Philip M. Fearnside

O valor intrínseco da biodiversidade amazônica: 1 – Reconhecer o “elefante na sala”

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 02/07/2021 às 12:15

O valor intrínseco da biodiversidade amazônica é a chave para manter os ecossistemas amazônicos com todas as suas funções ambientais, apesar desse aspecto ser comumente ignorado ou minimizado nas discussões científicas e políticas. Embora o papel da floresta amazônica na regulação do clima frequentemente esteja no centro dos argumentos para conter o desmatamento, é a biodiversidade que tem justificado as áreas protegidas existentes na região. A vontade de tomar medidas eficazes para conter a perda florestal deriva em grande parte do valor intrínseco ou existencial dessa diversidade, e não de seu valor utilitário. Isso se aplica tanto a nível nacional em países amazônicos, como o Brasil, quanto a atores internacionais, como governos, empresas, organizações não governamentais e indivíduos.

A situação ambiental em rápida deterioração na Amazônia mostra a inadequação dos argumentos que têm sido usados para justificar ações para reverter essa deterioração. O valor intrínseco da biodiversidade da Amazônia não deve ser deixado como um “elefante na sala” não mencionado nessas discussões, mas, em vez disso, deve ser abertamente reconhecido como uma questão central.

A biodiversidade amazônica tem valor utilitário por fornecer produtos para consumo humano, como madeira, peixes e compostos para uso farmacêutico [1]. Também fornece serviços ambientais ou “serviços ecossistêmicos de regulação”, tais como o armazenamento de carbono e a reciclagem de água [2, 3]. Mas há outra dimensão para o valor da floresta amazônica: o seu valor intrínseco. Os cientistas geralmente evitam esse aspecto, e, muitas vezes, tenho sido culpado disso, desviando das perguntas dos entrevistadores para falar sobre o papel da floresta no clima global e assim por diante.

A floresta amazônica, de fato, tem valor intrínseco ou de “existência”, incluindo tanto sua biodiversidade quanto o direito à existência das centenas de povos indígenas e outros povos tradicionais que a habitam. O fato de muitas pessoas reconhecerem isso em um nível emocional, independente de se elas também articulem isto ou não em termos intelectuais, é uma das chaves para mudar o curso da história aqui para que a floresta com todas as suas funções continue existindo.

A biodiversidade é frequentemente vista como menos atraente do que a mudança climática como uma motivação para a manutenção da floresta tropical. Mitigar as mudanças climáticas exigirá centenas de bilhões de dólares e, obviamente, há muito mais dinheiro na mesa nas negociações da Convenção do Clima do que nas da Convenção da Biodiversidade. No entanto, a vasta extensão de áreas protegidas criadas no Brasil e em outros países amazônicos tem sido justificada com base na manutenção da biodiversidade, não para evitar as mudanças climáticas. [4]

A imagem deste arttigo mostra imagem de área floresta na região amazônica (Foto André Bärtschi/WWF)

Notas:

[1] Fearnside, P.M. 2003. Biodiversidade nas florestas Amazônicas brasileiras: Riscos, valores e conservação. p. 19-44 In: A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Manaus, AM. 134 p.

[2] Fearnside, P.M. 1997. Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural. p. 314-344. In: C. Cavalcanti (ed.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. Editora Cortez, São Paulo. 436 p.

[3] Fearnside, P.M. 2008. Amazon forest maintenance as a source of environmental services. Anais da Academia Brasileira de Ciências 80: 101-114.

[4] Este texto é uma tradução parcial de: Fearnside, P.M. 2021. The intrinsic value of Amazon biodiversity. Biodiversity and Conservation 30: 1199–1202.

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Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br