Philip M. Fearnside

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 25 – Forneça alternativas

Não basta proibir o desmatamento e punir as violações – devem ser oferecidas alternativas de apoio aos pequenos agricultores que se sustentam com o desmatamento, tanto para a subsistência quanto para a produção comercial. No entanto, não há necessidade de […]

Plantação de soja em Santarém, no Pará (Foto: Alberto César Araújo/2007)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 01/06/2021 às 13:51

Não basta proibir o desmatamento e punir as violações – devem ser oferecidas alternativas de apoio aos pequenos agricultores que se sustentam com o desmatamento, tanto para a subsistência quanto para a produção comercial. No entanto, não há necessidade de fornecer alternativas para os investidores [1]. Esses operadores maiores podem muito bem se defender sozinhos, mudando para outros tipos de investimento, sem a necessidade de subsídios com fundos destinados a fins ambientais.

A economia atual da Amazônia rural é quase inteiramente baseada na destruição da floresta: venda de madeira e substituição da floresta por plantações ou pastagens. Nas últimas três décadas, este autor tem defendido o aproveitamento do valor dos serviços ambientais da floresta como uma base alternativa para a economia rural. Os serviços ambientais, como evitar o aquecimento global, reciclar água e manter a biodiversidade, valem muito mais para a sociedade humana do que o dinheiro ganho com a destruição da floresta. No entanto, faltam mecanismos institucionais para transformar esses serviços em um fluxo monetário e usar esse fluxo para apoiar a população rural sem provocar efeitos sociais perversos.

Algum progresso foi feito em direção ao objetivo de obter fluxos monetários por meio de negociações internacionais no âmbito da Convenção do Clima, mas o lado social desse mecanismo – como o dinheiro seria usado depois de obtido – está quase completamente sem solução. O pagamento por serviços ambientais (PSA) é visto como a forma mais direta de fornecer incentivos de conservação e evitar efeitos perversos sobre o patrimônio líquido [2, 3]. A necessidade de regularização fundiária é um pré-requisito inevitável para o funcionamento do PSA [4], o que cria perigos [5, 6] e novas oportunidades para induzir conformidade ambiental [7]. Em termos de custo-efetividade, comando e controle ainda é a opção mais barata para reduzir o desmatamento na Amazônia brasileira, mas o PSA, se direcionado a pequenos atores, oferece uma forma de reduzir ou evitar impactos sociais negativos [8].

Não se pode simplesmente pagar às pessoas por não fazerem nada ou distribuir dinheiro e bens às comunidades locais sem criar conflitos e destruir culturas. O recente caso desastroso de distribuições de compensação para comunidades indígenas afetadas pela barragem de Belo Monte oferece um exemplo concreto (por exemplo, [9, 10]). Subsidiar compras de produtos florestais não madeireiros de reservas extrativistas foi sugerido como um possível mecanismo de apoio [11].

As discussões atuais de REDD + (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação) envolvem uma série de controvérsias, incluindo questões de como a contabilização dos benefícios de carbono é feita, tanto na fase de proposta quanto nas fases posteriores de verificação e pagamento [12-15]. A resolução das várias questões em aberto sobre a quantificação e os mecanismos institucionais para recompensar os serviços ambientais das florestas amazônicas, incluindo seus benefícios de carbono, continua a ser uma prioridade para a criação de uma alternativa ao desmatamento na escala e dentro do prazo em que esta alternativa é necessária [16]. [17]

A imagem que abre este artigo mostra casal de agricultores familiares cercado por latifundio de soja em Santarém, PA (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

[1] Fearnside, P.M. 1989. Deforestation in the Amazon. Environment: Science and Policy for Sustainable Development 31(7): 4-5.

[2] Börner, J., S. Wunder, S. Wertz-Kanounnikoff, M.R. Tito, L. Pereira & N. Nascimento. 2010. Direct conservation payments in the Brazilian Amazon: Scope and equity implications. Ecological Economics 69: 1272–1282.

[3] Ferraro, P.J. & A. Kiss. 2002. Direct payments to conserve biodiversity. Science 298: 1718–1719.

[3] Wunder, S., J. Börner, M.R. Tito & L. Pereira. 2009. Pagamentos por Serviços Ambientais Perspectivas para a Amazônia Legal. 2ª ed., Série Estudos 10, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Brasília, DF. 144 p.

[5] Fearnside, P.M. 2021 Questões de posse da terra como fatores na destruição ambiental na Amazônia brasileira: O caso do sul do Pará. p. 39-54. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica, Vol. 1. Editora do INPA, Manaus, AM. 368 p. (no prelo).

[6] Fearnside, P.M. 2020. O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020.

[7] Duchelle, A.E., M. Cromberg, M.F. Gebara, R. Guerra, T. Melo, A. Larson, P. Cronkleton, J. Börner, E. Sills, S. Wunder, S. Bauch, P. May, G. Selaya & W.D. Sunderlin. 2014. Linking forest tenure reform, environmental compliance, and incentives: Lessons from REDD+ initiatives in the Brazilian Amazon. World Development 55: 53–67.

[8] Börner, J., K. Kis-Katos, J. Hargrave & K. König. 2015. Post-crackdown effectiveness of field-based forest law enforcement in the Brazilian Amazon. PLOS One 10(4): e0121544.

[9] Fearnside, P.M. 2019. Belo Monte: Atores e argumentos na luta sobre a barragem amazônica mais controversa do Brasil. p. 23-36. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 3. Editora do INPA, Manaus, AM. 148 p.

Fearnside, P.M. 2019. A Barragem de Belo Monte: Lições de uma luta por recursos na Amazônia. p. 37-54. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 3. Editora do INPA, Manaus, AM. 148 p.

[10] Heurich, G.O. 2013. A barragem e a canoa de Jawitï. Brasília, DF, Brazil: Instituto Socioambiental (ISI). 4 pp.

[11] Fearnside, P.M. 1992. Reservas extrativistas: uma estratégia de uso sustentado. Ciência Hoje 14(81): 14-18.

[12] Fearnside, P.M. 2012. Brazil’s Amazon forest in mitigating global warming: Unresolved controversies. Climate Policy 12(1): 70-81.

[13] Fearnside, P.M. 2012. The theoretical battlefield: Accounting for the climate benefits of maintaining Brazil’s Amazon forest. Carbon Management 3(2): 145-148.

[14] Fearnside, P.M. 2013. What is at stake for Brazilian Amazonia in the climate negotiations. Climatic Change 118(3): 509-519.

[15] Yanai, A.M., P.M. Fearnside, P.M.L.A. Graça & E.M. Nogueira. 2012. Avoided deforestation in Brazilian Amazonia: Simulating the effect of the Juma Sustainable Development Reserve. Forest Ecology and Management 282: 78-91. doi: 10.1016/j.foreco.2012.06.029.

[16] Fearnside, P.M. 2013. What is at stake for Brazilian Amazonia in the climate negotiations. Climatic Change 118(3): 509-519.

[17] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

Leia os outros artigos da série:

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 9 – Estradas

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 10 – Soja

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 11 – Pecuária

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 12 – Crescimento populacional e Dinâmica doméstica

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 13 – Degradação extrema

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 14 – O aumento do desmatamento pós-desaceleração

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 15 – Controle por meio da repressão

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 16 – Remover ou redirecionar subsídios

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 18 — A Moratória da Soja

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 19 – O Acordo da Carne

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 20 – Áreas Protegidas

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 21 – Áreas protegidas e mitigação do clima

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 22 – Vazamento de benefícios climáticos de áreas protegidas

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 23-Refrear projetos de infraestrutura

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 24 – Abandone os mitos que desviam esforços da contenção do desmatamento

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br