanomami, que os agentes de saúde chegaram a voar em 13 de maio, portanto antes do término da missão sanitária, em “voo pago pelos garimpeiros”. De acordo com essa denúncia, uma vacina era negociada em troca de 15 gramas de ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Yanomami.

Esta é a segunda denúncia de troca de vacinas por ouro. Isso já havia ocorrido, segundo denunciou a Hutukara Associação Yanomami ao MPF, nas regiões de Humuxi e Uxiu, em abril. O MPF investiga o caso do desvio de vacinas por agentes de saúde. A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas também denunciou o caso para a CPI da Covid, em Brasília.

A série “Ouro do Sangue Yanomami” revelou, de forma inédita, como a extração de ouro em terras indígenas é marcada por um esquema criminoso, envolvendo empresas mineradoras com grande capital financeiro, donos de aeronaves, servidores públicos, políticos e governantes, indígenas, grifes de joalherias internacionais e até o narcotráfico.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Citações

"O presente juízo não dispõe de competência para o conhecimento e julgamento da demanda apresentada", sentencia o juiz Air Marin Junior, do 2º Juizado Cível de Boa Vista (RR), e põe fim à censura a reportagem publicada pela Repórter Brasil, na qual agente da Sesai foi flagrada pela Amazônia Brasil tentando negociar ouro do garimpo.

Local de Cobertura

São Paulo

Eduardo Nunomura

Na Amazônia Real, exerce a função de editor de especiais. ([email protected]). Mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, é professor de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Iniciou a carreira jornalística em 1992, no grupo Folha, e teve passagens pelo Estadão e pela revista Veja. Foi repórter especial por quase dez anos no Estadão.