Candidato de esquerda e herdeiro de grileiro

LÚCIO FLÁVIO PINTO O paranaense Marcelo Beltrão Almeida, de 47 anos, é o mais rico dos candidatos às eleições gerais deste ano no Brasil. Concorrente ao Senado pelo PMDB do Paraná, o patrimônio que declarou à justiça eleitoral vale 740,5 […]

Por Amazônia Real Publicado em: 18/08/2014 às 11:29

LÚCIO FLÁVIO PINTO

O paranaense Marcelo Beltrão Almeida, de 47 anos, é o mais rico dos candidatos às eleições gerais deste ano no Brasil. Concorrente ao Senado pelo PMDB do Paraná, o patrimônio que declarou à justiça eleitoral vale 740,5 milhões de reais, composto por 16 imóveis, oito veículos e aplicações, todas elas em empresas da família, representando 90% da sua fortuna. Ele integra a coligação encabeçada por Roberto Requião, que tenta voltar ao governo paraense, e se considera de esquerda.

O Pará e eu mesmo demos nossa involuntária contribuição para essa fortuna, cada um conforme as suas possibilidades. Eu depositei em juízo 28 mil reais, coletados através de subscrição pública, à qual compareceram mais de 700 pessoas de todo país, fazendo suas doações através de uma mobilização feita pela internet.

O dinheiro seria para indenizar o dano moral que causei ao empresário Cecílio do Rego Almeida, ao acusá-lo de “pirata fundiário”. A expressão foi inspirada pela situação em que se colocou o dono da Construtora C. R. Almeida. Ele se apresentou, em 1995, como dono do que pretendia que fosse o maior imóvel rural do Pará, do Brasil e provavelmente do mundo, com algo entre cinco e sete milhões de hectares. Se constituísse uma unidade federativa, seria o 21º maior Estado brasileiro – nas mãos de um só homem.

Todas as provas realmente válidas demonstravam, porém, que essa vastíssima gleba, situada numa região conhecida por Terra do Meio, a de mais alta concentração remanescente de mogno, a árvore mais valiosa da Amazônia, era de propriedade do Estado e da União. Tais terras nunca foram transferidas para o domínio privado. Sua apropriação foi possível através de uma fraude, conhecida nos meios fundiários pela denominação de grilagem. A maior grilagem planetária.

A justiça federal comprovou a apropriação ilícita de patrimônio público e mandou cancelar os registros imobiliários feitos no cartório de Altamira. Só não indiciou Cecílio Almeida porque ele já tinha mais de 70 anos no momento em que a denúncia do Ministério Público Federal foi apresentada em juízo. Mas foi pedida a prisão do filho dele, Roberto Beltrão de Almeida, irmão do candidato a senador, e do seu genro, Marcos Antonio Cassou. Ambos são dirigentes do grupo C. R. Almeida.

Já a justiça estadual, embora tenha demitido a bem do serviço público todos os servidores do cartório, que participaram da grilagem, me condenou na ação proposta contra mim pelo empreiteiro em 2000. A sentença foi confirmada no Superior Tribunal de Justiça, com base em erro formal do recurso. Eu podia continuar a recorrer, mas decidi, em protesto, denunciar o absurdo cometido pela justiça do Pará e recorrer aos cidadãos comuns para juntar dinheiro e depositá-lo à disposição dos herdeiros de Cecílio Almeida.

O empresário morreu em 2008, aos 78 anos. Seus parentes podiam ter reconhecido a temeridade da lide estabelecida contra mim e desistido das ações. Mas, novamente com a conivência da justiça estadual, que prorrogou os prazos para a habilitação e a recebeu mesmo quando já inaceitável, confirmaram seu interesse em prosseguir com a demanda e receber a indenização estabelecida. Assim, eu, com o dinheiro arrecadado, e o Estado, com o uso ilícito de suas terras em várias operações feitas pelo empresário, contribuímos compulsoriamente para o acréscimo da sua fortuna.

Na época, parecia que Marcelo não daria continuidade à ação do pai. Ele era (e continua a ser) apresentado como uma pessoa sensível, preocupada com a cultura e com o meio ambiente, com uma personalidade distinta e até oposta à do pai. Mas ele também endossou a confirmação do interesse e deverá receber a parte que lhe cabe da verba indenizatória.

Esse detalhe não coincide com a maioria das descrições que dele são feitas pela imprensa e nas redes sociais da internet. Parece que foi por acaso, ou mesmo contra sua vontade, que ele foi crescendo como pessoa rica e de poder, embora tenha conquistado seu primeiro mandato, o de vereador, aos 23 anos. Em 2012 era o terceiro político mais rico do Brasil. Agora é o candidato mais rico desta eleição.

Em entrevista ao portal UOL Marcelo disse que esse rótulo “que me persegue. Não fui eu que fiz [o patrimônio]. Não participo das empresas. É uma coisa que herdei”. Ainda assim, “não tenho vergonha disso, não”, diz ele, talvez fundamentado na sua condição de caçula dos seis irmãos. Ora, pois.

Marcelo ascendeu recentemente a uma cadeira na Câmara Federal quando o titular, André Vargas, do PT do Paraná, perdeu o lugar. Vargas foi o autor do projeto de lei que deu o nome de Cecílio Almeida a uma das estradas do Paraná controladas por firma do próprio grupo. Ele e Marcelo foram eleitos pelo PT e o PMDB, à frente da coligação União pelo Paraná, da qual participaram PDT, PR e PC do B.

Na eleição de 2006, na qual também ficou com uma suplência, declarou à justiça eleitoral que a soma dos seus bens valia R$ 86,6 milhões. Quatro anos depois, a fortuna do empresário cresceu 82%. A explicação para esse salto foi atribuída à morte do pai: “Nós, herdeiros, passamos a ser acionistas diretos das empresas dele”. Nesse intervalo, também houve uma elevação do capital do grupo C. R. Almeida, “que trouxe integralização de caixa para a companhia”.

Em 2010, quando tentou novamente uma vaga na Câmara dos Deputados (ficando como 1º suplente), o seu patrimônio, de R$ 156 milhões, apresentou crescimento ainda maior, de 372%, sem considerar a inflação do período. Tudo graças ao rendimento da herança, que não para de se multiplicar.

Para agravar o problema, André Vargas esteve envolvido com o doleiro Alberto Youssef, preso por suspeita de lavagem de dinheiro na operação Lava Jato, da Polícia Federal. Youssef operava com políticos, empresários e poderosos em geral.

Relações assim têm causado perplexidade e espanto. Ainda mais porque o pai do deputado combateu Roberto Requião quando ele foi governador do Paraná, com sua tradicional virulência quando a razão das divergências era o valor dos pedágios, que constituem agora uma das grandes fontes de renda da corporação. Cecílio também acusava Requião de esquerdista, porque ele apoiava o MST, incentivando as invasões dos sem-terra às suas propriedades.

Marcelo, entretanto, desfiava uma história diferente com Requião, “de pura fidelidade e amizade”, com 22 anos de duração. “Ele me fez vereador, me fez diretor do Detran e agora me convidou para concorrer ao Senado”, admitiu na entrevista E não vê contradição no fato de a chapa formada pelo candidato mais rico do Brasil ser a mesma de um político que diz ter convicções esquerdistas, próximo dos movimentos sociais, como Requião, Marcelo garante: “sou mais à esquerda que ele. Fui vereador mais à esquerda que o PT. Tenho voto no PSTU, no PSOL, todas as portas abertas no PT. Não é porque eu tenho um patrimônio grande que seja obrigado a ser de direita”. Quem quiser que acredite.

A combinação das duas qualidades habilita o candidato a bancar com seus próprios recursos os R$ 6 milhões que ele prevê como o orçamento de campanha. Ou nem 1% da sua fortuna. Algo desprezível para sua fonte de dinheiro, o grupo CR Almeida, que congrega mais 30 empresas e possui um patrimônio de quase R$ 10 bilhões. Atua em construção pesada, portos, logística, mineração, pedágios e concessão de estradas, dentre as quais uma das que têm os maiores fluxos de veículos, a Anchieta-Imigrantes, em São Paulo.

A realidade está de cabeça para baixo no Paraná. Só no Paraná?

Lúcio Flávio Pinto é jornalista, sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém/PA desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras.

Reportagem Noticiosa

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