Meio Ambiente

Primatas são os mamíferos mais ameaçados da Amazônia

O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) é uma espécie encontrada em Manaus, onde não existe uma unidade de conservação de proteção integral do animal símbolo da cidade (Foto: Diogo Lagroteria) Manaus (AM) – Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação […]

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Por Vandré Fonseca Publicado em: 21/02/2019 às 10:57

O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) é uma espécie encontrada em Manaus, onde não existe uma unidade de conservação de proteção integral do animal símbolo da cidade (Foto: Diogo Lagroteria)

Manaus (AM) – Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) indicam que 36 espécies de mamíferos que ocorrem na Amazônia estão ameaçadas de extinção. Desse grupo, 16 são primatas e três deles estão a um passo de serem considerados extintos. Principais alvos dos caçadores e vítimas silenciosas do desmatamento, o cuxiú-preto (Chiropotes satanas), o caiarara ka´apor (Cebus kaapor) e o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) estão “criticamente em perigo”, a última classificação de risco antes do desaparecimento da espécie.

O número de espécies apontadas como ameaçadas na Amazônia pelo ICMBio é alarmante, uma vez que não leva em conta outras que constam da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em Inglês). Há, pelo menos, oito espécies, com área de ocorrência no Bioma Amazônia ou em seus limites (o que inclui países vizinhos), que não aparecem na lista do ICMBio (que avalia a situação apenas dentro do território brasileiro) e estão globalmente ameaçadas.

O macaco-aranha (Ateles belzebuth), que vive no Norte do BrasiL (Foto: Wiki Media)

Não é por acaso que os primatas sejam os primeiros da fila. “No caso de um bicho solitário, como um veado ou uma anta, se [o caçador] perder um tiro, o animal foge. No caso do macaco, não [acontece o mesmo]. Você tem dez, vinte bichos na frente: se perde um tem outro”, compara o biólogo Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB). Já os primatas são animais diurnos, vocalizam durante o dia, o que os tornam alvos fáceis. O cuxiú-preto era caçado apenas para que se utilizasse a cauda do animal como espanador. O biólogo cita ainda o exemplo do macaco-aranha (Ateles belzebuth), que vive no Norte do Brasil. Embora a floresta esteja conservada, a espécie está ameaçada pelos altos níveis de caça.

O desmatamento impacta mais os primatas do que outros mamíferos. Enquanto algumas espécies de primatas do velho mundo se adaptaram às savanas, como os chimpanzés, os primatas brasileiros são arborícolas e dependem das árvores para viver e se alimentar. E diferente de outros animais, como onças ou morcegos, os primatas na Amazônia ocupam regiões restritas, geralmente delimitadas pelos grandes rios.

Não é coincidência que a maioria das espécies listadas como ameaçadas tenha como habitat o Arco do Desmatamento, que pega desde Rondônia, Mato Grosso, passando pelo Sul do Pará e Oeste do Pará e Leste do Maranhão. Nove das espécies de primatas amazônicos sob ameaça, que constam na lista do ICMBio, ocorrem nas regiões oriental e sul da região. O biólogo e coordenador do CPB lembra que o desmatamento não é uniforme e já consumiu 20% da área originalmente ocupada pela Amazônia. “Tivemos uma perda de floresta muito grande; então estimamos que, pelo menos, 80% da população foi perdida, porque eles ficam sem ter onde viver e se alimentar”, diz.

A única unidade de conservação de proteção integral a abrigar as duas espécies de macacos é a Reserva Biológica do Gurupi, no Maranhão, com 271 mil hectares, criada em 1988. Por estar próxima a um conjunto de quatro terras indígenas, a unidade se torna um bom ambiente para a proteção, mesmo elas sendo alvo de caça para alimentação das comunidades tradicionais. “Inclusive o nome do caiarara ka´apor é uma homenagem aos índios Ka’apor, que vivem na região e onde a espécie foi encontrada pela primeira vez”, conta Jerusalinsky. Por conta do desmatamento e da consequente fragmentação territorial, os animais ao tentarem se mover entre um trecho e outro de floresta ficam mais expostos a predadores ou acidentes, como atropelamentos ou choques elétricos.

O Sauim-de-Coleira na imagem do fotógrafo Diogo Lagroteria (2014)

O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) enfrenta uma situação parecida, com o agravante de não contar com nenhuma unidade de conservação de proteção integral em sua área de ocorrência. A espécie ocorre entre os municípios de Manaus e Itacoatiara, que passa por um rápido processo de transformação no entorno, com o avanço da área urbana da capital e das cidades vizinhas, com a produção agropecuária.

A classificação do ICMBio é feita segundo a seguinte gradação, da mais crítica para a menos: “extintas na natureza” (EM), “criticamente em perigo” (CR), “em perigo” (EN) e “vulnerável” (VU). Na lista, o instituto considera a cuíca-de-colete (Caluromysiops irrupta) praticamente extinta em território brasileiro. O pequeno marsupial, que antes ocorria em Rondônia, ainda pode ser encontrado no Peru, segundo o mapa de ocorrência da espécies divulgado pela IUCN.

Boto-vermelho volta à lista de ameaçadas

O boto-vermelho (Inia geoffrensis) voltou a ser ameaçado (Foto: National-Geographic-NBC-News)

No ano passado, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) voltou a figurar, depois de 10 anos sem informações suficientes para ser avaliado, entre as espécies “em perigo” da IUCN, mesma classificação dada pelo ICMBio. Segundo a coordenadora do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LMA-Inpa), Vera da Silva, pesquisas já indicavam uma rápida diminuição dessa espécie na Amazônia Central. Para ela, a situação se agravou com o uso dos animais como isca na pesca do peixe piracatinga (Colophysus macropterus).

“Dentro dos critérios da IUCN, se os dados coletados na Amazônia Central corresponderem ao resto da região, o boto iria para ‘criticamente ameaçado’”, alerta a pesquisadora. A atribuição do status não levou em conta ainda a existência de três diferentes espécies de boto-vermelho na Amazônica: uma que ocorre na Bolívia (I. boliviensis), uma na região do Araguaia-Tocantins (I. araguaiaensis) e outra no restante da Bacia Amazônia e Bacia do Orenoco (I. geoffrensis).

O peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis) é considerado “vulnerável” em ambas as listas. Já a ariranha (Pteronura brasiliensis) vem classificada como “em perigo” pela IUCN e “vulnerável” na lista do ICMBio. A IUCN classifica o Uacari ou bicó (Cacajao hosomi) como “vulnerável”, mas no Brasil ele está em risco de extinção, pelo ICMBio. A espécie habita as florestas da região da Cabeça do Cachorro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

A onça-pintada (Panthera onca) é tida como “quase ameaçada”, em nível global, e “vulnerável” no Brasil – porém com recortes geográficos distintos: mesmo status na Amazônia e “criticamente em perigo” na mata atlântica e caatinga. A Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção é reconhecida pela Portaria n^o 444 do Ministério do Meio Ambiente, de 17 dezembro de 2014. Atualmente, o Brasil possui 1.173 espécies ameaçadas da fauna e 2.118 da flora, segundo o ICMBio.

A necessidade de ações e programas de conservação

Em Novo Airão, pacotes de turismo com botos são oferecidos por hotéis (Foto: Alberto César Araújo)

A diretora de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, Rosana Subirá, explica que a lista é um instrumento de política pública, que serve de referência para as ações e programas de conservação do governo federal. “Espécies ameaçadas recebem especial atenção em diversas frentes de atuação, como prioridade para a criação de unidades de conservação; medidas mitigatórias específicas em licenciamento ambiental de empreendimentos que as afetem; aumento do valor de multas em caso de caça e tráfico; prioridade de financiamento para pesquisas e monitoramentos”, explica.

Espécies classificadas como “extintas na natureza”, “criticamente em perigo”, “em perigo” e “vulnerável” já são protegidas integralmente por portaria. A captura, o manejo e a guarda desses animais só é aceita para pesquisas e fins de conservação. A própria IUCN destaca a necessidade de uma avaliação separada para cada uma das espécies. “Os problemas da Bacia Araguaia-Tocantins são totalmente diferentes dos problemas que a gente enfrenta aqui [Amazônia Central], assim como da Inia boliviensis, que ocorre no rio Madeira, que agora está fragmentado por Jirau e Santo Antônio e abaixo das cachoeira”, esclarece a bióloga.

Vera da Silva conta, ainda, que o status de conservação do tucuxi (Sotalia fluviatilis) está em discussão na IUCN, mas acredita que o animal deve ser classificado com algum grau de ameaça. Hoje, a espécie consta com “dados insuficientes” para a avaliação em nível global, mas não é considerada “em risco” pelo ICMBio. “Se você pensar que os mesmos problemas ambientais que afetam o boto-vermelho afetam o tucuxi – sendo que não existe tucuxi na Bacia do Araguaia, nem no Madeira, acima de Jirau –, então deve sair de “dados insuficientes” para alguma categoria de ameaça”, afirma.

A bióloga do INPA ainda faz um alerta. Ela lembra que há poucas décadas, pesquisadores alertavam para o risco de extinção de um boto na China, o baiji (Lipotes vexillifer) que hoje está tecnicamente extinta, e da vaquita (Phocoena sinus), que desde a extinção do boto chinês, é o cetáceo mais ameaçado do mundo e também caminha para desaparecer na natureza.

“Em 1986, participei de uma reunião como a que estamos fazendo agora, de alerta sobre a extinção do boto da China”, lembra Vera. “Saiu o livro, saíram os estudos, mas o animal foi extinto. Há 26 anos, teve o alerta da vaquita no México. Hoje, existem menos de 30 indivíduos”, adverte ela.

Veja a galeria com fotos de Diogo Lagroteria:

O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) é uma espécie encontrada em Manaus (Foto: Diogo Lagroteria)
O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) é uma espécie encontrada em Manaus (Foto: Diogo Lagroteria)
O macaco barrigudo (Lagothrix cana cana) (Foto: Diogo Lagroteria)
A ariranha (Pteronura_brasiliensis) (Foto: Diogo Lagroteria)
Ariranha (Pteronura_brasiliensis) (Foto: Diogo Lagroteria)
A onça-pintada (Panthera onça) (Foto: Diogo Lagroteria)
O boto-vermelho (Inia geoffrensis) (Foto: Diogo Lagroteria)
O boto-vermelho (Inia geoffrensis) (Foto: Diogo Lagroteria)
O gavião-real (Harpia harpyja) (Foto: Diogo Lagroteria)
O mutum-de-fava (Crax globulosa) (Foto: Diogo Lagroteria)
O cascudo-zebra (Hypancistrus zebra) (Foto: Diogo Lagroteria)

Esta reportagem foi uma das matérias produzidas pelo jornalista Vandré Fonseca para a agência Amazônia Real antes dele sofrer um infarto agudo do miocardio, no dia 30 de janeiro de 2019. O jornalista faleceu no dia 17 de fevereiro depois de passar por uma cirurgia no coração. Em sua memória, a agência irá publicar todas as reportagens especiais que ele escreveu este ano.

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Vandré Fonseca

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1 Comentário

Esteval Monteiro disse:

05/05/2023 às 14:20

Por favor, não deixem os botos serem dizimados pela raça humana, os botos contribuem com ecossistema dos Rios da Amazónia

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