Sua Bênção, Mãe Palmira! In Memoriam

FÁTIMA GUEDES Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faze-o de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela […]

Por Amazônia Real Publicado em: 20/01/2015 às 11:42

FÁTIMA GUEDES

Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faze-o de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós duas realizamos este trabalho. (Lao-Tsé – séc. V a.C)

Palmira Brito, Mãe Palmira, nasceu aos 25 de junho de 1909, na cidade de Parintins/AM. Segundo dados fornecidos pela neta mais velha, Maria Adalgiza Brito Nogueira, conhecida por Dadá, 67 anos, a Avó descobriu-se parteira ainda jovem, por conta do dom que recebeu de Deus e da procura das mulheres de Parintins na hora do parto. Naquele tempo, os partos eram feitos em casa, afirma Dadá.

Mãe Palmira (Foto: Acervo de Fátima Guedes)

Dentre outras informações que sobrevivem na oralidade da Neta, Mãe Palmira, assim como outras parteiras de seu tempo, recebiam constantemente orientações básicas da Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública FSESP – hoje, Hospital Regional Jofre Cohen – para desenvolver a prática de cuidado com segurança.

Do casamento com Manoel Domingos da Rocha, também parintinense, nasceu uma única filha, Narcisa Brito Nogueira que lhe dera 07 netos e 31 bisnetos.

Quando se trata em trazer à memória lembranças da Avó, Dadá fala com entusiasmo e profunda reverência. Nos relatos, faz questão de registrar o zelo e a atuação da Avó no acompanhamento dos partos da família: Tive meus seis filhos em casa e todos nasceram pelas mãos da Vovó. Sem nenhuma complicação. Aproveitou a conversa e teceu comentários sobre os métodos pessoais de cuidado de Mãe Palmira: Ela tinha excelente saúde e durante toda a sua vida, comia o que plantava e só se cuidava com preparos naturais – chás, garrafadas, banhos e puxações. Nunca vi a Vovó comprar remédio em farmácia, que agora, já virou drogaria…(ri)”. Não soube precisar, mas acredita que a avó tenha acompanhado aproximadamente uns 500 partos na cidade de Parintins e sempre com sucesso.

Considerando a seriedade com que realizava seu trabalho e a vontade de torná-lo cada vez mais eficiente, Mãe Palmira mantinha um bom relacionamento com o médico boliviano, Amílcar Monterrey que costumava recomendar os serviços da Parteira às suas pacientes.

É oportuno assinalar que era comum, na época, durante o pós-parto, quarenta dias aproximadamente, as parteiras tradicionais acompanharem as parturientes nos cuidados com a amamentação, com o umbigo do bebê, com os banhos, com a alimentação da mãe e com alguns remédios naturais. Foi assim que, recomendada por Dr. Amílcar, Mãe Palmira acompanhou os sete partos da Sra. Cacilda da Cunha Garcia, mãe do ex-prefeito de Parintins, hoje, deputado estadual, Sr. Frank Luís da Cunha Garcia.

Por conta do fato e pelos relevantes serviços prestados à comunidade parintinense como parteira tradicional, a memória de Mãe Palmira, no ano de 2007, ficou gravada no Centro de Saúde “Casa Mãe Palmira”, no bairro Paulo Correa.

Além de parteira, Mãe Palmira também era benzedora. Dadá recorda que, através das benzeções com folha de pião roxo salvara muitas crianças acometidas de quebranto.

Por fim, Dadá mencionou, timidamente, que herdou da Avó o dom de benzedeira. Não quis entrar em maiores detalhes, apenas revelou que usava os mesmos procedimentos: orações e folha de pião roxo.

Aos 25 de fevereiro de 1988, o coração de Palmira cansado pelo tempo e pelas dificuldades financeiras que a acompanharam por toda a vida resolveu descansar. Deixou para a família, amigos e para a comunidade parintinense um legado que precisa ser revitalizado pelo sistema oficial de saúde com vistas à construção de uma saúde humanamente coletivizada e inclusiva.

Garrafadas – Fórmulas naturais, tradicionalmente preparadas com vinho seco, ervas, raízes ou cascas medicinais.

Puxações – No popular parintinês – massagem

Pião roxo – Jathophas gossipiifolia, usado em banhos e benzeções pela tradição da curandagem local.

Quebranto – Mau olhado; segundo à tradição da curandagem, estado depressivo, às vezes, acompanhado de diarreia verde (em crianças).

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. ([email protected])