A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Subsídio indireto à venda da Eletrobras

A notícia foi publicada uma única vez na semana passada. Não teve sequência nem foi explicada, como se fosse rotineira, sem importância. O BNDES anunciou a suspensão temporária do pagamento de um financiamento de 2,521 bilhões de reais concedido à […]

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 17/03/2022 às 14:46

A notícia foi publicada uma única vez na semana passada. Não teve sequência nem foi explicada, como se fosse rotineira, sem importância. O BNDES anunciou a suspensão temporária do pagamento de um financiamento de 2,521 bilhões de reais concedido à Santo Antônio Energia, concessionária da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, a quarta maior do Brasil. No total, o banco concedeu R$ 8,3 bilhões à empresa, entre 2009 e 2014. A usina foi leiloada em 2007, com concessão de 35 anos. O custo final acabou dobrando, para R$ 20 bilhões. O BNDES entraria com 50% do valor total.

O acordo com o banco prevê a suspensão do pagamento do principal e dos juros remuneratórios por sete meses, entre 15 de dezembro de 2021 e 15 de junho de 2022, sem alteração do termo final do prazo de amortização, da taxa de juros e do prazo final do contrato. As parcelas suspensas seriam capitalizadas ao saldo devedor, segundo informação do jornal O Estado de S. Paulo.

Nas justificativas, a Eletrobras – que participa da Santo Antônio através da sua controlada, Furnas Centrais Elétricas – argumenta que a medida preserva as condições contratuais e, ao mesmo tempo, “mitiga preventivamente potenciais impactos financeiros adversos oriundos do contexto hídrico”. Para a estatal (em processo de privatização) e sua subsidiária, “a mitigação de riscos é uma medida relevante em razão do papel que exercem nos contratos de financiamento”.

“A decisão no âmbito da companhia foi estabelecida a partir de avaliações técnicas e financeiras que subsidiaram a assinatura do aditivo contratual dentro do prazo, tendo este processo decisório tramitado de forma independente e nas apropriadas instâncias de governança da companhia”, sustenta a Eletrobras no aditivo ao contrato de financiamento.

Os aditivos, datados de 27 de dezembro do ano passado, se referem a contratos de adesão da Santo Antônio ao programa de stand still promovido pelo BNDES, “como uma das medidas emergenciais adotadas pelo banco desde março de 2020 para o enfrentamento dos efeitos da pandemia do coronavírus e da crise hídrica”.

A iniciativa caracteriza uma espécie de seguro para preservar liquidez, diante do cenário de crise hídrica e possíveis desdobramentos negativos no setor elétrico, principalmente sobre a sua inadimplência.
Esse programa foi anunciado pelo BNDES em setembro do ano passado, beneficiando as Sociedades de Propósito Específico de geração hidrelétrica, nas quais há participação acionária da Eletrobras ou de suas controladas: Norte Energia, Energia Sustentável do Brasil. Companhia Hidrelétrica Teles Pires, Companhia Energética Sinop e Empresa de Energia São Manoel, além da Santo Antônio, todas na Amazônia. Elas são consideradas “hidrelétricas estruturantes”, responsáveis por mais de 10% de toda a capacidade instalada de energia do país.

Em 30 de junho do ano passado, o saldo devedor dos 14 contratos das SPEs somava R$ 25,4 bilhões. O maior saldo devedor, de R$ 13,9 bilhões, é da Norte Energia, responsável pela usina de Belo Monte, no Pará, a maior hidrelétrica inteiramente nacional do Brasil.

No caso da Santo Antônio Energia, a medida representa um total de R$ 857 milhões em postergações pelo período de sete meses, o que garante um “respiro” financeiro, trazendo maior liquidez ao caixa da Companhia, conforme ela mesmo admite no seu relatório anual de 2021.

A falta de repercussão é injustificável. O favorecimento dado ao tomador do empréstimo não é simplesmente uma transação financeira. Tem um contexto explicativo. Principal acionista da Santo Antônio, a Eletrobrás terá praticamente uma trégua de sete meses para se poupar de qualquer descapitalização justamente no momento decisivo da sua privatização. Os sete meses parecem traduzir o prazo em que o governo conta para aprovar a venda da estatal junto à sua última barreira, o Tribunal de Contas da União.

Duas empresas estatais do setor energético participam da sociedade: Furnas, que é federal (com 39% do capital), e a Cemig, de Minas Gerais (com 10%). Caixa FIP Amazônia Energia (20%), Odebrecht Energia do Brasil (18,6%) e SAAG Investimentos, atrás da qual está a Construtora Andrade Gutierrez (12,4%) completam o quadro societário. As duas últimas, denunciadas pela Operação Lava-Jato por corrupção na licitação para a construção da usina.

O tesouro acabará tendo um custo adicional indireto para preparar o leilão da Eletrobras e favorecendo empresas que não deveriam receber benefícios do governo.

A foto que abre este texto mostra a hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia (Foto: Santo Antônio Energia)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.Artigos de Opinião ou colunas Sobre a matéria

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Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.