Política

Ataques do Comando Vermelho deixam Manaus sitiada

Por Leanderson Lima Publicado em: 07/06/2021 às 20:05

Nesta segunda-feira (7), a capital do Amazonas permaneceu acuada pela violência, e até a vacinação contra a Covid-19 foi paralisada.

Na imagem, Amarildo Barbosa Castro, 58 anos, vigia da Seduc em frente ao seu carro incendiado na porta da UBS 50 no bairro Adrianópolis, zona centro sul de Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Manaus (AM) – A capital do Amazonas amanheceu e permaneceu sitiada nesta segunda-feira (7). O comércio e as escolas tiveram suas atividades paralisadas. A indústria cancelou o terceiro turno, no domingo à noite, e só retornou nesta manhã. Em nenhum momento da primeira ou da segunda onda da pandemia causada pela Covid-19 foi possível ver tantas lojas fechadas. Os ônibus foram recolhidos para evitar uma nova onda de ataques da facção criminosa Comando Vermelho. E poucos deram ouvidos ao secretário de Segurança Pública, coronel Louismar Bonates, que nos canais do governo estadual, garantia que a população estava protegida.

A reportagem da Amazônia Real circulou na manhã e tarde desta segunda-feira por vários bairros de Manaus. O que se viu foi um cenário de destruição e caos total, com uma população envergonhada, amedrontada e sentindo-se insegura até para sair às ruas. Em silêncio, a capital do Amazonas parecia tentar digerir o ataque mais violento já patrocinado por uma organização criminosa no estado. E ouviu relatos dramáticos do rescaldo sobre os ataques do fim de semana.

No bairro Lírio do Vale, na zona oeste de Manaus, foi a própria população que se mobilizou para salvar a Unidade Básica de Saúde S-10, atacada por volta das 20 horas de domingo (6). Os criminosos forçaram as grades da janela para atirar coquetéis molotov (garrafas com combustível) dentro do estabelecimento. O artefato incendiário também foi atirado na frente da UBS, que na hora se encontrava fechada.

“Foi muito difícil. A gente fica muito triste, muito decepcionada, mas ao mesmo tempo agradecida porque a nossa comunidade agiu com rapidez. A vizinhança assustou os caras e, quando eles foram embora, correu para apagar o incêndio, antes que ele se espalhasse”, contou a funcionária pública Dulce Maria, de 54 anos. Ela fez questão de ressaltar que o posto de saúde é a única salvação para muitos da comunidade. “Como é que pessoas veem destruir um patrimônio que só faz bem para eles mesmo? Faz bem pra ele, para os amigos, pode salvar a mãe deles, o pai deles”, lamentou.

Ao circular pela cidade, a reportagem testemunhou moradores e funcionários numa grande operação de rescaldo para apagar as marcas dos ataques do fim de semana. Limpavam fachadas de prédios com princípios de incêndio.

Os mais de 30 ataques do Comando Vermelho fizeram com que o serviço de transporte público ficasse mais de 24 horas paralisado. Os terminais estavam protegidos por carros de polícia, mas sem passageiros. Cerca de 700 mil passageiros foram prejudicados. Só por volta das 13 horas a prefeitura retomou o transporte público, porém com uma frota bem inferior aos mais de 300 ônibus que circulam pela capital.

Efeito colateral

Policiamento na Cidade Nova (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Carro da PM no Terminal de ônibus T1 na Cidade Nova (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Carros incendiados em frente à UBS 50 no Adrianópolis (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Carros incendiados em frente à UBS 50 no Adrianópolis (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Posto de vacinação fechado nao Centro Cultural Povos da Amazonia na Bola da Suframa (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Caixa Econômica do Japiim que foi incendiada (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Agência do Banco do Brasil no centro de Manaus que foi incendiada (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Abordagem policial na avenida Sete de Setembro, centro de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Sede do Sinetram teve a porta atingida por tiros (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)i
Agência do Banco do Brasil no centro de Manaus que foi incendiada (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
UBS no Nova Esperança, zona oeste de Manaus também atingida pelos ataques do CV (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Comércio fechado na Compensa (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
PAC fechado na Compensa (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Pixação do Comando Vermelho em muro na rua Ferreira Pena (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Vigilante na Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Amarildo Barbosa Castro, de 58 anos, foi acordado na madrugada de sábado para domingo com a notícia de que seu carro, um Chevrolet Meriva, ano 2011, estava em chamas. Todos os dias ele estacionava na frente da UBS S-50, em Adrianópolis, na zona Centro-Sul.

De acordo com testemunhas, o alvo dos criminosos não era o carro do vigilante, mas a van que estava estacionada ao lado e faz a rota para o Polo Industrial de Manaus “Eram uns oito homens armados. Quando foram me chamar, o fogo já estava muito alto. Foi uma pancada muito forte. Eu ainda tentei usar um extintor, mas fiquei com medo de o carro explodir”, recordou Amarildo.

Para Amarildo, a perda foi total, mas a dívida ficou. Ainda restam 15 prestações para ele quitar seu carro. “Que o Comando Vermelho fizesse isso no carro do governador, dos prefeitos, dos políticos, não na casa dos trabalhadores, que pagam suas contas no sufoco”, desabafou.

Com um monte de ferro retorcido e queimado, Amarildo contou que fez um Boletim de Ocorrência nesta segunda-feira, e vai tentar algum acordo com o banco. “Se não conseguir, vou processar o estado. Isso é responsabilidade com a segurança pública!”, disse Amarildo, que não possui seguro do veículo. “Seguro? E pobre lá tem seguro? Pobre já tem carro de gaiato.”

Ônibus incendiados

Coronel Louismar Bonates, secretário de Segurança do Amazonas (Foto Lucas Silva/ Secom)

Em uma entrevista veiculada pelo governo estadual, o secretário de Segurança assentiu quando perguntado se estavam circulando pelas redes sociais muitas informações falsas de ônibus incendiados. “Eles estão usando muitas fake news antigas e replicando isso agora. É muito prejudicial e leva a um temor à população desnecessário. Não tivemos até agora nenhum incidente com um cidadão de bem”, disse. Dados da prefeitura, contudo, informam que foram incendiados sete ônibus e dez micro-ônibus que atendem ao Distrito Industrial de Manaus.

“A população pode ter o seu ir e vir garantido, pode sair de suas casas, circular livremente, que a polícia está nas ruas para garantir a sua segurança”, acrescentou o secretário Louismar Bonates. Já em uma coletiva com a imprensa, o coronel Bonates confirmou que o governo estadual espera a chegada da Força Nacional para esta terça-feira. O pedido de ajuda ao Ministério da Justiça foi formalizado no domingo.

Desde o início dos ataques do Comando Vermelho, foram realizadas 31 prisões, sendo apenas duas de lideranças e cujos nomes não foram revelados. Segundo o secretário de Segurança, há 250 carros das Polícias Civil e Militar nas ruas de Manaus. Mas o efetivo é de 2.000 homens para uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes. “Não vou dizer que a situação está totalmente sob controle, porque tem um ataque aqui e outro acolá”, admitiu. E acrescentou Bonates: “Nosso efetivo é pequeno para o volume de ações.”

Os ataques do Comando Vermelho foram concentrados em Manaus, mas atingiram cinco municípios do interior: Manacapuru, Iranduba, Careiro Castanho, Parintins e Carauari. Agentes da Polícia Rodoviária Federal já foram deslocados de Roraima para atuar nos municípios de Careiro Castanho e Careiro da Várzea. Um novo efetivo policial deve ser conduzido do Rio de Janeiro para o Amazonas.

Segundo a versão do governo estadual, as ações criminosas seriam uma retaliação à morte do traficante e líder do Comando Vermelho no Amazonas, Erick Batista Costa, o “Dadinho”. Ele morreu em uma troca de tiros com militares da Rocam (Rondas Ostensivas Cândido Mariano) da Polícia Militar, na noite de sábado (5).

Sem vacina

Posto de vacinação fechado nao Centro Cultural Povos da Amazonia na Bola da Suframa, na foto Elisvam Câmara Gomes, 54 anos, não conseguiu se vacinar (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Maria Vieira, 86 anos e Vera Lúcia, 48 anos não conseguiram se vacinar hoje no Centro de Convivência da Padre Vignola na Cidade Nova (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Ireide Vasconcelos, 54 anos não conseguiu ser vacinada hoje (Foto: Alberto César Araú/Amazônia Real)
Posto de vacinação da UNIP fechado (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Centro de Convivência Padre Vignola na Cidade Nova (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Depois de anunciar que a vacinação começaria às 11 horas de segunda-feira, a prefeitura de Manaus voltou atrás e decidiu suspender a atividade. A notícia pegou muita gente de surpresa, que só soube da suspensão quando estava na fila para receber a dose do imunizante. “A sensação é de que você gastou dinheiro à toa. Além de tudo. ainda perdi trabalho. É muita desorganização”, criticou Elisvam Câmara, de 54 anos.

Ireide Vasconcelos era outra que aguardava ansiosamente pela oportunidade de ser vacinada. Ela relatou que chegou à Universidade Paulista (Unip) às 7 horas e foi mais uma que saiu frustrada, sem vacina.

Aos 86 anos, Maria Vieira tinha esperança de chegar cedo ao ponto de vacinação para garantir a dose. “Mas ainda não foi desta vez. E olha que eu cheguei aqui bem cedo. É uma pena”, resignou-se.

Sobre a violência vivenciada nas últimas horas no Amazonas, a nora de Maria Vieira, Vera Lúcia de Lima, 48 anos, disse que já se habituou com a violência em Manaus. “A gente já está se acostumando. A gente nem se espanta mais”, relatou.

A retomada da vacinação deve acontecer nesta terça-feira, caso a situação esteja normalizada. A Covid-19 já fez 13.054 mortes no Amazonas.

Abordagem policial na avenida Sete de Setembro, centro de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Citações

“Que o Comando Vermelho fizesse isso no carro do governador, dos prefeitos, dos políticos, não na casa dos trabalhadores, que pagam suas contas no sufoco”, desabafou Amarildo Barbosa Castro.

Local de Cobertura

Manaus

Leanderson Lima

É graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Iniciou no jornalismo profissional em 2003, tendo trabalhado em veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. Está na equipe de jornalistas investigativos da agência Amazônia Real desde o ano de 2021. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.