Incra gera conflito ao pressionar titulação de lotes individuais no Lago Grande, em Santarém

Por Elaíze Farias Publicado em: 11/05/2018 às 14:04

A área é coletiva e regularização desta forma abre brechas para especulação imobiliária em território alvo de grileiros e mineradora.

Manaus (AM) – Criado em 2005, o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Gleba Lago Grande, em Santarém, no oeste do Pará, está acuado e sob pressão. Há quase 13 anos, as cerca de 8,5 mil famílias (35 mil pessoas) agroextrativistas de 140 comunidades aguardam a emissão do Contrato de Direito Real de Uso (CDRU) pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), documento que daria garantias de sua permanência na terra e também bloquearia o avanço da grilagem, do agronegócio, da especulação para mercado de terras e dos grandes empreendimentos de mineração.

Segundo lideranças de organizações do PAE Lago Grande ouvidas pela reportagem da agência Amazônia Real, o Incra pressiona para que as comunidades aceitem regularizar a terra em lotes individuais através do Contrato de Concessão de Uso (CCU), dentro de um assentamento que é coletivo e não pode ter loteamento individual.

Manoel Edivaldo Matos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e morador do PAE Lago Grande, diz que a demora da emissão CDRU torna vulnerável o assentamento.

“O Incra está trabalhando nos assentamentos coletivos, como é o caso do Lago Grande, através do CCU. São concessões individuais em áreas de assentamento coletivo, o que não pode acontecer. Mas nós estamos lutando pelo CDRU. E aí vem essa política do CCU que fragiliza a nossa luta. Assim como abre as portas para que venha uma forte pressão para o parcelamento de lotes individuais em áreas coletivas. Isso não nos dá garantia alguma”, diz Matos, que é mais conhecido como Peixe.

Segundo ele, a pressão se agravou quando entrou em vigor a Lei n° 13.465/17, em julho de 2017. A lei foi proposta por uma Medida Provisória assinada pelo presidente Michel Temer (MDB) em dezembro de 2016 e que alterou regimes jurídicos da regularização fundiária das áreas rural e urbana do país. A legislação ficou conhecida como Lei da Grilagem, pois permite a regularização de terras ocupadas na Amazônia ilegalmente (grilagem) entre 2004 e 2011 e áreas consideradas extensas, ou seja, até 2.500 hectares. Em setembro de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei.

Embora a nova legislação não tenha efeito sobre assentamentos considerados “diferenciados”, como é o caso do PAE Lago Grande, o receio das lideranças e das organizações é que sem o CRDU os moradores das comunidades passem a aceitar a proposta do CCU como opção de regularização territorial.

Manoel Edivaldo Matos afirma que o modelo de parcelamento individual, no lugar do coletivo, “facilita a comercialização de terras para o agronegócio”.

A pesquisadora Julianna Malerba, assessora nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e que tem atuação na Amazônia, diz que a Lei n° 13.465/17 trata mais especificamente da regularização fundiária em terras públicas e devolutas (sobre as quais ainda não foi dada uma destinação) e em assentamentos de reforma agrária convencionais (terras públicas destinadas para a reforma agrária), que são divididos em lotes individuais.

Julianna reitera o que diz Matos: embora a Lei n° 13.465/17 não seja aplicada em assentamentos diferenciados (ou coletivos), como é o caso do Projeto de Assentamento Extrativista Lago Grande, onde a posse da terra é coletiva e não há parcelamento de lotes, estas áreas vivem uma “enorme pressão para serem abertas ao mercado, por ações relacionadas à dinâmica expansionista de apropriação de terras”.

“Em muitos PAEs o processo de regularização fundiária que asseguraria a posse da terra em favor das associações de moradores não foi concluído. As portarias de criação são publicadas, dando existência legal aos assentamentos, mas o Contrato de Direito Real de Uso não é celebrado entre o Incra e a associação (ou federação) que representa os moradores”, diz ela.

O exemplo é o PAE Lago Grande que, conforme a assessora da FASE, foi resultado da mobilização comunitária face à insegurança fundiária e à perda de acesso a recursos naturais que a partir dos anos 1980 se intensificaram com a entrada de madeireiras e grileiros. Ela acrescenta que, ao longo da década de 1990, a essas ameaças se somaram outras, relacionadas à pesca predatória, à expansão da soja e mais recentemente a interesses minerais.

“O Incra não concluiu processos administrativos necessários para definir que áreas são de fato, terras públicas e quais seriam terras particulares dentro do PAE. Essas indefinições têm origem no processo de arrecadação dessas terras feito pelo Estado em 1980 e impossibilitam que o Incra conclua a destinação coletiva da terra em favor da Feagle. Ao mesmo tempo, elas têm dificultado o desenvolvimento do assentamento por impossibilitarem a execução de inúmeras politicas vinculadas aos programas de reforma agrária que deveriam ter sido implementadas”, afirma ela.

Julianna diz que sem estrutura e vontade política para resolver as indefinições fundiárias que levariam a assinatura do CDRU nesses PAEs, o que o Incra tem feito para responder a demanda dos assentados é celebrar com algumas famílias, cujos lotes dentro dos PAEs estão em terras públicas, um contrato de concessão de uso (CCU). Esse contrato transfere provisoriamente o imóvel à família e possibilita que ela receba os benefícios previstos na política de reforma agrária, “ainda que tais políticas estejam sofrendo cortes consideráveis”.

“Se por um lado isso atende à demanda imediata de acesso a políticas públicas, a entrega de CCUs, instrumento utilizado via de regra em assentamentos convencionais, abre caminho para que, a médio prazo, os assentamentos diferenciados possam ser convertidos em assentamentos convencionais, uma vez que se mostra mais factível a regularização fundiária de lotes familiares que da área coletiva sobre a qual as indefinições fundiárias existentes precisam ser resolvidas. Não por acaso, a superintendência do Incra em Santarém já vem anunciando a intenção de entregar CCUs em algumas comunidades do PAE Lago Grande”, diz Julianna Malerba, que escreveu sobre o assunto em artigo.

Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) é uma modalidade de assentamento criado em pelo Incra. Segundo a Portaria n° 268 de 23 de outubro de 1996 “é um assentamento destinado à exploração de área dotada de riquezas extrativas, através de atividades economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis, a serem executadas pelas populações que ocupem ou venham ocupar as mencionadas áreas”.

Segundo Julianna Malerba, nessas modalidades de assentamento a posse da terra é coletiva. Ela explica que não há parcelamento de lotes (as áreas tradicionalmente ocupadas por cada família são reconhecidas e respeitadas coletivamente) e as terras são mantidas públicas sob usufruto das comunidades que a ocupam por meio de um Contrato de Direito Real de Uso (CDRU) celebrado com a associação de moradores ou com a federação de associação de moradores que representa as famílias beneficiárias. “Esse contrato não pode ser convertido em título de propriedade – nem coletivo e nem individual – e essas terras, embora possam ser herdadas não podem ser vendidas”, afirma.

Alcoa quer bauxita

Comunidade do PAE Lago Grande em Santarém, no Pará, preservou manancial (Foto cedida por Edilson Figueira)

Parte dos 250 mil hectares do PAE Lago Grande também é alvo de interesse da empresa de mineração Alcoa (sigla de Aluminum Company of America), que já explora bauxita na região do baixo rio Amazonas, no município de Juruti, vizinho de Santarém, desde 2000. A comercialização do minério começou em 2009.

Na tentativa de conseguir uma relação amistosa e diminuir os conflitos com população local, a empresa passou a se aproximar das comunidades rurais de Juruti. A prática se repetiu nas comunidades do PAE Lago Grande, em Santarém, segundo explica Edilson Figueira, vice-presidente do STTR.

Figueira diz que as comunidades do Lago Grande sempre foram desfavoráveis à atuação da Alcoa no local, mas a empresa encontrou outra estratégia, a de se aproximar amigavelmente. “Quando ainda era uma gleba, o Lago Grande já recebia pesquisa da Alcoa. Em 2009, ela entrou de novo. Entrou com alojamentos nas comunidades que teriam assinado documentos autorizando. Tentamos fazer um acordo para ela sair, mas em 2010, a empresa entrou na justiça contra a Feagle. A partir de então, a Alcoa passou a aliciar as lideranças das comunidades”, diz Figueira.

Ele diz que a empresa começou a promover ações sociais e oferecer pequenos projetos nas comunidades, como criação de galinhas e hortaliças. “De janeiro deste ano para cá, a Alcoa começou a chegar também nas associações maiores, nos conselhos de pesca, nas escolas-polos, oferecendo projetos, reformas de sala de aula, de quadra esportiva, micro-ônibus e capacitação técnica para os jovens. Mas essa capacitação é na sua própria empresa, em Juruti”, diz o Edilson Figueira.

Segundo o sindicalista, as comunidades do PAE Lago Grande estão “entre a cruz e a espada”, com problemas na regularização fundiária e avanço da mineradora. “Esse local que a Alcoa quer explorar bauxita é numa área de berçários onde os peixes desovam. Se isto [exploração] acontecer, acaba tudo. É numa área onde está a maioria das comunidades, com produção de agricultura familiar”, afirma.

O advogado Nil Negrão reitera. Ele relata que a mineradora vai nas comunidades para tentar convencer os líderes a aceitar a pesquisa e a exploração oferecendo apoio financeiro. “Aí o pobre do líder comunitário, que nunca viu esse valor [dinheiro], que nunca teve fomento de outras organizações, e que está distante de tudo… Fica muito fácil com esse poder de barganha que eles [mineradora] têm, a influência de capital. E essa pessoa influencia outras pessoas a ficar contra movimentos sociais e sindicais. E começa a trabalhar em prol da empresa. É isso que eles [mineradora] querem. Ter anuência da comunidade”, afirma.

Como as comunidades do PAE Lago Grande foram desfavoráveis à entrada da mineradora em suas terras, a Alcoa moveu em 2010 uma ação judicial contra a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle).

Em 2016, a miradora recebeu liminar favorável do juiz Érico Rodrigo Freitas Pinheiro. Mas para surpresa de todos, inclusive para os próprios líderes das comunidades, o mesmo juiz extinguiu o processo em sentença proferida no último dia 6 de abril de 2018 sem resolução do mérito. Ele revogou a liminar que favorecia a Alcoa, atendendo um pedido do Incra e do parecer do MPF.

O juiz diz na sentença que a empresa juntou nos autos “os documentos que tratam apenas das autorizações de pesquisa, com indicação genérica da área autorizada, mas sem indicação do perímetro e nada referem quanto a deliberação, pelo DNPM (sigla de Departamento Nacional de Pesquisa Minerária, órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia”.

O magistrado levou em consideração também o argumento da Defensoria Pública da União (DPU), que alegou que “em nenhum momento a parte autora demonstrou a consulta à população ali residente, o que impede a prevalência do interesse econômico sobre o social”. Uma testemunha relatou, nos autos, que um “possível crime ambiental na área de proteção florestal Dois Irmãos, com a abertura de estradas e obstrução de vias já existente”.

Denúncia no MPF

Famílias estão apreensivas com pressões do Incra (Foto cedida por Edilson Figueira)

No último dia 07 (segunda-feira), as organizações sociais, entre elas o STTR, reuniram-se no MPF em Santarém, quando foi apresentado um diagnóstico sobre a situação fundiária do PAE Lago Grande. Uma das recomendações é que o MPF “realize procedimentos e ações de incidência junto aos técnicos e advogados do Incra a nível regional e junto à Procuradoria Federal Especializada vinculada ao órgão, a nível nacional, a fim de que seja revista a dominilidade e a situação legal das terras que foram excluídas da arrecadação e avaliado, em diálogo com os movimentos sociais, as implicações – do ponto de vista jurídicas e políticas precisam ser avaliadas e assumidas pelo órgão”.

Procurado pela reportagem, o MPF respondeu que há seis inquéritos instaurados sobre a situação fundiária do PAE Lago Grande. Um deles é de 2013, e foi criado para “averiguar por qual motivo o relatório que dará respaldo à continuação da aplicação dos créditos na Gleba Lago Grande não é concluído pelo Incra”.

Em outro inquérito, de junho de 2016, o MPF diz que “analisa as demandas levantadas da 804ª reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, principalmente em relação a irregularidades ocorrentes no Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE Eixo Forte e PAE Lago Grande, Município de Santarém”.

Também há inquérito para “verificar as questões legais da empresa Alcoa para atuação no PAE Lago Grande” e outro “a respeito dos problemas pelos quais o Lago Grande vêm passando, como processos de terra, lixão nas comunidades, aliciamento, venda de terras etc”.

O MPF confirmou a reunião do último dia 7 entre a procuradora da República Luisa Sangoi e as lideranças do Lago Grande. Segundo a assessoria da procuradora, as providências a serem tomadas pelo MPF, após a reunião com os comunitários, “ainda será objeto de análise acurada, pois existem inúmeros procedimentos que versam sobre demandas específicas do PAE Lago Grande e que os encaminhamentos serão realizados somente após análise completa e conjunta dos procedimentos em trâmite”.

Segundo a assessoria da procuradora Luisa Sangoi, se houver necessidade, o MPF poderá “instaurar novo inquérito para apurar objeto específico que ainda não esteja abrangido pelos procedimentos já existentes”. Sobre a possibilidade de acionar via judicial, “não se descarta tal hipótese, mas que “ainda há necessidade de promoção de diligências para completa análise das demandas”.

O que diz o Incra?

Famílias temem ameaças de madeireiros e grileiros (Foto cedida por Edilson Figueira)

A assessoria respondeu que o Incra “não tem intenção ou previsão de mudança no tipo de assentamento no caso citado [Lago Grande]” e que a “pretensão da autarquia é emitir o CDRU com a fração ideal correspondente à área total”. Segundo a assessoria, isso representa o direito outorgado ao assentado para facilitar o acesso a políticas públicas, como financiamentos de crédito, sem a demarcação de lotes, informando apenas a fração ideal em relação área total do projeto.

No entanto, a assessoria não respondeu qual a previsão de emissão do CRDU e nem comentou a respeito de que a superintendência do Incra em Santarém estaria pressionando os assentados a aceitar a divisão de lotes individuais através do CCU.

O Incra disse também que a emissão de CDRU “pressupõe o cumprimento de requisitos legais”. Entre eles, que a “área objeto da cessão deve estar devidamente registrada em nome do Incra ou da União”, que haja “georreferenciamento e certificação do perímetro da área”, a “realização do Cadastro Ambiental Rural (CAR)” e “supervisão ocupacional”. O órgão federal disse que CDRU “garante segurança jurídica ao beneficiário para exploração dos projetos ambientalmente diferenciados” e que o documento “não exige a divisão e a demarcação de lotes, sendo emitido a todos os assentados homologados como beneficiários”.

Segundo a assessoria, o governo federal definiu como meta a titulação de terras aos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária a fim de assegurar o direito à posse definitiva da área explorada há anos pelas famílias assentadas. A assessoria disse que, 85% dos assentados ainda não detêm o título definitivo de sua parcela.
“Espera-se ainda com a titulação promover segurança jurídica da propriedade, desenvolvimento econômico das regiões tituladas, geração de emprego e renda para os agricultores familiares”, diz a nota do Incra, informando ainda que o total de títulos provisórios e definitivos expedidos em 2017 (123.553) foi superior ao total de documentos emitidos no período de 2013 a 2016 (98.860).

O que diz a Alcoa?

Assentamento Lago Grande, em Santarém (Foto cedida por Edilson Figueira)

A Alcoa foi procurada pela Amazônia Real para falar a respeito do assunto desta matéria e dos questionamentos feitos pelas lideranças comunitárias. Em nota, a assessoria da empresa disse que a Alcoa opera a Mina de Juruti desde 2009, “com pleno atendimento aos requisitos legais e em diálogo contínuo com as comunidades”.

Segundo a assessoria, “o diálogo social e acordos com partes interessadas na atividade de exploração mineral faz parte de processo de trabalho, e assim vimos conduzindo o interesse mineral nas áreas denominadas Juriti Sul – Lago Grande”.

A assessoria informou que a autorização para realização de pesquisa mineral nas áreas denominadas Juriti Sul – Lago Grande foi concedida pela União Federal, por meio de alvará expedido pela Agência Nacional de Mineração (antigo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM).

“A legislação define a negociação de um valor a ser pago a título de indenização aos proprietários da terra e determina ao minerador que não conseguir firmar acordo com os superficiários da área a ser pesquisada, o ingresso de ação judicial para o estabelecimento do referido valor de indenização e início das atividades”, disse a nota.

“No caso em questão, a Alcoa obteve, entre o 2009 e 2010, autorização individual dos comunitários para realizar a pesquisa mineral. Em 2010 a empresa recebeu notificação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE) determinando a interrupção das pesquisas. Em respeito à Lei, a empresa promoveu ação para apurar a indenização e obteve liminar autorizando o ingresso nas áreas de Juruti Sul – Lago Grande e início dos trabalhos de pesquisa”, afirma a nota.

A empresa diz que, “mesmo de posse da liminar, optou por não seguir com as atividades de pesquisa e busca, desde 2013, o diálogo com os comunitários para o estabelecimento de um acordo sobre a indenização e início dos trabalhos”.

Segundo a assessoria, “enquanto analisa as alternativas cabíveis à decisão judicial proferida em abril deste ano, a empresa mantém os diálogos sociais, promovidos com todas as comunidades, para esclarecimentos de qualquer dúvida a respeito das operações, na busca de uma solução para o uso comum do solo e sobre a melhor aplicação dos recursos decorrentes da renda minerária”.

A Alcoa diz ainda que as atividades sociais promovidas “voluntariamente pela empresa, ou por meio do Instituto e Fundação Alcoa, se tratam de ações que se alinham aos valores e objetivos de sustentabilidade global da companhia, que busca reduzir os impactos das operações, ao mesmo tempo em colabora na geração de valor compartilhado e desenvolvimento sustentável das comunidades em que a empresa está inserida. Trata-se de uma prática replicada em todas as localidades em que a empresa atua, seja em Juruti, no Pará, onde opera há quase nove anos, ou nas demais regiões do Brasil, onde operamos há 53 anos, ou mesmo globalmente, nos de 130 anos de história da Alcoa.”

E termina dizendo que em 2017 foram investidos “mais de R$5 milhões em diversas iniciativas, 30 projetos comunitários apoiados, 800 voluntários atuantes, cerca de 4.200 horas de trabalho voluntário, beneficiando mais de 83.000 pessoas”.

Tema da campanha eleitoral

Estrada de assentamento em Santarém, no Pará (Alberto César Araújo)

O PAE Lago Grande é um dos maiores símbolos de luta por regularização territorial que surgiu para fazer frente ao modelo econômico predatório e de concentração fundiária. A área foi arrecadada pelo governo federal na década de 80, como Gleba Lago Grande, mas somente em 2005, com a criação da modalidade PAE, foi reconhecida como assentamento coletivo.

Manoel Edivaldo Matos diz que nos últimos anos, seus moradores passaram a ser pressionados em diferentes frentes. Uma delas é justamente a proposta dos lotes individuais através do CCU, um documento provisório dado pelo Incra de duração de cinco anos, podendo ser prorrogado.

“As concessões individuais em áreas de assentamento coletivo como o PAE Lago Grande abrem as portas para que venha uma forte pressão para parcelar as áreas da área coletiva a partir desse CCU. A fragilidade dos instrumentos [de regularização fundiária] beneficia o agronegócio, a grilagem e dificulta para o nosso lado”, diz Matos.

Ele afirma que tal prática de incentivo ao CCU tem encorajado também o assédio de políticos. Muitos aproveitam o período de pré-campanha eleitoral para divulgar os benefícios do documento.

O advogado Nil Negrão, que faz assessoria jurídica para o STTR, conta que a entrega de lotes individuais dentro de uma área coletiva é lesiva às comunidades tradicionais, principalmente nos assentamentos coletivos. Assim como Matos, ele também chama atenção para o uso deste tipo de parcelamento fundiário como instrumento de campanha política desse modelo de titulação.

Um dos políticos mais presentes é o deputado federal Wladimir Costa (SD). O deputado ficou famoso por jogar confete durante votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e fazer uma tatuagem falsa do presidente Michel Temer no braço. Wladimir emplacou o irmão Mário Sérgio Costa na superintendência do Incra na região do rio Tapajós, em setembro do ano passado.

“Eles (Wladimir e Mário) têm rádio em Santarém e se utilizam de caravanas para levar o CCU nas comunidades. Não é papel do deputado fazer isso. Ele usa o órgão federal como se fosse ele levando um benefício para as comunidades, levando títulos”, diz Negrão.

O advogado observa que a falta de regularização do assentamento coletivo gera uma grande articulação dentro do espaço territorial que ameaça o morador do assentamento. “Tendo essa ilusão de que o empreendimento chega com o desenvolvimento, as pessoas ficam querendo isso [documentos de lotes individuais]”, conta.

O deputado federal Wladimir Costa foi procurado por telefone e por e-mail pela reportagem, mas sua assessoria de imprensa não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, apesar das reiteradas tentativas.

Para contrapor ao loteamento individual, as organizações das comunidades, incluindo o STTR, realizam uma campanha denominada “Não abra mão de sua terra”. Segundo Peixe, a ideia é esclarecer aos moradores o que “está por trás de disso”.

“Fazem uma propaganda e mostram uma roupagem maravilhosa. Mas o que está por trás disso [CCU] é a regularização para que o setor do agronegócio possa comprar depois para plantar soja e vender como área regularizada. O objetivo não é fomentar a agricultura familiar. O CCU é para áreas que têm assistência técnica e para se receber alguns benefícios. Mas isso não é o caso do Lago Grande, que não tem assistência técnica e nem temos esperança que vai ter em curto prazo”, afirma Nil Negrão.

O vice-presidente do STTR, Edilson Figueira, diz que o Lago Grande teve seu registro imobiliário no Incra como “gleba” em 1980, quando a área foi “arrecadada” pelo governo federal e tinha 300 mil hectares. Incluiu faixas de terra da margem dos rios Lago Grande, Arapiuns e Arapixuna. A gleba incorporou também propriedades privadas, muitas delas fazendas.

Em 2005, em um contexto político de regularização fundiária, recebeu a denominação Projeto de Assentamento Extrativista, com 250 mil hectares. Mas muitas áreas, sobretudo as de várzea, ficaram de fora do PAE. Já as propriedades privadas foram excluídas do PAE.

Desde então, o Incra precisa fazer um georrefenciamento e dar um parecer do espaço territorial para a emissão do CDRU. O que não aconteceu até agora, apesar de muitas promessas, gerando um diagnóstico fundiário confuso.

“O georreferenciamento é para diferenciar o assentamento. Isso faz parte do relatório técnico do Incra e de um parecer, que até hoje não foi feito. A gente sabe que é uma questão política. Tem o superintendente do Incra, irmão do deputado (Wladimir). Eles divulgam em rádio que vão entregar título individual, que vão levar o CCU, que vão levar políticas públicas e créditos e o povo acredito. Mas o PAE Lago Grande é coletivo, ele foi criado para garantir as terras das famílias das comunidades”, diz Edilson Figueira.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, crise climática, violências socioambientais e impactos de grandes empreendimentos na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel de 2013. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).