Chega de M’ Água!

FÁTIMA GUEDES Não é recente a mobilização mundial em atenção ao cuidado com as águas do Planeta. Em 2005, durante o V Fórum Social Mundial (Porto Alegre), insistentemente chamava-se a atenção dos envolvidos naquela construção de Outro mundo possível, no […]

Por Amazônia Real Publicado em: 09/03/2015 às 17:45

Primeira manifestação por água pura em Parintins, em 2005 (Foto: Arquivo Pessoal)

FÁTIMA GUEDES

Não é recente a mobilização mundial em atenção ao cuidado com as águas do Planeta. Em 2005, durante o V Fórum Social Mundial (Porto Alegre), insistentemente chamava-se a atenção dos envolvidos naquela construção de Outro mundo possível, no sentido de pautarem como prioridade em suas agendas de luta – água e saúde. Espalhados nas várias tendas do espaço eram comuns visuais do tipo, Se as guerras do século 20 foram por petróleo, as do século 21 serão por água.

Para a maioria dos militantes presentes no evento, principalmente a turma do norte do País, a profecia provocava certo estranhamento; soava até como exagero da parte dos organizadores do Fórum quanto ao enfrentamento ao imperialismo global. No painel de nossa limitada memória político-histórica, conseguíamos apenas visualizar uma caudalosa e inesgotável bacia hidrográfica, levando benefícios imensuráveis aos povos da Amazônia. Nosso olhar se fixava no volume, na quantidade e no marketing romântico da Amazônia Pátria d’Água e nas toadas dos bumbás idealizando os cabocos ribeirinhos como míticos heróis… Faltava-nos alicerce político para compreender que toda aquela hídrica abundância já entrava no game dos impérios como mercadoria. Quanto à qualidade pouco se questionava.

De nosso retorno à realidade Parintintin, decidimos assumir o debate público e ao mesmo tempo enfrentar severa contestação de gestores assim como sátiras da sociedade civil desinformada. Naquelas circunstâncias, a temática era concebida como algo abstrato e incabível para um Município cercado de água por todos os lados. Até o momento, Parintins vendia para o mundo – A água mais pura do Amazonas. Era comum, na época, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), vender água em abundância para os navios turísticos, quando de passagem pela Ilha do Folclore. (Só mais tarde ficamos sabendo que água comercializada era utilizada apenas para a limpeza dos navios). Nesse sentido, qualquer discussão contrária à propaganda da ‘água pura’ era motivo para retaliações ou pretexto para justificar ‘perseguição política’.

Apesar das posições arbitrárias ao debate, uma parcela da comunidade acumulava suspeitas de que a água de Parintins não era tão pura como se alardeava. Tomava-se como parâmetro, o crescimento desordenado da cidade sem qualquer critério de salubridade, a produção desenfreada de lixo depositado indiscriminadamente (até hoje) no terreno do Centro de Ensino Superior da Universidade do Estado do Amazonas que se transformou num lixão escancarado cujo chorume tempera o lençol freático que alimenta os poços tubulares com medidas, entre 30,4 (PT6) e 80 metros (PT23) de profundidade. (Registros daquele período).

Em apoio às discussões – até então bastante acirradas entre gestores e movimentos populares – o Internato Rural de Medicina (UFAM), na pessoa de seu Coordenador, o Médico Sanitarista, Menabarreto Segadilha França, encarou o debate como uma oportunidade para se analisar problemas de Parintins ligados à Saúde, dentre eles a água consumida pelos ilhéus.

Para encurtar, naquele mesmo ano (2005), aos 22 de março, dia Mundial da Água, Menabarreto devolvia aos parintinenses o resultado das análises da água. Segundo Parecer Técnico do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Laboratório Central (LACEN), Companhia de Recursos Minerais CPRM, Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e Fundação de Vigilância Sanitária (FVS), constatou-se que a água mais pura do Amazonas estava contaminada por níveis elevados de amônia, nitrato, ferro, alumínio, chumbo e outros resíduos em total DESACORDO com a Portaria n⁰518 de 25/03/2004.

População fora às ruas exigir água pura (Foto: Arquivo pessoal)

Na sequência, Parintins fora às ruas, ocupou a Câmara Municipal e exigiu medidas urgentes em atenção ao problema. Os manifestantes espalharam na cidade o Manifesto – Chega de M’Água! – cobrando Direito à Informação, Valorização e Defesa do Serviço Autônomo de Água e Esgoto, Proteção das Nascentes e Mananciais, Destino Adequado para o Lixo, Saneamento Básico e Protagonismo Popular. O Manifesto concluía seu intento com a provocação – A Água está com sede. Saciá-la é compromisso universal.

Era a primeira vez que a pacata Parintins se manifestava por água pura. Em resposta, depois de vários embates, a administração municipal lacrou a maioria dos poços, substituindo-os em profundidade e em condições, conforme exigências sanitárias.

Dez anos se passaram. A situação da água de Parintins, segundo discurso de gestores, é ótima. Concretamente, não se tem comprovações sobre a qualidade da água consumida. No entanto, levando-se em consideração os constantes engodos servidos diariamente aos parintinenses, tais informações não despertam a confiança necessária. Nesses dez anos, os problemas ambientais do Município evoluíram: a lixeira aumentou em tamanho e agravos à saúde pública; há 18 poços funcionando e 02 parados desde o último festival folclórico (junho de 2014), quando as bombas apresentaram problemas e até o momento nada foi resolvido. Sem dúvidas, a Água mais pura do Amazonas carece de novas análises, de fiscalizações mais severas o que talvez venha acontecer se a comunidade repetir a ação de 2005.

Que as águas de março celebradas no próximo 22, tragam a energia necessária para fortalecer os ânimos e iluminar a escuridão da grande massa que ‘subvive’ na apatia da condição colonial, consumindo e contaminando-se com água de qualidade duvidosa.

Pacata – Expressão que expressa o comportamento passivo e conformado próprio dos nativos.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

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