Povos Indígenas

Famílias Guarani Kaiowá serão despejadas nesta segunda-feira de terra tradicional, informam lideranças

A assessoria de imprensa da Funai disse que o órgão aguarda julgamento do STF de pedido de suspensão da reintegração (Foto: Ana Mendes) Lideranças Guarani-Kaiowá receberam neste sábado (07) da Fundação Nacional do Índio (Funai) a informação de que […]

Área de retomada dos índios Guarani-Kaiowá na Terra Indígena Dourados Amambaipegua I (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Por Elaíze Farias Publicado em: 08/04/2018 às 18:51

A assessoria de imprensa da Funai disse que o órgão aguarda julgamento do STF de pedido de suspensão da reintegração (Foto: Ana Mendes)

Lideranças Guarani-Kaiowá receberam neste sábado (07) da Fundação Nacional do Índio (Funai) a informação de que a reintegração de posse determinada pela Justiça Federal de Dourados de duas áreas localizadas na Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul, acontece no início da manhã desta segunda-feira (09). Eles estão em alerta e em vigília há quase um mês. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a execução judicial será feita pela Polícia Federal com apoio da Polícia Militar.

As duas áreas com ameaça de reintegração, chamadas pelos Guarani Kaiowá de ‘Tekoha’ (território original em sua língua) são Guapo´y Guasu e Jeroky Guasu. As reintegrações foram determinadas em favor da empresa Agropecuária Penteado e do fazendeiro José Odonel Vieira da Silva, respectivamente. Outra área que também pode sofrer reintegração de posse a qualquer momento é Pindoroky.

A Funai tentou reverter a decisão no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRT3), mas teve o pedido negado. O órgão indigenista recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda uma decisão da ministra Cármem Lúcia.

Indígenas e indigenistas temem uma operação violenta, tendo em vista que os Guarani Kaiowá se mostram dispostos a resistir ao despejo e o local já ter um histórico de violência contra os indígenas. Em 2016, fazendeiros atacaram as famílias que estavam acampadas na TI Dourados Amambaipeguá 1, ferindo vários indígenas e matando um deles, Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza.

O indígena Eliel Benites Guarani Kaiowá, que mora na aldeia Teykue, também dentro da TI Dourados Amambaipeguá 1 e próxima da área onde ocorrerá o despejo das famílias, relatou através de um áudio enviado pelo WhatsApp que a “situação é bastante tensa” na área.

“Hoje (sábado) a tarde, a Funai entregou a notícia oficial de que na segunda-feira vai acontecer a reintegração de posse. Isso aumentou o clima tenso na comunidade, gerou insegurança. Devemos estar presentes para que a reintegração seja visível, para que não haja abuso (dos policiais). Mas vamos articular com as lideranças para ver como a gente vai fazer”, disse ele.

O antropólogo Diógenes Cariaga, que mora em Dourados e atua e realiza pesquisas entre as famílias Guarani Kaiowá, disse à Amazônia Real neste domingo que as lideranças estão preocupadas principalmente em relação a duas questões: a lentidão do STF em julgar o pedido de liminar que suspende a reintegração e a o aparato que está sendo mobilizado para garantir a ação.

“O pedido de liminar está travado na mesa da ministra. E como complicador tem o histórico das ações da Polícia Federal e da Polícia Militar, que são marcadas por tensão e falta de negociação com os indígenas”, disse Cariaga.

Segundo o antropólogo, o temor é que haja uma ação violenta capaz de provocar reação das famílias. “Eles estão dispostos a manter a luta pela demarcação”, afirmou.

A Funai entrou neste sábado (07) com pedido de suspensão de liminar contra a decisão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que determina a reintegração tão logo foi comunicada na última sexta-feira (06) pela Polícia Federal que a operação de retirada dos indígenas está marcada para esta segunda-feira.

O pedido da Funai ao STF é em caráter “urgentíssimo” como “a única medida a ser adotada para a proteção da vida e da segurança dos indígenas e das demais pessoas na região”.

Procurada neste domingo pela reportagem, a assessoria de imprensa da Funai disse à Amazônia Real que a informação repassada pelo presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, é de que o STF vai julgar o recurso da Funai nesta segunda-feira. Outras informações solicitadas pela reportagem seriam respondidas apenas nesta segunda.

Terra foi reconhecida, mas processo não avançou

As nascentes são contaminadas por agrotóxicos na terra Dourados Amambaipeguá 1 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

A TI Indígena Dourados Amambaipeguá 1 foi reconhecida pela Funai como território original dos Guarani Kaiowá em 2016, com a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. Mas desde então, o processo não avançou. Segundo um documento relativo à situação da TI Dourados Amambaipeguá 1 de agosto de 2017 assinado pela Diretoria de Proteção Territorial da Funai o qual a Amazônia Real teve acesso, “o procedimento se encontra em análise das 16 contestações administrativas apresentadas com relação ao mesmo, com previsão de conclusão ainda neste exercício de 2017”.

Para o antropólogo Diógenes Cariaga, a situação dos Guarani Kaiowá das áreas com risco de desapropriação é “agravada pelo cenário do total abandono dos processos de identificação da terra indígena pelo Executivo”. “O que a gente vive é uma nova versão desse impasse”, disse ele, referindo-se à demora da Funai em finalizar a demarcação.

Os Guarani Kaoiwá sofrem há várias décadas com espoliação de seu território por latifundiários do Mato Grosso do Sul, vivendo à margem das fazendas e até em beira de estrada, em uma situação que para muitos especialistas é considerada de genocídio.

Nos últimos anos, porém, se organizaram e decidiram retomar o seu território tradicional, pressionando a Funai por demarcação. Além da pressão contra seus territórios, eles também sofrem com outras violações de direitos, como preconceito, ataques racistas e contaminação de suas plantações e cursos d´água. Veja o vídeo-reportagem “Foi Veneno”, produzido pela Amazônia Real.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, crise climática, violências socioambientais e impactos de grandes empreendimentos na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel de 2013. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).