Cultura

Cineasta Keila Serruya é selecionada para residência Obìrin na Bahia

O intercâmbio é entre artistas negras da América Latina e do Caribe, e promovido pela plataforma de criação em arte ÁRÀKÀ (Foto: César Nogueira) Manaus (AM) – Cineasta, realizadora visual e artista visual. É assim que Keila Serruya se […]

Keila Serruya (Foto: César Nogueira)

Por Kátia Brasil Publicado em: 16/05/2018 às 19:29

O intercâmbio é entre artistas negras da América Latina e do Caribe, e promovido pela plataforma de criação em arte ÁRÀKÀ (Foto: César Nogueira)

Manaus (AM) – Cineasta, realizadora visual e artista visual. É assim que Keila Serruya se apresenta profissionalmente. É através de sua visualidade que expressa sua vivência como mulher negra para o mundo. Keila foi uma das selecionadas no país para participar da Residência OBÌRIN – Ancestralidade, Residência Artística e Performance Negra Feminista, a ser realizada em Salvador (BA) entre os meses de maio e julho de 2018.

O Fórum OBÌRIN é um intercâmbio entre artistas negras da América Latina e do Caribe, idealizado e promovido pela plataforma de criação em arte ÁRÀKÀ, da atriz e performer Laís Machado. O evento será sediado no Espaço Cultural da Barroquinha, local de importância histórica para a resistência negra por ter sido o terreiro onde se originou o candomblé de nação ketu. O principal foco do projeto é possibilitar o diálogo e visibilizar produções contemporâneas de mulheres negras, por meio de conferências, espetáculos, exposições, performances e atrações musicais.

Mulher, negra, manauara, produtora, realizadora audiovisual e artista visual, Keila Serruya é formada em Comunicação Social pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE) como bolsista integral do Programa Universidade para Todos (ProUni). Atualmente cursa Pós Graduação em Gestão Cultural na Universidade Estadual do Amazonas (UEA). É diretora audiovisual que pensa o cinema além da sala escura, propondo espaços como praças, terminais de ônibus e locais de grande circulação de pedestres. Suas obras como ASSIM, DE GIRA E MATO, ASSIM AQUI e A CARA DO CÃO, estiveram participantes de mostras e festivais de cinema nacionais e internacionais, além de exibição públicas em formato de vídeo mapping e instalações audiovisuais urbanas, que proporcionam um outro formato no escoamento da obra. É também diretora de produção em séries, curtas, espetáculos, intervenções, festivais e mostras.

Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, Keila diz que enxerga seu trabalho como ferramenta política, focando em questões voltadas ao gênero e negritude. Uma de suas principais características é a proposta de cinema como intervenção em espaços urbanos, além de dirigir produtos em diversos formatos.

“Ser reconhecida como profissional não tem preço, uns espaços me apagam, mas há outros que reforçam minha existência como indivíduo pensante. Estou pronta para aprender e para ensinar, um momento da construção de pensamento transterritorial sobre meu trabalho artístico”. Leia a entrevista a seguir:

Keila Serruya (Foto: César Nogueira)

Amazônia Real – O que você espera da residência? De que forma você imagina que ela influenciará no seu modo de produzir arte?

Keila Serruya – Eu quero mergulhar em um mar de trocas, pesquisas e produção. Vou produzir muito, com certeza. Desde o ano passado eu pesquiso sobre plantas que curam o corpo e a alma, mas acredito que meu projeto ainda é rascunho do que eu realmente quero. A obra DE GIRA E MATO, que participou do Festival Amazônia Mapping do ano passado, foi apenas um começo, poderoso e modificador, mas só um começo de toda minha narrativa. Toda residência acontece no Espaço Cultural da Barroquinha, que foi escolhido por, historicamente, ser um espaço de resistência negra cujo terreiro que se instalava naquele terreno deu origem à forma como conhecemos o candomblé́ de nação ketu hoje. Este processo foi capitaneado por três mulheres: Iyá Nassô, Iyá Detá e Iyá Kalá, cuja biografia é envolta numa áurea de mistérios e apagamentos.

Amazônia Real – “Essa nova rede entre artistas afrodiásporicas brasileiras e o território latino-americano é um dos focos do projeto”. Como acontecerão as trocas artísticas entre as mulheres selecionadas?

Keila – Toda essa discussão performativa se dará́ através de atividades como residência artística, formação de redes, videoconferências, conferencias, apresentações de espetáculos, exposições performáticas, revistas e atrações musicais. É um espaço para pesquisa, estudo, reflexão, troca e produção.

Obra A CARA DE CÃO de Keila Serruya (Arquivo pessoal)

Amazônia Real – Ao divulgar sua residência, você usou uma frase da feminista norte-americana Angela Davis sobre o poder que a mulher negra tem de mover estruturas sociais. No contexto do Brasil atual, o que essa frase lhe diz?

Keila – As mulheres negras que, são a base na pirâmide social e a maioria nessa República, 55,6 milhões, somos um número que mostra que essa minoria é só na hora de ocupar os espaços de poder. Eu me movimento constantemente com minha arte política. Outras mulheres negras se movem na educação, no empreendedorismo, na administração, na saúde, no direito. Quando nos movemos mudamos esse país. Ainda estamos longe do ideal, mas modificamos as estruturas que se mostram cada vez mais incomodadas com a nossa presença.

Amazônia Real – Como você vê as atuais iniciativas jovens do movimento negro no Amazonas?

Keila – Modificadoras de realidade. Tem algumas ações acontecendo na cidade de Manaus, mesas, festivais, encontros para falar sobre questões da afrodiáspora, e há pesquisadores que trazem essa linha de pesquisa para dentro da universidade, além de quilombos sendo reconhecidos. Há muita gente se movimentando para que a realidade seja outra daqui a um tempo.

Amazônia Real – Outras jovens e outros jovens negros estão tendo oportunidade no audiovisual?

Keila – Os negros têm pouquíssimas oportunidades dentro do audiovisual nacional. Nossa luta é para que isso aconteça de forma mais comum e não como exercerão; as exceções acontecem, eu sou uma delas. A estrutura nos coloca no topo das estatísticas violentas, como 77% dos jovens mortos no Brasil são negros, 84% da população carcerária do Amazonas é negra, todavia, 74,5% da produção audiovisual brasileira é dirigida ou roteirizada por homens brancos. Os dados estão postos, não tem muito o quê se discutir, é hora de agir, e espaços como o Orìnbin é que modificam e formam para que esses números mudem algum dia.

Amazônia Real – Como foram os obstáculos e preconceito para Keila chegar até aqui?

Keila – Prefiro não falar sobre os casos específicos de violência a apagamento, que vão desde artistas renomados locais, professores da universidade e curadores fingirem que não conhecem minha produção, até o abafamento social na hora de liderar equipes. Os obstáculos são econômicos, de gênero e racial. Eu ultrapasso muitos, mas entendo que eles brecam algumas manas pretas, por diversas questões específicas e coletivas. Faço o dobro de esforço pra estar onde estou, não é justo. Falo de oportunidades e a falta delas.

Obra ASSIM AQUI de Keila Serruya (Arquivo pessoal)

Amazônia Real – Ainda falta muito caminho para a mulher negra e cineasta ocupar o seu lugar no cinema brasileiro?

Keila – Sem dúvida. Os números publicados pela ANCINE provam o que os realizadores negros vêm falando há muitos anos: o cinema é branco, masculino, burguês. Nosso caminho começou a ser desenhado, mas as lutas não podem parar. Poucas mulheres negras produzem cinema, mas as que produzem ganham destaques mundo à fora. O filme mais completo e inteligente que vi, em 2017, foi dirigido por uma negra, Glenda Nicácio, do filme “Café com Canela”. Isso prova o quanto são necessárias outras narrativas para o cinema brasileiro. Brinco que é o novo cinema brasileiro, as falas, caras e histórias que ainda não foram produzidas, mas que se parecem com as minhas, e tem atores parecidos comigo. Há uma urgência sobre questões de identificação negra no país.

Amazônia Real – Como foi sua reação ao assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes?

Keila – Eu chorei por ela, por mim. Abalou-me, mas essa morte não me parou, virou mais fome de reparação. Qualquer preto no Brasil corre risco de ser morto o tempo todo. As balas perdidas nos acham. A Marielle foi executada, mas sua voz ecoa, suas ações e palavras não serão perdidas, estão vivas como qualquer um que lê essa matéria. Ver uma mulher negra saindo da periferia e ocupando espaços onde ela é negada, lutando pelas causas justas, vira força e resistência que erradia a todas as manas e manos pretos do Brasil e da América Latina. A morte de Marielle é sobre toda estrutura racista do país, não se trata apenas de um pessoa, e sim de uma ideia coletiva que sofreu uma violência brutal, mas essa ideia/ação coletiva resiste como uma rocha dura e forte que é Xangô.

Amazônia Real – A abolição da escravidão no Brasil completou 130 anos em 13 de maio. É preciso lembrar para não esquecer que não é possível celebrar?

Keila – A abolição é uma farsa, uma mentira bem contada e ensinada na escola. A abolição aconteceu por uma necessidade econômica e não de respeito e reconhecimento do outro como humano. Lutamos todos os dias para receber a liberdade de ir e vir sem medo, de estar presentes quantitativamente em espaços de liderança, decisão e poder.

Amazônia Real – O que você tem a dizer para inúmeras jovens que desejam seguir o seu caminho?

Keila – Que todas as manas pretas de qualquer idade, porque sei que enquanto os brancos estudam, nós cuidamos da casa, trabalhamos e temos mil corres pela frente, pensem que o cinema e as artes visuais têm um caminho difícil, mas é um canal de fala, um canal de grito sobre nossas questões e uma profissão. Que a internet tem conteúdos técnicos, textos e tutoriais. Pergunte de quem já tem experiência e cobre sua vaga nos espaços. Ninguém pode te parar, pretas. Ninguém.

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*Maria Cecília Costa participa do Projeto de Treinamento em Jornalismo Independente e Investigativo da Amazônia Real. É estudante do 7º. Período do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])