Povos Indígenas

Dois réus faltam a audiência dos abusos de indígenas em São Gabriel

Por Amazônia Real Publicado em: 18/06/2015 às 23:46

Juiz adiou o ato processual em que deveria tomar depoimentos para coletar provas de caso emblemático.

Por Elaize Farias e Kátia Brasil, da Amazônia Real

Dois dos dez réus do processo que investiga crime de violência sexual contra meninas indígenas faltaram a audiência de instrução, que estava marcada para iniciar nesta quinta-feira (18) em São Gabriel da Cachoeira (AM). Segundo a Justiça, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) não deslocou os presos do presídio de Manaus ao município do interior. O juiz que preside o caso, Diego Brum Legaspe Barbosa, adiou a audiência, mas não anunciou uma nova data. A ausência dos réus gerou críticas de advogados.

A agência Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da Seap para que ela explicasse a ausência dos réus em São Gabriel da Cachoeira. Nesta setxa-feira (19), a secretaria disse por meio de nota que os réus estão presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) e não foram deslocados ao município de São Gabriel por um problema na logística. A Seap disse que informou o problema à Justiça.

Os réus ausentes da audiência foram os comerciantes Manoel e Arimathéia Carneiro Pinto, irmãos do também acusado Marcelo Carneiro Pinto, que está foragido há três meses (leia reportagem aqui).

Segundo o diretor da Comarca, Henrique Ribeiro Martini Vieira, as vítimas e as testemunhas de defesa e acusação, além dos outros réus compareceram ao ato processual, mas todos foram dispensadas pelo juiz.

Em 2013, os dez acusados foram denunciados pelos crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia, favorecimento da prostituição, rufianismo e coação no curso do processo. A investigação da Polícia Federal revelou que meninas de 9 anos a 15 anos eram aliciadas para o esquema de compra de virgindade em troca de dinheiro, celulares, roupas e até bombons.

O advogado Felipe Jucá, que defende três acusados que moram em São Gabriel da Cachoeira, disse que eles compareceram à audiência. “A presença dos réus é imprescindível sob pena de nulidade do ato processual, garantindo a lisura e a transparência do processo, em respeito à ampla defesa”, disse.

O consultor jurídico e defensor dos direitos das crianças e adolescentes, advogado Abdalla Sahdo criticou a ausência dos dois réus na audiência em São Gabriel da Cachoeira, que fica distante à 860 quilômetros de Manaus. Para ele, o Tribunal de Justiça do Amazonas deveria ter se empenhado em providenciar a ida dos réus presos para evitar o adiamento da audiência, já que dispõem de recursos para pagamento de passagens aéreas.

“É muito sintomático também o Judiciário não ter enviado os dois réus para São Gabriel da Cachoeira. Dada a periculosidade deles, se faz necessário transferir o processo para a capital. Uma medida que dará segurança, dinamismo, transparência, fiscalização a condução do processo, que é o julgamento. Será que há protecionismo? ”, questionou o advogado Abdalla Sahdo.

O advogado questionou ainda a pouca experiência do juiz Diego Brum Barbosa, nomeado em janeiro deste ano e designado, em abril, para presidir o processo criminal classificado como emblemático por envolver meninas indígenas de etnias vulneráveis e acusados com grande poder econômico de São Gabriel da Cachoeira.

Conforme notícia divulgada pelo Tribunal de Justiça, Diego Brum Legaspe Barbosa foi um dos 16 juízes que tomaram posse dos cargos em 9 de janeiro de 2015. Ele foi designado como titular da Comarca de Santa Isabel do Rio Negro, vizinha de São Gabriel da Cachoeira.

Barbosa é natural da cidade de São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Em entrevista ao portal Regis Góes, publicada no dia 28 de janeiro deste ano, ele diz que foi por meio de amigos e de pesquisas na internet que optou em trabalhar em Santa Isabel do Rio Negro.

Vi que o município era tranquilo, uma cidade pacata. Espero fazer um bom trabalho, agindo na sociedade, estando mais próximo dos cidadãos”, disse o juiz.

Em outro trecho da entevista ao portal do Régis Góes, Diego Brum Barbosa fala da sua pouca experiência no Judiciário e na demanda que terá de enfrentar para solucionar processos pedentes de julgamento na Comarca de Santa Isabel. “Claro que não sou um super herói, que vai chegar e solucionar todos os problemas de uma vez, mas vou buscar fazer o meu trabalho da melhor forma possível. Pelas regras do concurso, eu ainda vou voltar para Manaus e ficar mais uns três meses para ganhar experiência. A partir de maio, os trabalhos recomeçam pra valer”, disse.

Em abril pasado o Tribunal de Justiça do Amazonas designou o juiz Diego Brum Barbosa para assumir o processo criminal da violência sexual das indígenas da Comarca de São Gabriel da Cachoeira. A juíza Tânia Granito, titular da Justiça, se considerou impedida de julgar o caso, uma vez que um parente seu era advogado de acusados pelos crimes.

Desde do mês de abril, a reportagem da Amazônia Real faz ligações telefônicas para falar com o juiz Diego Brum Barbosa na Comarca de Santa Isabel do Rio Negro, mas os funcionários sempre dizem que ele está fazendo cursos em Manaus. Na segunda-feira (15), um funcionário repetiu que o juiz estava na capital. Já nesta quinta-feira (18), a informação era de que o magistrado estava fora da Comarca, mas em São Gabriel da Cachoeira.

“Como é que um juiz sai de uma Comarca para fazer um curso e, sai para outra Comarca para presidir um processo tão áspero do ponto de vista jurídico? Isto mostra a atenção que o Judiciário dá para certos casos”, disse Abdalla Sahdo.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa do TJ do Amazonas para falar sobre os questionamentos dos advogados. Sobre a experiência do juiz Diego Brum Barbosa, a assessoria disse “o magistrado foi aprovado no concurso recentemente, mas é um juiz. Independentemente se é jovem ou não, se o caso é complexo ou não”.

Em relação a ausência dos dois réus na audiência, a assessoria disse que o TJ não vai se manifestar, assim como o juiz Diego Barbosa, uma vez que o processo criminal tramita em segredo de justiça. “Os advogados dos réus têm ligação direta com o magistrado, portanto, eles sabem tudo o que está se passando”, disse a assessoria de imprensa.

PF prendeu comerciante e aliciadora dos crimes. (Foto: Alberto César Araújo)

Promotor diz que Seap não justificou ausência

O promotor de São Gabriel da Cachoeira, Paulo Beriba disse, por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual (MPE) em Manaus, que participaria da audiência, onde também faria perguntas aos réus com vistas a esclarecer dúvidas que o órgão possui, relativas ao crime pelo qual estão presos. “Em virtude da falta dos réus, a audiência foi cancelada. Nova data será marcada para a audiência e isso depende da Justiça do Amazonas”, afirmou o promotor.

Os casos de violência sexual contra meninas indígenas de São Gabriel da Cachoeira foram denunciados à Polícia Civil local, em 2008, pela missionária Giustina Zanato. Apenas em julho de 2013, o MPF denunciou dez pessoas envolvidas nos crimes. Em abril de 2014, o caso saiu da esfera federal e foi para a estadual por determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Leia reportagem completa aqui.

Em entrevista dada nesta quarta-feira (17) à Amazônia Real, a secretária da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), Mariazinha Cordeiro, da etnia Baré, disse que aguarda da Justiça as condenações dos réus.

Atualizada em 19/06/2015 as 11h49

Entenda a situação de vulnerabildade social e cultural das etnias indígenas de São Gabriel da Cachoeira em reportagem da Pública.

Reportagem Noticiosa

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