Justiça rejeita ação da Hydro Alunorte contra pesquisador Marcelo Lima, do IEC

Por Moisés Sarraf Publicado em: 25/02/2019 às 18:15

O cientista fala sobre o processo que o acusou de crimes de calúnia, injúria e difamação por alertar a população sobre danos ambientais causados pela mineradora norueguesa (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Belém (PA) – A mineradora norueguesa Hydro Alunorte foi derrotada na Justiça, em ação que moveu contra o pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, do Instituto Evandro Chagas (IEC). O juiz federal Rubens Rollo D’Oliveira, da 3ª Vara do Pará, afirmou que o servidor público apenas cumpriu com sua função “de informar a população acerca dos acontecimentos ocorridos em Barcarena”.

Na sentença, o juiz diz que a leitura das declarações e manifestações atribuídas a Marcelo Lima não vislumbram, sequer remotamente, a intenção de acusar a mineradora da prática de infrações penais. “Ao contrário, a necessidade de examinar detidamente mais de meia centena de declarações, para delas pinçar duas ou três frases em que o querelado teria pretensamente se excedido, vem bem a demonstrar que a conduta do servidor público do Instituto Evandro Chagas foi, a todo momento, a de informar a população acerca dos acontecimentos ocorridos em Barcarena, externando sua posição técnica acerca do assunto, possivelmente hostil aos interesses da Alunorte Alumina do Norte Brasil S/A, mas nem por isso criminosa”.

Nos dias 16 e 17 de fevereiro do ano passado, segundo o IEC, rejeitos da barragem da maior produtora de alumínio do mundo vazaram para a bacia do rio Pará. A Hydro Alunorte não só nega o fato até hoje, como em janeiro deste ano apresentou uma queixa-crime contra o cientista, alegando que o acusava de calúnia, injúria e difamação.

A pedido dos Ministérios Públicos Federal e estadual do Pará, o IEC designou uma equipe, sob coordenação de Lima, para investigar a contaminação no entorno da planta industrial da Hydro Alunorte. Os técnicos do IEC avaliaram os danos ambientais e riscos à saúde humana, causados pelo vazamento de efluentes da refinaria da empresa em Barcarena. Em suas análises, eles encontraram resíduos químicos nas águas do rio Murucupi. Os dados apontam para um mesmo padrão detectado em acidente anterior, no dia 28 de abril de 2009, quando a barragem da Alunorte se rompeu.

“Isso que a gente diz que é evidência química que, sim, foi liberado material daquela bacia, seja por transbordo, seja por lançamento irregular de efluentes não tratados, mas chegou ao rio Murucupi”, afirmou o pesquisador à agência Amazônia Real.

Na primeira entrevista concedida à imprensa, desde que se tornou alvo de ação penal, movida pela mineradora Hydro Alunorte, e dias antes da sentença da 3ª Vara, o cientista Marcelo de Oliveira Lima afirmava que ele e sua equipe estavam “muito tranquilos porque tudo foi feito de maneira muito correta”. Lima apenas demonstrava certa contrariedade pela denúncia se voltar diretamente contra ele.

“Os questionamentos foram feitos a uma equipe de mais de oito profissionais. Eu coordenei o trabalho, dei entrevistas. Não existe o Marcelo. Fui eu quem estava dando entrevista. Fui eu quem foi apresentar os dados, fazer coletivas”, argumentou o pesquisador, dizendo que era um trabalho de equipe. “Então, a gente não compreende por que dos questionamentos com a apresentação de queixa-crime contra a minha pessoa.”

A Alunorte ajuizou a ação penal contra o pesquisador alegando que, ao divulgar à imprensa os resultados das pesquisas, ele teria se excedido em suas manifestações e, por isso, cometido crime contra a honra da empresa. Em seu parecer, o procurador da República José Augusto Torres Potiguar considerou que a mineradora acabou por “constranger um cientista no legítimo exercício de sua profissão” e recomendou à Justiça a rejeição da queixa-crime. Na sentença, o juiz Rollo D’Oliveira afirmou que o pesquisador não pode ser censurado “por ter se valido do seu direito de crítica”, uma vez que Lima estava comentando dados de relatórios feitos pelo Instituto Evandro Chagas, que portanto são públicos.

“O pesquisador não pode ser censurado na esfera penal por ter se valido do seu direito de crítica, dentro do plexo de conhecimentos por ele adquirido na confecção dos relatórios do Instituto Evandro Chagas”, destaca o juiz na sentença, que atendeu parecer do Ministério Publico Federal.

Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena, Pará - Impacto ambiental da barragem de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A reportagem da Amazônia Real procurou a mineradora Hydro Alunorte para ela comentar a decisão judicial sobre a queixa-crime contra o pesquisador Marcelo Lima. Em nota, a empresa disse que não foi oficialmente notificada sobre essa decisão, “mas irá avaliar oportunamente as medidas cabíveis”.

A mineradora Hydro Alunorte é controlada pela Norsk Hydro ASA, com sede em Oslo, na Noruega, desde de maio de 2010. As ações foram compradas da Vale do Rio Doce, pois na ocasião a empresa Hydro tinha participação acionária de 34% da mineradora. Os principais acionistas da Hydro são o Estado norueguês com 34,7 por cento e o fundo de pensão do governo norueguês com 6,5% (em 31 de dezembro de 2017). Entre outros acionistas majoritários encontram-se investidores institucionais na Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Hong Kong.

Pelo acidente em 2009, a Hydro Alunorte foi multada em R$ 5 milhões pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará por um vazamento de resíduos sólidos no rio Murucupi. Em fevereiro de 2018, a mineradora recebeu duas multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no total de R$ 20 milhões, por realizar atividade potencialmente poluidora sem licença válida da autoridade ambiental competente e operar tubulação de drenagem também sem licença. As multas foram contestadas pela empresa e os valores ainda não foram pagos. O pagamento faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta do MPPA e MPF com à Hydro e com governo do Pará. A Justiça Federal mantém o embargo de 50% das atividades industriais da refinaria. A mineradora é também alvo de um processo na Justiça por crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético pelos danos causados em Barcarena.

Reflexão sobre a mineração

O pesquisador Marcelo Lima na sede do Instituto Evandro Chagas, em Belém (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

O acidente em Barcarena é mais um indicativo da necessidade de se debaterem os impactos socioambientais da mineração no Brasil. “É um absurdo ter um processo de extração mineral, onde você tem riscos, sim, com níveis de traço [elementos químicos em baixa quantidade], mas que são perigosos. E, durante o licenciamento, não é cobrada nenhuma análise sobre esses riscos”, avaliou o pesquisador Marcelo Lima, afirmando que o rompimento da barragem da mineradora Vale, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), deveria motivar essa reflexão no setor mineral.

“Estamos tristes pelo que ocorreu em Brumadinho, mas estamos felizes porque quando em Barcarena a gente alertou, ano passado, a gente pode ter evitado um problema muito maior. Então, nós cumprimos o nosso papel enquanto saúde pública”, afirmou o pesquisador do IEC.

“Se existiam problemas, se existiam situações, nós relatamos. Esperamos que a Justiça ou os órgãos ambientais tenham com isso grande reflexão de como lidar com essas situações, que não cabem mais ao IEC. Nossa parte técnica, de compromisso com a saúde e com ambiente equilibrado e sustentável, nós fizemos”, afirma Marcelo Lima.

Acionado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, o IEC atua no caso desde as primeiras denúncias de vazamento da Hydro Alunorte. A primeira avaliação do caso foi uma nota técnica, publicada em 22 de fevereiro de 2018, que confirmava o vazamento de rejeitos da empresa. Amostras coletadas no igarapé Bom Futuro, no seu entorno, denunciavam a presença de chumbo, sódio, nitrato e alumínio acima do permitido à saúde humana.

Já no final de março de 2018, o IEC publicou nova aferição, apontando contaminação por metais tóxicos nas águas superficiais de rios e igarapés do município de Barcarena. Os níveis de elementos como chumbo, mercúrio, alumínio, cobre, urânio e arsênio estavam acima dos limites aceitáveis pela legislação. “O nosso relatório técnico mostrou que tinha coisas não naturais e coisas acima da legislação”, avaliou o pesquisador do IEC. “E a gente relatou para sociedade que tinha o risco. E esse risco tinha que ter medidas emergenciais, como fornecer água potável e não permitir contato primário das pessoas com as águas desses igarapés.”

Novo estudo em andamento

Poço contaminado na Comunidade do Cupuaçu, em 2018 (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

O cientista Marcelo Lima trabalha agora com sua equipe em outro relatório sobre a barragem da Hydro Alunorte, desta vez voltado para saúde humana, que será publicado até o final do primeiro semestre. “Não conseguimos finalizar porque há muitos dados: banco de dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais”, explica o pesquisador. Para o teste toxicológico, foram coletadas amostras de sangue e cabelo de moradores que vivem em comunidades ao redor da planta da Hydro Alunorte, além de amostras de urina para exame bioquímico. Os resultados serão comparados a estudos realizados em outros países.

No novo estudo, serão incluídas, também, as conclusões de dois pareceres técnicos. O primeiro parecer foi encaminhado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou danos ambientais na bacia do rio Pará, pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa); e o segundo, a pedido da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) à direção do IEC.

No documento encaminhado à Alepa, o Instituto Evandro Chagas aponta o descompasso entre o crescimento da área da bacia de rejeitos e a capacidade de tratamento de efluentes. “Em 2009, a área de bacia era x. Em 2017 e 2018, já era 3x, 4x, chega a 5x”, diz Marcelo Lima. “Quando olha para as áreas de tratamento, você vê no máximo a construção de mais um reator. O tratamento aumentou 1,5 e as bacias 5 vezes. Sem falar que tem a presunção do risco, que ficou mais evidente.”

Já o parecer produzido a pedido da Cainquiama apontou a necessidade de monitoramento de toda a cadeia de produção do alumínio, incluindo a extração de bauxita – matéria-prima da alumina que dá origem ao alumínio – no município de Paragominas, no sudeste do Pará. Lima explica que, com a extração da bauxita, outros elementos químicos são liberados por meio do intemperismo – transformação e desgaste das rochas e dos solos a partir de processos químicos, físicos e biológicos.

“O alumínio é um elemento de interesse: tem uma porcentagem naquele material. O que não é de interesse é chamado de elementos traço, aquilo que está em quantidades menores. Eles, em quantidade menores, já são muito perigosos”, diz. Segundo o pesquisador, o material extraído em Paragominas é enviado a Barcarena, por meio de um mineroduto, o que aumenta a liberação de outros elementos químicos. Na refinaria, para a obtenção da alumina, há uso de produtos como a soda cáustica. “O resíduo que chamamos de lama vermelha, que está em Barcarena, sai altamente alcalino, devido à soda cáustica e quente, pelas altas temperaturas das caldeiras”, explica Marcelo. Para alimentar as caldeiras, usa-se carvão mineral, que gera cinzas, nas quais também estão contidos elementos com traços tóxicos.

Segundo parecer, produzido a pedido da Cainquiama, os dados apresentados evidenciam “que o uso do minério bauxita, oriundo da província mineral de Paragominas, tem como resultado a presença de elementos tóxicos” e que “o acúmulo e/ou lançamento desses efluentes para o ambiente, sem o devido tratamento, pode ocasionar impactos ambientais irreversíveis”. O parecer recomenda, ainda, a realização de estudos que demonstrem os riscos da atividade e, também, a implementação de programas de biomonitoramento em Paragominas e em Barcarena.

População em protesto contra os danos ambientais da mineradora, em Barcarena, em 2018 (Foto Pedrosa Neto/Amazônia Real)

As imagens da Bacia de Rejeitos Sólidos, DRS1, da Hydro Alunorte podem ser baixadas e compartilhadas pelo acesse no Flickr

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Sobre a matéria

Moisés Sarraf

Moisés Sarraf atua na cobertura jornalística sobre política, direitos humanos e questões socioambientais na região amazônica. Foi repórter do jornal O Liberal e da revista Amazônia Viva, no Pará, e colaborou com o jornal Folha de São Paulo e Agência Pública. Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará (2011) e mestrado em Comunicação, Cultura e Amazônia pela mesma instituição (2019). Atualmente, é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), em que desenvolve pesquisa sobre relações étnico-raciais na região do Marajó.