Philip M. Fearnside

Desmatamento na Amazônia: O Governo Ataca o Mensageiro

Em 31 de julho o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles tentou explicar para jornalistas os dados que mostram um enorme surto de desmatamento detectado em junho deste ano, mas o sucesso dele foi essencialmente zero [1]. No dia seguinte, […]

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 05/08/2019 às 19:03

Em 31 de julho o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles tentou explicar para jornalistas os dados que mostram um enorme surto de desmatamento detectado em junho deste ano, mas o sucesso dele foi essencialmente zero [1]. No dia seguinte, em 01 de agosto, ele fez uma coletiva de imprensa junto com o Presidente Jair Bolsonaro e os Ministros de Relações Exteriores (Ernesto Araújo) e do Gabinete de Segurança Institucional (General Augusto Heleno) (e.g., [2]).

O Ministro Salles fez uma apresentação questionando os dados produzidos pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais a partir do sistema DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real). Estes dados apontaram um aumento de 88% na quantidade de desmatamento detectada em junho de 2019, comparado ao mesmo mês de 2018 [3] O ministro apontou duas supostas falhas:

Desmatamento realizado em meses anteriores

A primeira crítica foi que, em alguns dos 3,250 polígonos (traçados em volta de áreas de desmatamento nas imagens de satélite) detectados em junho, havia desmatamento que havia “começado” nos meses anteriores a este mês, sem que seja registrado pelo sistema DETER. Destacou alguns entre esses polígonos onde o desmatamento havia começado antes de 01 de janeiro de 2019, quando o Jair Bolsonaro assumiu a presidência.

Alguns polígonos continham desmatamento que havia ocorrido entre agosto e dezembro de 2018 e um polígono havia começado em 2017. O ministro sustentou que a área destes polígonos deve ser subtraída dos 978 km² de corte raso que haviam sido reportados no número de junho de 2019, o que reduziria o percentual de aumento em relação a junho de 2018.

O dado mensal produzido pelo DETER não é para registrar o desmatamento executado no mês nominal (como o Ministro Salles presumiu), mas sim o desmatamento que chegou a ser detectado naquele mês. É claro que polígonos detectados no primeiro dia do mês vão ser inteiramente compostos por desmatamento feito em meses anteriores, enquanto a detecção no último dia do mês vai ter uma parte maior derrubada dentro do próprio mês nominal. Mesmo se fosse subtrair a parte desmatada antes da presidência Bolsonaro, é improvável que o resultado para junho de 2019 não continuasse sendo um grande aumento.

O fato básico é que o desmatamento surgiu explosivamente no governo Bolsonaro, e o dado confirma isto. Também, é bom lembrar que o desmatamento detectado em junho de 2019 que foi feito em 2018, que foi destacado pelo Ministro Salles, tinha uma contribuição importante do efeito do então candidato e depois presidente-eleito Bolsonaro. Entre junho e setembro de 2018, os últimos meses da campanha eleitoral quando tudo indicava que o candidato Bolsonaro ia ganhar, o desmatamento aumentou em 36% em relação aos mesmos meses em 2017, o que seria efeito da presunção de impunidade gerada pela retórica do candidato [4, 5].

A maneira que o DETER funciona é uma necessidade por precisar que uma clareira chegue a uma dimensão relativamente grande antes de ser detectada, fazendo com que seja natural que cada clareira leve algum tempo para crescer até o tamanho mínimo de detecção. Isto não significa que deve ser descartado o desmatamento anterior ao mês de detecção do polígono, muito menos descartar o polígono inteiro como sugeriu o ministro.

A mesma metodologia que o DETER aplicou em junho de 2019 foi usada para gerar as estimativas para junho de 2018, e o número para aquele mês deve conter um percentual parecido de desmatamentos detectados que começaram em meses anteriores, assim como seria o caso para todos os dados mensais.

O Ministro Salles apenas falou em subtrair os polígonos onde o desmatamento começou em meses anteriores no caso de junho de 2019. Porém, para ter uma comparação válida teria que também fazer o mesmo para os polígonos detectados em junho de 2018. Com os valores para detecção em junho dos dois anos reduzidos por um percentual semelhante, o aumento entre o novo valor para junho de 2018 e o novo valor para este mês em 2019 seria similar ao aumento de 88% mostrado pelos dados atuais.

Sobreposição

A segunda suposta falha apontada pelo Salles foi que houve algumas sobreposições parciais entre os polígonos detectados em junho de 2019 e polígonos que já haviam sido detectados e contabilizados e em meses anteriores, segundo imagens de alta definição que estão a venda pela empresa Planet.

O Ministro Salles quer contratar esta empresa (ou algum possível concorrente) para monitorar o desmatamento para o Ministério do Meio Ambiente, o que vem sendo interpretado como tendo o objetivo de tirar a autonomia do INPE no que tange estudos de desmatamento [6]. As sobreposições de polígonos nas imagens de Planet indicam que houve uma dupla contagem das partes sobrepostas. A imprecisão da localização no sistema DETER que isto reflete deve, de fato, levar a alguma (pequena) sobre-estimação da área desmatada.

No entanto, isto não invalida a estimativa de 88% de aumento do desmatamento QUE O DETER detectou em junho de 2019 comparado com junho de 2018, pois uma percentagem semelhante de sobreposição deve existir também nos dados de 2018, fazendo com que a percentagem de aumento não teria nenhum viés sistemático. É evidente que, como em qualquer estimativa, existe uma faixa de incerteza tanto para baixo como para cima do valor calculado, mas isto não significa que a estimativa seja inválida.

No caso de DETER, a soma das áreas detectadas de agosto de um ano até julho do próximo ano é praticamente sempre menor do que o desmatamento contabilizado todo ano para este mesmo intervalo pelo sistema de monitoramento mais preciso do INPE: o PRODES (Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia). Isto indica que o efeito líquido de vieses no DETER é para baixo, não para cima.

O Presidente Bolsonaro comentou que ele acredita que o número alto de desmatamento detectado em junho é fruto de “má fé” de alguém dentro do INPE, e insinuou que tal pessoa deve estar produzindo dados falsos para prejudicar a imagem do Brasil no exterior. O Presidente vem atacando o INPE há algumas semanas por causa das más notícias sobre o desmatamento [7, 8]. Na coletiva de imprensa de 01 de agosto, o presidente falou que teria “demissão sumária” da pessoa ou pessoas se má fé fosse confirmada. No entanto, nada que foi apresentado indica qualquer tipo de má fé.

O General Heleno comentou que deixar chegar ao público dados indicando grande aumento de desmatamento indica falta de “amor à pátria”, e que, mesmo se os números fossem verdadeiros, esses números devem ser “tratados internamente” [9]. Infelizmente, que os dados indicam é que realmente está havendo um grande surto de desmatamento na primeira época seca do governo Bolsonaro. No dia seguinte, em 02 de agosto, o diretor do INPE foi comunicado a sua exoneração do cargo.[10]

Notas

[1] OC (Observatório do Clima). 2019a. Improbo Ricardo Salles não consegue explicar alta do desmatamento.Observatório do Clima, 31 de julho de 2019.

[2] OC (Observatório do Clima). 2019b. Governo comete fraude intelectual para desqualificar Inpe. Observatório do Clima, 01 de agosto de 2019.

[3] Fearnside, P.M. 2019. Os números do desmatamento são reais apesar da negação do presidente Bolsonaro. Amazônia Real, 02 de agosto de 2019.

[4] OC (Observatório do Clima). 2018. Desmatamento cresce 36% no período eleitoral. Observatório do Clima, 16 de outubro de 2018.

[5] Fearnside, P.M. 2018. Why Brazil’s new president poses an unprecedented threat to the Amazon. Yale Environment 360, 08 de novembro de 2018.

[6] Tuffani, M. 2019. ‘Ajuda’ do governo pode acabar com autonomia do Inpe. Direto da Ciência, 02 de agosto de 2019.

[7] Escobar, H. 2019. Brazilian president attacks deforestation data. Science 365: 419.

[8] Gortázar, N.G. 2019. Governo contesta Inpe e anuncia licitação para nova medição de desmatamento. El País, 01 ‎de agosto de 2019.

[9] Torrente, A. 2019. Nuvens e desmatamento legal: por que Bolsonaro não acredita nos dados sobre a Amazônia. Gazeta do Povo, 01 de agosto de 2019.

[10] Este texto é traduzido de um comentário publicado em Inglês no site de Mongabay: As Amazon deforestation in Brazil rises, Bolsonaro administration attacks the messenger (commentary). Mongabay, 03 de agosto de 2019.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

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