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Meus tios ficaram na cidade expostos ao vírus

Por Puré Juma Uru-Eu-Wau-Wau Publicado em: 10/12/2020 às 21:41

Meus tios ficaram na cidade expostos ao vírus

Imagem da rodovia Transamazônica, único acesso à cidade de Humaitá

(Foto de Puré Juma/Amazônia Real)

Para nos locomovermos da Aldeia Juma até a cidade de Humaitá, no sul do Amazonas, temos que, primeiro, navegar e para isso temos um barco para fazer a viagem até a ponte da Vila Rio Assuã. É na ponte que temos o primeiro sinal de internet e telefonia para entrarmos em contato com familiares, órgãos públicos e ONGs que nos apoiam.

Da ponte até a cidade o percurso é de 120 quilômetros pela rodovia BR-230, a Transamazônica. A viagem tem que ser feita por caminhonete, transporte que não temos na Terra Indígena Juma, em Canutama. Nesta época do ano a estrada, de terra, é de difícil tráfego para carros.

Dependemos da Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão ficou responsável por repor o combustível do barco da aldeia e enviar uma caminhonete para buscar os indígenas, quando alguns necessitam ir até a cidade para receber os benefícios no banco, como pensão, Bolsa Família e aposentadoria.

Com a pandemia da covid-19 esse apoio ficou mais urgente, pois não estamos saindo da aldeia e, se sair, precisamos chegar com segurança e voltar rápido para evitar a contaminação do vírus.

Ficou marcado com funcionários da Coordenação Regional do Madeira da Funai, que eles enviariam um carro, de dois em dois meses, para recebermos os benefícios.

“Com a pandemia ficou urgente o apoio da Funai” (Foto de Puré Juma Uru-Eu-Wau-Wau/Amazônia Real

7 de agosto de 2020. Nesse dia eu, minha tia Maytá, meu tio Puruem, que é o marido dela, e o Natalício, marido da minha prima Kunhavé, precisávamos ir à cidade de Humaitá para receber os benefícios e comprar as mercadorias de nossa necessidade.

Entramos em contato com a Funai através da radiofonia na aldeia e solicitamos o veículo. Ficamos horas e horas tentando falar com alguém e ninguém nos retornou com a notícia do carro ou que iria fazer algo a respeito disso.

Então fomos de barco para a ponte da Vila do rio Assuã. Entrei em contato com um antigo amigo para saber se ele teria a possibilidade de nos buscar. Expliquei que estávamos cinco meses sem receber os benefícios. Ele disse que, com o carro dele seria impossível por causa da estrada, mas com o carro de um amigo seria possível, porém ele cobraria o valor de um frete da viagem de ida por R$ 550. Essa pessoa poderia nos levar da ponte do Assuã até a cidade de Humaitá apenas.

Minha tia Maytá não encontrou outra solução e aceitou o frete. Quem pagou o frete foi o meu tio tio Puruem, que ganha salário do trabalho como Agente Indígena de Saneamento (AISAM) da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Então meus tios foram até a cidade por conta própria. Eles levaram o Natalício. Eu permaneci na vila para cuidar do nosso barco. Ela estava preocupada com o seu benefício, que poderia ser cancelado por ficar cinco meses sem receber e isso realmente aconteceu. A pensão do seu falecido marido foi cancelada.

Quando chegaram na cidade de Humaitá foram à sede da Funai. Eles foram informados que não tinha um carro para trazê-los de volta e os funcionários alegaram que os veículos estavam quebrados ou em oficina no conserto. Meus tios, mesmo hospedados em um hotel por conta da Funai, ficaram durante três dias na cidade de Humaitá expostos ao vírus.

Com essa situação começamos a nos mobilizar e enviamos uma carta relatando a situação ao coordenador da CR Madeira e ao Ministério Público Federal. Relatamos a questão da falta do transporte, informando que na cesta básica não vem todos os alimentos que precisamos e faltam os medicamentos para o meu avô Aruká Juma. Relatamos também que ficamos muitos dias em completo isolamento sem contato com os funcionários da Funai via radiofonia.

Depois dessa mobilização, o novo coordenador da CR Madeira nos atendeu e enviou meus tios de carro para a ponte do Assuã. Agora, os funcionários estão marcando a data para enviar o veículo até a ponte. A situação evoluiu e acho que está bom, pois não podemos ficar isolados e sem receber os nossos benefícios.

Com tudo isso que aconteceu, conseguimos retornar com a saúde ótima, sem nenhuma alteração. Voltamos à Aldeia Juma com o combustível do barco e as mercadorias que meus tios compraram na cidade. Explicamos para os que ficaram na aflição, sem notícias nossas, o motivo da demora do retorno à comunidade.

Quando a gente sai da aldeia tomamos bastante cuidado com a saúde, não podemos nos expor ao risco de pegar a covid-19. Mas precisamos do apoio da Funai para garantir essa segurança.

O Blog Jovens Cidadãos da Amazônia é financiado pelo Rainforest Journalism Fund com apoio do Pulitzer Center

Puré Juma Uru-Eu-Wau-Wau

Puré Juma Uru-Eu-Wau-Wau, 18 anos, é filho de Borehá Juma e Erowak Uru-Eu-Wau-Wau e reside na Terra Indígena Juma, em Canutama, no sul do Amazonas. É estudante do 2o. Ano do ensino médio, no curso de administração, no Instituto Federal do Amazonas (IFAM), em Humaitá (AM). Participou da Oficina Jovens Cidadãos em 2019. Desde 2020 é jovem comunicador do Blog Jovens Cidadãos da Amazônia.