Meio Ambiente

Hidrelétricas podem ter contribuído com inundação em Porto Velho

O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também especialista no estudo dos impactos ambientais de obras de hidrelétricas na Amazônia, disse nesta quinta-feira (13) em entrevista ao Amazônia Real que a elevação dos níveis das […]

Cheia prejudicou transporte na BR 364 entre o Acre e Rondônia (Foto: Gov. Acre)

Por Kátia Brasil Publicado em: 13/03/2014 às 22:22

O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também especialista no estudo dos impactos ambientais de obras de hidrelétricas na Amazônia, disse nesta quinta-feira (13) em entrevista ao Amazônia Real que a elevação dos níveis das águas dos reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau deve ter contribuído para o agravamento das inundações e das erosões das margens do rio Madeira no município de Porto Velho (RO), que está sob decreto de calamidade pública reconhecido pela Defesa Civil Nacional.

A usina Santo Antônio fica a 7 km de distância da capital de Rondônia e mantém há 24 dias as 17 turbinas, que estavam em operação, paralisadas por medida de segurança. Segundo o consórcio Santo Antônio (formado pelas empresas Odebrecht e Furnas) o motivo foi a segurança das barragens. “O elevado nível do rio Madeira (acima de 19 metros) provocou impactos técnicos à usina de Jirau”_ que está localizada a 120 km de Porto Velho e seu reservatório se estende até a fronteira do Brasil com a Bolívia.

Philip Fearnside disse que a inundação a montante (antes) da sede do município de Porto Velho teria uma contribuição da barragem de Santo Antônio. “A inundação da barragem de Santo Antônio e, portanto, a montante (antes) de Porto Velho teria uma contribuição sobretudo na parte do reservatório mais próxima à barragem, pois o nível da água represada no reservatório é muito mais alto do que o nível do rio natural, sem barragem, especialmente neste trecho. A elevação adicional com a enchente, portanto, leva a um aumento do alcance da água nas margens do lago, onde está cobrindo a rodovia BR-364 (Acre/Bolívia). O mesmo aplica ao reservatório de Jirau, sobretudo no trecho mais perto à barragem”, disse o especialista.

Placa da usina Santo Antônio no entorno do reservatório em Jaci Paraná (Foto: MAB 16/02/2014)

Em 2006, Philip Fearnside foi o consultor do parecer técnico sobre o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do Projeto para Aproveitamento Hidrelétrico de Santo Antônio e Jirau do Ministério Público de Rondônia. Ele alertou sobre “graves impactos ambientais” das barragens das usinas em Porto Velho e afirmou que as populações ribeirinhas, que vivem ao longo do rio Madeira, seriam deslocadas devido aos com impactos sociais decorrentes das inundações de casas e estradas, além da contaminação da água potável.

Para Philip Fearnside, as inundações na sede do município de Porto Velho seriam por conta da vazão (56.063 mil metros cúbicos por segundo) do rio Madeira e não pelo represamento da barragem de Santo Antônio. “O volume entrando e saindo do lago de Santo Antônio deve ser mais ou menos em equilíbrio atualmente. A inundação em Porto Velho ia aumentar se baixar o nível no reservatório, liberando mais água a jusante (depois). O que tem um impacto claro em Porto Velho é a erosão da orla, que seria aumentado pela mudança das correntezas abaixo da barragem de Santo Antônio e pelo aumento da velocidade da água no trecho em frente à cidade”, disse o especialista.

Fearnside disse também que as inundações na Bolívia devido a enchente do rio Beni, um dos formadores do Madeira, não são consequências da barragem da usina de Jirau, mas sim da vazão recorde do rio. Para ele o atual momento serve de aviso do impacto de futuras obras de hidrelétricas naquela região fronteiriça.

“As inundações no rio Beni são longe demais a montante de Jirau para ser um efeito da barragem. Seria efeito da vazão recorde do rio. No entanto, serve como aviso do impacto que teria a hidrelétrica de Cachuela Experanza que o Brasil está esperando construir no rio Beni, com financiamento do BNDES”, afirmou o pesquisador.

A discussão sobre a influência das barragens das hidrelétricas nas inundações em Porto Velho começou quando a Defesa Civil Municipal alertou, no início de fevereiro, que a força das águas liberadas pelos reservatórios das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau forçava as inundações em bairros e comunidades localizados nas margens do rio Madeira, que sofre grande erosão (desbarrancamentos) e banzeiros (ondas). As duas empresas que operam as usinas negaram a influência das obras sobre a cheia.

Turbinas desligadas

No dia 11 de fevereiro, o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), que opera a usina de Jirau atualmente com quatro turbinas, denunciou ao Ministério do Meio Ambiente e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre outros órgãos federais, que a hidrelétrica de Santo Antônio estava desrespeitando o limite de acúmulo de água em seu reservatório estabelecido no projeto, ultrapassado o nível de 75 metros.

Segundo a ESBR, a altura máxima suportada pelo reservatório da usina do Jirau é de 74,8 metros em relação ao reservatório da usina de Santo Antônio. “O volume de água maior estaria ocasionando diversos impactos, entre eles, problemas envolvendo a transposição dos peixes até a instalação de novas turbinas em Jirau, que teve a casa de força inundada devido a pressão que recebeu das aguas do rio Madeira”, informou o consórcio.

Marco alagado da usina Santo Antônio no Distrito de Jaci Paraná (Foto: MAB 16/02/2014)

Desde então, o Ministério do Meio Ambiental, a Aneel e o Ibama não respondem aos questionamento do site Amazônia Real sobre a denúncia da ESBR.

No dia 27 de fevereiro, o consórcio Santo Antônio confirmou ao Amazônia Real o desligamento das 17 turbinas em operação produzindo uma média de 1.212 MW de energia instalada para distribuição às estações de Araraquara, na região central do Estado de São Paulo, e de Porto Velho. A empresa também disse que Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou o rebaixamento do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio para evitar que as estruturas provisórias da usina de Jirau, como as ensecadeiras, fossem afetadas, já que não foram dimensionadas para uma cheia histórica do rio Madeira.

O consórcio Santo Antônio Energia não informou se o nível do reservatório da usina estava com 71,3 metros ou acima de 75 metros, como denunciou o consórcio ESBR.

Novo EIA/Rima

Na última segunda-feira (10), a Justiça Federal de Rondônia determinou que as empresas responsáveis pela implantação e operação das usinas do rio Madeira e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) refaçam, imediatamente, o estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) das barragens da hidrelétricas sob pena de perderam a licença de operação.

O juiz Herculano Martins Nacif, classificou que Rondônia vivia uma tragédia devido a enchente do rio Madeira. Ele pediu os novos estudos para confirmar se os impactos ambientais e sociais são decorrentes da elevação das águas nos reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Determinar ainda que os dois consórcios atendem as famílias atingidas pelas inundações. “Tendo em mira a excepcionalidade do caso a revelar uma verdadeira tragédia vivida pelas populações atingidas no Estado de Rondônia determino a imediata prolação desta decisão”, afirmou o juiz.

População de Abunã abandonou casas depois da cheia (Foto: MAB Amazônia)

Leia mais sobre as contestações das barragens de Jirau e Santo Antônio pelo cientista Philip Fearnside no documento.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])