O Público não é de Ninguém

Por Amazônia Real Publicado em: 10/03/2014 às 12:44

CARLOS DURIGAN

Lixo nas ruas, nas áreas verdes e nos rios, infraestrutura inadequada, esgoto sem tratamento, violência, estresse, maus tratos a animais (silvestres e domésticos), degradação, desrespeito, saúde precária, escolas abandonadas e desestimulantes, preconceito, poluição, falta de ética, caos. Um conjunto de palavras que dentre tantas que nos remetem a um cenário negativo da sociedade urbana em que vivemos povoam nosso vocabulário nos dias de hoje com tanta naturalidade que chega a assustar.

Vivemos um momento crucial para a humanidade em todos os sentidos, mudanças se fazem necessárias e parece que a ficha ainda não caiu para muita gente.

Vejamos o caso de Manaus, onde se celebra uma grande conquista: ser aceita como uma Cidade-Sede para realizações de jogos de futebol na Copa 2014. Lembro-me bem quando este processo de escolha teve início e que tantas promessas foram feitas, não só aquelas voltadas às tão ansiadas melhorias na infraestrutura urbana e serviços na cidade, mas também àquelas voltadas a fazer deste evento algo que pudesse repercutir do ponto de vista socioambiental, poder mostrar ao Mundo tantos avanços que eventualmente experimentaríamos até o aparente distante ano de 2014, vendo nossa cidade mais organizada, mais verde, menos poluída, cuidando da qualidade de vida de sua população, cuidando de sua parte na Amazônia. Várias entidades apoiavam aquele discurso em prol de melhorias. Afinal, quem não queria ver melhorias na nossa querida cidade e que ainda se expandiriam para todo o estado, quiçá para a Amazônia.

Grande frustração ao ver o que temos hoje. Fiquei impressionado com o cenário muito bem mostrado pela jornalista Elaíze Farias na Agência Pública e que é aquele que realmente vivemos desde sempre e pior agora, muito pior, afinal investimentos foram feitos neste processo e claro, com muito recursos públicos e para que mesmo? Temos um grande estádio, mas e o resto??

Minha impressão, e creio que isto se aplique a qualquer grande cidade no Brasil que vive este momento, é a de que tudo que é público na verdade não pertence a ninguém. Ah, é público, então o governo que cuide! Está sujo, é público, o governo que limpe. Precisa decidir o que e onde construir, o governo que decida. A área é pública, vamos invadir, desmatar. Vou mais é limpar meu quintal e jogar meu lixo em…áreas públicas! Escola pública e saúde estão ruins, vou pagar (de novo!!). Dinheiro público mal utilizado? Tudo bem, não é de ninguém mesmo…

É esta cultura de não nos importarmos com a “Coisa Pública” que nos leva a viver o caos social e ambiental em que vivemos de um jeito tão forte que parece que nunca vai se resolver. Por isso vemos lixo sendo atirados dos carros nas ruas e nas áreas verdes com a maior naturalidade, animais abandonados sendo maltratados, esgoto sendo despejados nos nossos igarapés poluindo a água que bebemos, áreas verdes e florestas sendo dizimadas, sistema de saúde incapaz de atender tanta demanda, sistema de ensino de baixa qualidade, transporte transformando a vida de todos já difícil num inferno, áreas protegidas sendo dilapidadas sem controle, violência crescente e generalizada.

Claro, sempre haverá justificativa, principalmente daqueles que cuidam ou deveriam cuidar do que é público, mas e a justificativa da sociedade? Afinal o que é público é sim nosso e assim sendo nós é que devemos zelar pelo que é nosso e cobrar daqueles que nos prestam serviços como Governos.

Uma mudança de comportamento de cidadãos e cidadãs, tomar o público para si, é disso que precisamos e temos muitos exemplos, institucionais e até mesmo individuais que deveriam nos inspirar e buscarmos cada vez mais os espaços constituídos para compartilhar nossas ideias e nos fazer ouvir.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])

DOE PARA A AMAZÔNIA REAL

Sua contribuição fortalecerá o jornalismo investigativo, feito com independência e liberdade editorial, que visibiliza as populações silenciadas.

DOAR AGORA

2 Comentários

J Eduardo Dantas disse:

19/03/2014 às 23:39

Oi, Durigan. Bem legal o artigo. Acho que o lance mesmo, o pulo do gato, é justamente a mudança de cultura que temos de fazer de “público é de ninguém” para “público é de todo nós”, para que possamos cuidar das coisas e nos responsabilizarmos por ela. Não vejo muito futuro ou saída fora disso – embora esteja certo de que este processo não é fácil, rápido, nem será indolor…. : {

Responder
- Carlos Durigan disse:
  
  21/03/2014 às 15:24
  
  Obrigado Eduardo!
  
  Sim e seguimos trabalhando para ver se contribuímos de alguma forma para que isto aconteça. mas precisamos que a sociedade desperte. Se já está desperta…então o problema é maior, é de cumplicidade mesmo, daí fica difícil qualquer mudança…
  
  Responder