Casos de transfobia na UEA expõem desrespeito e violação a direitos de pessoas LGBTQIA+

Por Wérica Lima Publicado em: 25/04/2022 às 17:59

” Erros” repetidos nos nomes e pronomes, discursos agressivos e situações constrangedoras abalam pessoas trans. Uma das alunas, Ariel Kuma, registrou seis boletins de ocorrência do crime (Fotos: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Manaus (AM) – No início da trajetória universitária, o acolhimento e a vontade de ocupar espaços que historicamente excluem as pessoas trans fizeram Ariel Kuma, professora de yoga e transvestigênere, 37 anos, sentir-se bem-vinda na Escola Superior de Artes da Universidade do Estado do Amazonas (ESAT-UEA). Nas primeiras semanas do curso de Teatro, Ariel sentiu-se à vontade para começar sua transição e viver uma nova fase na vida.

O termo transvestigênere abrange todas as identidades de homens e mulheres trans, travestis e pessoas trans não binárias.

Com o passar do tempo, no entanto, a transfobia, antes disfarçada e aparentemente inexistente no ambiente universitário, veio à tona no cotidiano de Ariel. Pessoas que ela respeitava pelo profissionalismo começaram a chamá-la por nome e pronome que não existem mais em sua vida. Apesar dos avisos, a insistência em errar algo simples permaneceu. Uma, duas, três…seis vezes! Essa é a quantidade de boletins de ocorrência feita a respeito das situações de violência que Ariel já passou desde que entrou no curso, de 2020 até agora.

A primeira situação de transfobia relatada por ela aconteceu em abril de 2020, durante uma reunião do colegiado universitário a respeito das condições dos alunos na pandemia da Covid-19. No dia do encontro online com o corpo docente para debater o assunto, ela e seus colegas não estavam sendo aceitos na chamada. Quando conseguiram entrar, descobriram que o horário da reunião era diferente do que havia sido informado.

Ao questionar o informe errado como algo proposital para não ouvir os estudantes e denunciar a situação da comunidade acadêmica na pandemia, o coordenador e os organizadores do encontro disseram repetidamente que a Ariel era “mentiroso”. Logo após corrigir o gênero, uma das professoras afirmou se sentir agredida e saiu da reunião. A estudante desde então desistiu de contribuir com o centro acadêmico e de ser representante de turma.

“A gente chama isso de pacto narcísico da branquitude, onde os brancos ficam dizendo: Ai, uma pessoa preta foi agressiva demais, ai, a pessoa trans foi muito agressiva comigo”, conclui.

A mesma professora repetiu a atitude nos anos seguintes. Em 8 de março de 2022, quando Ariel foi avisar que não iria aparecer na aula por estar mal após um episódio de transfobia ocorrido no dia anterior, a professora respondeu via e-mail “sinta-se acolhido”. Quando Ariel respondeu corrigindo-a, ela disse que era ela quem precisava de acolhimento, com o argumento de que “não tem mais saúde para lidar com esse assunto”. Disse ainda estar “no piloto automático” e que agradecia a Ariel por ensinar novas formas de viver.

“Depois disso respondi direto para o colegiado e para a coordenação. É um absurdo a pessoa falar que está me agredindo porque está no automático. Então, realmente é automático, é o movimento padrão, né? Agredir pessoas trans sem motivo específico. E eu não estou querendo ensinar novas vivências para ninguém, só estou querendo ser respeitada”, desabafa.

Em outro episódio, durante uma aula de produção textual com outra professora que relacionava o tema com questões atuais, Ariel resolveu comentar sobre a importância da linguagem neutra, assumindo sua identidade como travesti. No fim da aula, pela primeira vez depois de meses desde que a disciplina começou, a professora agradeceu a participação “do Ariel”. Ela corrigiu a professora, que pediu desculpas.

“Saí de lá baqueada, dizendo: eu não estou acreditando que a professora que é sempre gentil de repente faz uma coisa dessas, sabe? Eu acho que é uma provocação consciente, não acho que nenhum deslize assim é à toa. Nenhuma agressão é gratuita mesmo. É o consciente dela que tem que ser responsabilizado sim. Já estava na metade do semestre. Ela nunca tinha errado antes… só porque eu me assumi travesti ela começou a errar?”.

A forma pela qual vem sendo tratada faz Ariel questionar como tais atitudes são “arquivadas” pelo fato de os agressores serem pessoas “gentis e queridas”.

“Eu sinto que vai para esse lugar que ninguém denuncia porque elas são pessoas queridas. Para a gente que está sofrendo isso todo dia é pesadíssimo. Exatamente como uma situação familiar da gente dizer: Não vou ficar brigando com a minha avó, mãe, e a gente aceita a violência dentro da família, dentro da universidade”.

Além dos episódios com professores universitários, Ariel teve o mesmo problema em cursos online que ganhou por meio de vagas afirmativas para pessoas trans. Em um deles, os próprios colegas chegaram a defender a professora e em outros foram transfóbicos. Em 2021, a aluna desistiu de dois cursos e no final do ano havia parado de acompanhar as aulas.

O sentimento de culpa, de não conseguir ter diálogo nas aulas, de ficar o tempo todo nervosa e apreensiva, faz Ariel sempre pensar em deixar a universidade. Ao denunciar tais situações, ela já foi orientada a se responsabilizar por “sensibilizar a cabeça dura” de pessoas transfóbicas.

Por medida de segurança, a aluna Ariel Kuma preferiu não divulgar os nomes das professoras responsáveis pelos casos de transfobias por temer por sua vida. A agência Amazônia Real solicitou um posicionamento da UEA, que informou que apura um dos casos contra a estudante. “A instituição reitera que o fato aconteceu de forma pontual e que medidas pedagógicas foram tomadas”. Leia a íntegra da nota no final desta reportagem. Atos de transfobia, como preconceitos, são crimes, como decidiu o Supremo TrIbunal Federal (STF) em 2019.

A estudante Ariel Kumas denuncia transfobia no curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

“Ele”, pronome repetido várias vezes por uma colega de turma no início das aulas em 2022, fez Ariel sair da aula e passar a semana inteira sentindo-se disfórica, levando-a a gastar um dinheiro que não tinha para usar um megahair. “Foi uma semana horrível. Essa pessoa me chamou assim várias vezes e acha que não está acontecendo nada, mandou e-mail depois perguntando o que aconteceu porque ela não sabe o que fez”, relata.

Ariel não é a única a enfrentar situações como essa. Ana Júlia, de 23 anos, mulher trans e estudante de teatro do 6º período na UEA, passou por algo que não esperava vindo de uma pessoa próxima, que fazia parte da linha de frente de um projeto de extensão no qual ela é integrante desde 2019. Durante as reuniões online, o nome e pronome antigos de Ana eram mencionados de forma constante. Dia após dia, o mesmo erro permanecia. Às vezes, ela corrigia a pronúncia de seu nome usando um asterisco no final, mas nada adiantava.

Até que em 25 de fevereiro deste ano, quando estava combinando um encontro de forma virtual com a liderança do projeto para marcar os últimos detalhes de uma montagem cênica, foi surpreendida novamente sendo chamada com o pronome masculino. Mais uma vez se dispôs a ensinar como deve ser chamada. Mais uma vez tentou ser didática. “Você já está ciente desde outubro do ano passado, então queria muito que você tivesse esse olhar para o meu lado, porque isso me deixa muito desconfortável e constrangida”, disse para a aluna.

Logo em seguida, foi atingida por um discurso transfóbico e frases violentas que questionavam e insultavam sua existência e identidade. “Falei de forma super amiga e ela simplesmente me atacou”.

“Ela disse que acredita na ciência e que mesmo que me chamasse de ela isso não ia me fazer ser menos homem e que não ia deixar de acreditar nisso só para me fazer sentir confortável, com a justificativa que a biologia fala que eu não tenho útero, não posso ter filhos. Foi muito constrangedor, fiquei muito mal, foi a primeira vez que eu realmente sofri um ataque diretamente de alguém do meu ciclo”, relata.

Sem reação, Ana Júlia saiu do grupo de WhatsApp abalada. No dia seguinte, o companheiro da agressora, também integrante do mesmo projeto, disse que respeita Ana e que entendia a importância dos pronomes após conversar com outra trans sobre o assunto. Justificou a atitude da namorada dizendo que ela é feminista.

“Essa pessoa é feminista, só que ela acredita em um feminismo seletivo, só para as mulheres cis e não para as trans. Ela acredita que as mulheres trans atrapalham o feminismo, então foi um ataque bem violento para mim, tanto é que fiquei sem reação e só respondi que ia sair do grupo e qualquer coisa ia falar com meu professor, que não dava para continuar no núcleo, que ia para outro”, conta Ana Júlia.

Antes de iniciar a transição, Ana era muito amiga da estudante e cultivava uma parceria desde 2019, sem desavenças. “Era muito amiga, para tudo que precisava eu estava ali”, lembra. “Eu ainda estou realmente perdida porque foi de alguém do meu ciclo, que eu gostava. Ali percebi que ela não era tão recíproca como achei que seria, então só quis cortar a amizade porque não vale a pena.”

Mesmo com tal violência, Ana decidiu permanecer no projeto. “Eu não saí do projeto de extensão, até porque entre ficar sem a bolsa, que é o único lugar onde recebo minha grana para me sustentar, e ficar num grupo de extensão onde tem uma mulher transfóbica, eu opto pelo que mais me favorece. Infelizmente, eu prefiro continuar no grupo e ter meu dinheiro todo mês, o que faz diferença na minha vida”, comenta.

Resquícios da censura e transfobia

A artista trans não binária Leo Scantbelruy durante performance no centro de Manaus
(Foto: Ana Lúcia Martins)

Artista trans não binária, Leo Scantbelruy, 26 anos, licenciada em teatro pela UEA, relata que os casos de transfobia não são recentes. Durante o período em que estudou na universidade, entre 2014 a 2017, ela vivenciou diversas violações e censura relacionadas às pautas LGBTQIA+ nas artes cênicas. A religião cristã de alguns professores interferia nas performances e restringia o vasto campo da arte, segundo Leo.

Performances que criticam padrões e os corpos presos a estereótipos eram as primeiras a serem vistas com olhares de estranhamento. “A gente vê que provoca uma aversão, um constrangimento, uma tentativa de silenciamento, reclamação na secretaria ou até mesmo diretamente para a segurança, que foi chamada diversas vezes. É uma tentativa de fazer com que isso fique apenas em um ambiente dentro de uma sala de aula, não fora”, diz.

Uma das lembranças que guarda é de um episódio com um aluno do candomblé, que tinha um projeto no qual estudava as matrizes africanas e sofreu intolerância religiosa. Foram várias discussões e brigas de pessoas que queriam censurá-lo. “Foi o dia que realmente passei mal ao discutir”, diz.

Artista de rua, Leo conta que era barrada e perseguida, sendo muitas vezes questionada em relação às performances nas quais ela não se contentava com o tradicional. A forma como se vestia também provocava reações. “Na época, eu não ter procurado uma advogada foi um erro. Eu ainda era imatura e não tinha essa consciência política. Tudo isso deixa traumas, hoje eu até evito estar naquele ambiente em que eu não me sinto confortável, infelizmente”.

As memórias são bem nítidas sobre as violações. “Com o passar dos anos a gente vai se lembrando e recordando as coisas que provocam sensações, gatilhos. Por já ter passado por isso, mas também por ter testemunhado outras situações no ambiente acadêmico”, diz.

Vidas cheias de desafios

Luís Martins no Teatro Amazonas (Foto: @isisdemanaus)

A universidade é só um dos desafios na vida das pessoas LGBTQIA+. Luís Martins, de 21 anos, se apresenta como bicha preta afeminada e cursa o 5º período de teatro. Ele, que optou por usar o pronome masculino nesta reportagem, mas também utiliza os pronomes ela/dela, se afastou da universidade e trancou parte das disciplinas ao enfrentar “violências invisíveis” e ter que trabalhar para sobreviver. Um de seus professores sempre chamava a atenção por Luís chegar atrasado na aula nas ocasiões em que tinha que ir andando por não ter dinheiro para a passagem de ônibus. O racismo e a homofobia estão presentes durante suas vivências. O termo “mimimi” é usado para minimizar as situações.

“Por estar mais longe da universidade agora, me sinto menos violentado. Porque a maioria é formada por professores brancos, que têm suas carreiras e que se acham os pais da salvação. Não veem o lado do aluno que tem que ralar para conseguir um pão, fazer corre e ainda estudar”, desabafa.

Luís decidiu fazer o curso no seu tempo, pelo bem de sua saúde mental. “Eu entrei no teatro porque queria, porque gosto e me dá tesão. A partir do momento que não vejo prazer em estar em um curso porque me vejo numa relação tóxica, eu simplesmente me afasto e foi o que decidi fazer”, explica.

O caminho percorrido da casa até a UEA, mesmo na época que apenas fazia um projeto na Esat e não era universitário, sempre foi um dos maiores desafios. As travessias de rua, que para algumas pessoas são simples, para pessoas LGBTQIA+ podem ser gatilhos para situações agressivas e difíceis de enfrentar. Numa das idas e vindas, mesmo acompanhado, ele foi xingado enquanto atravessava uma avenida, ouvindo palavras de um grupo de estudantes como “viadinho” e ordens como “anda igual homem”.

Luís se posicionou na cena sem dizer nada, o que foi suficiente para sofrer uma tentativa de agressão. Um dos estudantes tentou bater nele. Paralisado, o estudante foi defendido por amigos que estavam logo atrás. Aos 18 anos e com inúmeros conflitos diante de quem era, aquilo foi um gatilho para as suas inseguranças. “Eu fui para casa tentando agir como se nada tivesse acontecido, cheguei em casa, no meu quarto, chorei muito, não queria mais sair para canto algum, passei umas duas semanas sem ir para os ensaios, sempre alegando que não queria ir por medo de sofrer outro ataque mais trágico”, conta.

Ao ouvir na época que poderia transformar isso em “arte e luta”, o artista retornou aos ensaios e teve a cena da performance editada, dando mais ênfase ao estereótipo colocado às pessoas LGBTQIA + e trazendo a vivência do ator. “Foi muito libertador porque eu me desamarrava de mim, mesmo que aquilo me doesse. Ali foi o ápice, eu pensei: cara é isso que quero para minha vida”.

“Se a direção sabe disso, por que acontece?”

Escola Superior de Artes e Turismo da UEA (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Este é um dos diversos questionamentos que as vítimas têm a respeito das políticas ineficazes da universidade. Reuniões, panfletos e seminários são mesmo úteis quando tais crimes persistem? “Eu acho inútil, né? Em plenário é difícil eles obrigarem as pessoas a comparecerem”, afirma Ariel Kuma e complementa: “É um crime, essas coisas não deveriam passar batido dessa forma”.

Ariel conta que as funcionárias do R.U [Refeitório Universitário], pessoas que muitas vezes não tiveram oportunidade de estudar, conseguem respeitar as pessoas LGBTQIA+ no dia a dia. “Por que as professoras que estudaram, que são mulheres brancas, privilegiadas dentro desse sistema, tem tanta dificuldade? Aí que fica o questionamento”, complementa.

Ana Júlia enxerga a transfobia na universidade como uma bola de neve, na qual as pessoas acobertam as atitudes e fica por isso mesmo. “Mesmo que eu queira muito ocupar esses espaços que são meus por direito, tem que ter esse apoio da universidade. Eu não deveria estar tomando essa decisão, pensando em desistir do meu projeto de extensão que sempre gostei por causa de uma pessoa transfóbica”.

“Algumas discussões na universidade são muito coloniais. Muito voltadas para um público. Eles dizem para englobar tudo, só que tem certas coisas em que a gente não se sente englobado. A gente só vê um núcleo ali de pessoas brancas privilegiadas, não se resolve crime com reunião, porque se resolvesse o país não seria o que mais mata LGBTQIA+. ”, afirma Luís.

Trazer à memória as histórias é um passo importante para a mudança, na opinião de Leo Scantberry. “É preciso voltar à escola e trazer o passado dessas injustiças. A gente precisa se unir e coletivizar o movimento estudantil e ir contra essas situações”, diz. “É preciso ter o apoio dos docentes e comunicação para que não ocorra esse ato de apagamento. Se a direção sabe disso, por que acontece? Ela continua dando espaço para essas intolerâncias. A gente vê pessoas próximas desistindo, há um alto nível de evasão”.

O que diz a UEA

Em nota, ao ser procurada pela reportagem da Amazônia Real, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) informou que está ciente de um dos casos ocorridos com uma aluna e vem discutindo isso junto com a direção da unidade acadêmica e com as coordenações de cursos.

“A instituição reitera que o fato aconteceu de forma pontual e que medidas pedagógicas foram tomadas. Neste sentido, a gestão da unidade comunica, ainda, que ações educativas sobre identidade de gênero serão realizadas a fim de evitar que novos casos ocorram”, diz a nota.

Para a UEA, algo que “assegura o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais” é o fato da universidade ser uma das primeiras a adotar o uso do nome social, baseando-se na resolução Nº 4/2015 do Conselho Universitário.

“A UEA preza pelo bem-estar de todas as alunas e alunos, técnicas e técnicos, professoras e professores da universidade e reforça que estudantes que desejem utilizar o nome social têm esse direito assegurado de forma institucional. A solicitação pode ser feita a qualquer momento, por escrito, na secretaria da unidade acadêmica”, afirma a nota.

O país que mais mata

Manifestação do Movimento LGBTQI+ em frente à Delegacia de Homicídios em Manaus por justiça pelo assassinato da mulher trans e atriz Manuella Otto, 25 anos morta pelo PM Jeremias da Costa Silva (Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Não existe um monitoramento por parte do governo que registre os casos, que muitas vezes estão relacionados a homicídios. Segundo o último dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), lançado em 2022 e referente ao ano anterior, pelo menos 140 pessoas trans foram assassinadas, sendo 135 travestis e mulheres transexuais e cinco homens trans.

Segundo a Transgender Europe (TGEU), em 2021 houve um aumento de 141% nos casos de violência, em comparação com o ano em que começou o monitoramento global pela ONG. Foram 140 assassinatos contra 58 em 2008. O Brasil segue como o país que mais mata pessoas trans no mundo pelo 13º ano consecutivo. Sem ações efetivas por parte do governo de Jair Bolsonaro (PL), além da falta de dados e subnotificações, o temor é que os números aumentem ainda mais.

“Nós estamos vivenciando a realidade de um estado brasileiro em que a violência foi legitimada. Há a implementação no Brasil de uma necropolítica que é o que se evidencia como política de morte. Os governos decidem quais os corpos que merecem viver e quais são os corpos que não merecem viver”, destaca a professora e pesquisadora Lidiany Cavalcante, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Lidiany afirma que o público LGBTQIA+ é tratado como uma segunda classe no país.

Conforme o relatório da Antra, apenas 0,02% das pessoas trans estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% não têm o ensino fundamental completo. “As universidades, que deveriam se configurar como espaços plurais, na verdade acabam sendo espaços de opressão pelo não reconhecimento das identidades e diferenças. O uso do pronome ou pré-nome de uma forma equivocada pode ser uma violência simbólica, psicológica e se configura com certeza como violência institucional porque reflete justamente a ausência da configuração dos direitos humanos a essa população que também deve ter acesso a universidade”, alega Lidiany Cavalcante.

Conforme explica Michele Pires Lima, ativista da diretoria da Associação de Travestis Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram), existe um problema grande relacionado à transfobia estrutural. Para ela, os corpos não são bem vindos no ensino superior, o que remete à transfobia recreativa em forma de “piada”, tratando essas pessoas como “menos humanas”.

Uma das coisas que precisam ser discutidas dentro do tema é a democracia garantida na Constituição Federal de 1988 no Brasil, que garante cidadania, dignidade humana e direitos fundamentais para todos, todas e todes.“Precisa ser discutido nesses cursos e departamentos cujas grades não levam em consideração isso, mesmo com corpos trans ali presentes. Seria uma forma de minimizar cada vez mais essas transfobias e para que tenham consciência dos seus atos e da situação de minoria social e de vulnerabilidade do outro”, ressalta Michele.

“Esse é o caminho para que a gente de fato tenha uma mudança social. Que haja justiça social para aqueles e aquelas historicamente nesse campo da marginalização. Que conquistem cada vez mais em coletivo, individualmente, dentro e fora dos movimentos sociais o seu espaço para erguer a voz e dizer eu existo e exijo ser respeitada, respeitado e respeitade”, finaliza.

Gostou dessa reportagem? Apoie o jornalismo da Amazônia Real aqui.

Reportagem Investigativa

Sobre a matéria

Citações

“Eu achava que ia conseguir aprender a ignorar com o passar do tempo, mas na verdade se torna cada vez mais dolorido. Não dá para ignorar, não dá para fingir que não está acontecendo. Independente de quem seja”, afirma a estudante Ariel Kuma.

Links
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml

https://amazoniareal.com.br/cabo-da-policia-militar-e-preso-como-suspeito-da-morte-de-manuela-otto/

https://amazoniareal.com.br/pandemia-deixa-populacao-lgbti-mais-vulneravel-no-amazonas/

https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf

Local de Cobertura

Manaus (AM)

Wérica Lima

Formada em comunicação social com ênfase em jornalismo pela Universidade Nilton Lins, é estudante de Ciências Biológicas no Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Em sua trajetória, passou pela assessoria de comunicação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e publicou artigos pela organização internacional de mudanças climáticas Climate Tracker. Em 2019, participou da 1ª Oficina de Jornalismo Socioambiental da Amazônia Real e foi social media na agência entre julho de 2020 e janeiro de 2021. Empenha-se em fazer reportagens que representem a diversidade amazônica e dê espaço para as populações falarem sobre suas próprias realidades, a partir do jornalismo científico e socioambiental. ([email protected])