Alberto César Araújo

Dois olhares sobre a Comunidade Arthur Bernardes

Por Amazônia Real Publicado em: 19/11/2013 às 13:48

ALBERTO CÉSAR ARAÚJO

Passado o 10º Amazonas Film Festival, que este ano teve como grande destaque a produção local. Um filme em especial emocionou a todos, “Chegará o Dia” de Giorgio Diritti, uma coprodução, Itália, França e Brasil. Pela primeira vez pude ver o rio Andirá, imortalizado nos poemas de Thiago de Mello, na telona. Poesia visual pura. Pelas lentes do italiano Roberto Cimatti.

O Teatro Amazonas ficou lotado para a exibição, o filme não competiu, mas se tivesse com certeza levaria umas “Araras” para a Itália. Nos camarotes, uma emoção maior sentiu um grupo de ex-moradores da Comunidade Arthur Bernardes, onde parte do filme foi rodada. Leonardo Farias, que é presidente da Associação de Moradores e participou das filmagens, guarda em sua memória as lembranças de toda uma vida nas palafitas ao lado da ponte do São Jorge, zona oeste de Manaus. Guarda também em uma caixa de sapatos, fotos do dia 27 de novembro de 2012, quando a comunidade deixou de existir e 528 casas foram consumidas por um incêndio até hoje mal explicado. O maior incêndio da história de Manaus.

Bem representada no filme, a comunidade teve seus principais problemas abordados de uma forma bem realística. A luta por uma moradia mais digna, o problema da falta de segurança e condições mínimas de saúde lá dentro, enfim, a falta de saneamento e infraestrutura que toda comunidade de palafitas nas margens dos igarapés da cidade enfrentam.

Há praticamente um ano após o incêndio, nada foi resolvido. Metade da comunidade vive de um aluguel social, 400 reais por mês, o que não garante condições de alugarem moradias dignas e vivem de favor em casas de parentes ou de amigos, próximas ao igarapé. Segundo seu Leonardo, parece haver uma questão emocional e psicológica que impede os moradores de se afastarem do antigo local. A outra metade foi indenizada com 35 mil reais e se mudou, “foram viver suas vidas”, me disse ele.

Roberto Cimatti foge dos clichês ao filmar a favela, sua luz suave, imprime dignidade as pessoas, em espaços pequenos, sabe explorar com maestria um ambiente de miséria social, mas de grande riqueza cultural. As partidas de futebol no campo de areia, a forma como mostra a narração do jogo e a intimidade da vida das personagens no interior das palafitas nos são apresentadas de forma natural, sem os artifícios de uma pós-produção, comum em outros filmes que abordam o tema, onde a saturação de cores são alteradas, os enquadramentos já são preestabelecidos, quase sempre com uso de steady-cams e a profusão de cortes rápidos. Uma fórmula que já cansou o espectador.

Durante as filmagens, Roberto fez um registro precioso da comunidade com seu i-phone. O ensaio está postado em seu site. E quero compartilhar este olhar aqui, com uma galeria de imagens feitas por Cimatti.

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O primeiro leilão fotográfico ocorrido em Manaus, foi feito em dezembro do ano passado, justamente com o objetivo de arrecadar dinheiro para as vítimas deste incêndio. Foram sete fotógrafos que participaram, eu me incluo. Uma experiência frustrante para nós, porque houve uma boa divulgação do evento, a causa era nobre. Nunca tínhamos nos organizado desta forma, fizemos uma série de cópias numeradas, tudo dentro de um padrão de fine- art, mas por outro lado, nos mostrou que não há uma cultura fotográfica na cidade.

Podíamos ter ajudado muito mais as pessoas, se houvesse uma estrutura já estabelecida com a participação de galeristas, curadores e colecionadores. O que não ocorreu. Arrecadou-se pouco menos de 3 mil reais. As fotos foram vendidas, no valor mínimo de 150 reais e alcançou o valor máximo de 300 reais. As obras foram praticamente todas vendidas, uma cópia de cada, eram 5 cópias, graças a bondade de um empresário que comprou quase todas. Um valor ínfimo se levarmos em consideração os leilões de fotografia que ocorrem no Brasil durante os festivais como Paraty em Foco, Mostra SP de Fotografia ou SP ArteFoto, só pra ficar com os principais.

Segundo o seu Leonardo, com este dinheiro que chegou às vésperas do Natal passado, foram comprados presentes para as crianças e foi feita uma festa, lá mesmo no local, todo queimado, para “alegrar” e dá um pouco mais de conforto às mesmas. A produção do filme também ajudou muito a comunidade segundo Leonardo, com doações e o pagamento de todos que trabalharam durante as filmagens.

Fiquei intrigado do porquê desta falta de interesse em se adquirir uma fotografia como obra de arte aqui na capital baré. Vejo que não há um fotógrafo local que faça parte do mercado do mundo das galerias que representam os principais fotógrafos brasileiros. Exceção é o caso recente do Raphael Alves, motivo texto de estreia da Coluna. Furando este “bloqueio” eixo do centro sul do país, Belém como bem disse recentemente um importante curador “ a cidade mais interessante culturalmente do Brasil”, se estabelece pela produção diversificada e com conteúdo, fruto de décadas de depuração do olhar, da pesquisa iconográfica, da ousadia, da experimentação e do empenho dos fotógrafos, a maioria oriundos do Fotoativa, mas que há algum tempo trilham seus próprios caminhos. Fiquei pensando, e se o Miguel Chikaoka, tivesse se estabelecido em Manaus, como tantos nisseis, sanseis fizeram. Será que estaríamos hoje no patamar da fotografia paraense?

Lembro do que um importante editor de fotografia de São Paulo me disse há cerca de uns 13 anos , antes mesmo de ele abandonar o impresso e se transferir para o mundo virtual dos portais. Perguntava para ele o porquê de eles não contratavam fotógrafos locais, quando a pauta era muito boa, ou a matéria era especial? Ele me respondeu, “ mas será que vocês estão preparados para isso?”. Lógico que fiquei indignado com tal comentário. Sabendo do bom momento que minha geração estava vivendo profissionalmente, com nomes como Clóvis Miranda, Marcio Silva, entre tantos outros.

No último Fórum Latino Americano de Fotografia, pude ver graças a tecnologia, via streamig, a palestra do indiano Shahidul Alam, fundador da Majority World, uma agência de fotografias composta por profissionais de “maioria do mundo”, o que para ele, são os que estão fora do stablishment das grande agências. Seu insight se deu após participar como jurado de um concurso promovido pelas Nações Unidas. Durante a exposição dos trabalhos vencedores, realizada na Suíça, ao conversar com o curador e perguntar do porque se todo aquele trabalho era o resultado dos projetos em que a organização dá o suporte para sua realização não havia a participação dos fotógrafos daqueles países, ou seja só tinha fotografia feita por fotógrafos brancos europeus, canadense, ou americanos, “e o resto do mundo?” Perguntou Alam ao curador. O que era para ser o motivo de trabalho de toda as Nações Unidas, a integração, a diminuição das desigualdades, etc. A resposta foi a de que os fotógrafos desses países não tinham o olhar que eles queriam. Então Alam resolveu criar a MW. E foi além, criou o Festival Chobi Mela em Bangladesh, e um instituto de educação para a fotografia, televisão e multimídia,o Pathshala Institut que hoje conta com professores formados na própria escola entre outros projetos por toda a India.

A minha dica de “olhar local”, porque para mim, isto é uma discussão sem fundamento. O que existe são olhares, não importa se local ou estrangeiro, o que interessa é o bom olhar, com respeito, com ética, com uma estética peculiar, na qual o fotógrafo cunha o seu próprio estilo. Foi o que bem comprovaram durante suas empreitadas Chikaoka e Alam de décadas de difusão e ensino do olhar, distantes pela geografia, mas mais próximos de alma do que possamos imaginar.

Fiquem com o ensaio do Joel Rosa, “caboco” da terra que registrou o fatídico dia 27 de novembro de 2012, o fim da comunidade Arthur Bernardes. Fotojornalista nato, Joel é pau para toda obra, como dizem na redação, vibra com uma boa pauta, e não se cansa facilmente atrás da melhor imagem.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

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2 Comentários

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