A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Mais próximo o fim da Amazônia

As estradas se tornaram a arma mais mortífera na Amazônia. Uma vez aberta uma para permitir o acesso humano a áreas dominadas pelos elementos da natureza e pequenas nucleações humanas espalhadas pelo seu interior, principalmente à margem dos cursos d’água, […]

Floresta amazônica ao longo do Rio Manicoré, em Manicoré, no sul do Amazonas. A região já sofre com a pressão do desmatamento e exploração de madeira em seus arredores. Na foto, o Ramal da Democracia, que liga a BR-319 à margem esquerda do Rio Madeira, a 17 km da sede do município. (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 22/08/2022 às 18:52

As estradas se tornaram a arma mais mortífera na Amazônia. Uma vez aberta uma para permitir o acesso humano a áreas dominadas pelos elementos da natureza e pequenas nucleações humanas espalhadas pelo seu interior, principalmente à margem dos cursos d’água, segue-se o desmatamento, as queimadas, a alteração ou destruição dos elementos naturais (encarados como entraves à “civilização”), a expulsão do habitante nativo, os conflitos pela ocupação e posse das terras, o caos – o combustível por excelência desse avanço sobre a última grande fronteira alcançada pelo avanço dos homens.

Não há exceção a essa regra. A horda dos imigrantes, sejam indivíduos, famílias ou empresas, agiu dessa maneira nos vales do Araguaia/Tocantins, Xingu e Tapajós, os eixos principais dessa trilha de predadores, induzidos ao choque e confronto por uma política estatal deliberadamente desequilibrada em favor de alguns e contra outros, da grilagem, da violência, da cobiça e da busca por vantagens, dentre as quais o lucro (quanto mais fácil e maior, melhor).

O Amazonas, o maior Estado do Brasil, com quase 20% do território nacional), era uma exceção, o elemento de prova de que o homem, como na fase colonial do país, ainda estava arranhando trechos menores da Amazônia. Enquanto as vastas extensões cobertas por florestas do Estado vizinho não era sangrada pelo corte de uma rodovia de penetração, o engodo era crível e endossado pelos sacerdotes do desenvolvimentismo a qualquer preço, de Sarney a Bolsonaro, passando por Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer (na democracia atual, de 37 anos), como já fora dos generais da ditadura militar, de 21 anos.

Basta abrir uma estrada pioneira e depois asfaltá-la para que surjam cupins humanos agressivos, apressados, atarefados, como acontece agora no sul do Amazonas. É, sobretudo, no eixo do rio Madeira, o mais extenso afluente do Amazonas e o que mais arrasta nutrientes para a calha do maior rio do planeta. O elemento perturbador é a BR-319, que acompanha – e ignora – o caudaloso Madeira entre Porto Velho e Manaus, conectada ao Centro-Oeste da soja e do poderosíssimo agronegócio, e envenenado pelo mercúrio das organizações criminosas que patrocinam a extração selvagem de ouro no leito do rio. Mais 300 quilômetros começarão a ser asfaltados agora. Quando concluídos, ficarão faltando 200 quilômetros para o asfalto cobrir todos os seus 855 quilômetros de extensão.

Mas os danos que já causou só não são mais assustadores porque foram os mesmos dos territórios ocupados, numa ocupação que só pode ser bem entendida se comparada à ocupação de territórios coloniais (na África e na Ásia) por países imperialistas. É o Brasil vencedor pelo seu ímpeto imperial (e imperioso) ocupando o Brasil que desconhece, do qual não abre mão como sua possessão, a ser recriada à imagem e semelhança do seu senhor (que, por acaso, fala a mesma língua).

Com seu asfaltamento integral, a BR-319 vai multiplicar as chagas que já abriu na antiga floresta úmida, densa e diversa, como mostra Alicia Lobato, em reportagem publicada pela agência Amazônia Real, que pode ser lida neste link.

A imagem que abre este artigo é de autoria de Christian Braga. Ela mostra um trecho do Ramal da Democracia, que interliga a BR-319 à margem esquerda do Rio Madeira, a 17 km do município de Manicoré, Amazonas (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.