Philip M. Fearnside

Amazônia e o Aquecimento Global: 7 – A Modelagem Está Correta?

A modelagem da mudança climática futura e de seu impacto na floresta amazônica avançou consideravelmente nas últimas duas décadas. Um modelo do Centro Hadley, do Escritório Meteorológico do Reino Unido, publicado em 2000, indicou uma mortalidade catastrófica da floresta […]

O fogo na Amazônia destrói a biodiversidade da floresta (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 15/01/2019 às 18:12

A modelagem da mudança climática futura e de seu impacto na floresta amazônica avançou consideravelmente nas últimas duas décadas. Um modelo do Centro Hadley, do Escritório Meteorológico do Reino Unido, publicado em 2000, indicou uma mortalidade catastrófica da floresta amazônica até 2080 [1, 2]. Os resultados do modelo implicaram a extinção de muitas espécies de árvores da floresta amazônica [3], além de maciças emissões de gases de efeito estufa. No entanto, não é necessário que haja o cenário catastrófico deste modelo para causar perda extrema da floresta amazônica, já que a maioria dos outros modelos climáticos também mostrou que a Amazônia se tornaria muito mais seca no futuro.

Uma revisão de 15 modelos indicou que substanciais áreas de floresta amazônica seriam substituídas por vegetação não florestal, tais como savanas [4]. Este efeito das mudanças climáticas globais seria ainda mais impactado pela redução das chuvas devido ao desmatamento [5, 6].

Um modelo climático mais recente do mesmo grupo de modelagem do Hadley Center mostrou muito menos mortalidade florestal na Amazônia [7, 8]. A redução da mortalidade florestal é, em grande parte, o resultado da inclusão do efeito de níveis mais altos de CO₂ atmosférico. Com mais CO₂, as árvores podem crescer mais rapidamente e são mais resistentes à seca. Eles também precisam de menos água porque eles parcialmente fecham seus estômatos – os pequenos orifícios em suas folhas através dos quais o vapor de água é perdido para a atmosfera quando a planta está capturando o CO₂ necessário para a fotossíntese.

Infelizmente, a boa notícia da redução da mortalidade florestal nas simulações do modelo mais recente não significa que a Amazônia esteja protegida contra a grande perda de florestas devido à mudança climática. Isso ocorre porque alguns dos principais fatores negativos do sistema florestal real são omitidos do modelo. Um fator é incêndios florestais, que podem aumentar em um clima mais quente e seco e que mata as árvores, independentemente de quanto CO₂ há na atmosfera. Outro é o efeito das lianas – as grandes trepadeiras que sobem nas árvores da floresta.

As lianas se beneficiam mais do aumento do CO₂ atmosférico do que das árvores e também são beneficiadas pelas condições climáticas mais secas [9]. Um aumento no número de lianas já foi medido em parcelas florestais monitoradas perto de Manaus, na Amazônia central [10]. O aumento de lianas é maior próximo às bordas da floresta, onde o microclima é mais seco do que no interior da floresta [11] (Figura 11).

Este tipo de secagem está previsto para ocorrer em toda a floresta amazônica sob as mudanças climáticas projetadas. As lianas retardam o crescimento das árvores e podem matar árvores quando a carga delas se torna muito grande. Em outras palavras, a floresta amazônica ainda está em risco mesmo sem a mortalidade catastrófica prevista pelo primeiro modelo do Centro Hadley.

Figura 11 – Abundância de lianas monitoradas no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, próximo a Manaus, Amazonas [11]. Cada ponto representa uma parcela de um hectare. Se não houvesse mudança, todos os pontos cairiam na linha diagonal; o fato de que quase todos os pontos estão acima da linha indica que as lianas estão aumentando nesta floresta não perturbada como resultado do aumento do CO2 atmosférico. As lianas aumentam significativamente mais nas áreas de borda do que no interior da floresta, refletindo o efeito do microclima mais seco perto da margem da floresta.[12]

Notas

[1] Cox, P.M., R.A. Betts, C.D. Jones, S.A. Spall & I.J. Totterdell. 2000. Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model. Nature 408: 184-187.

[2] Cox, P.M., R.A Betts, M. Collins, P.P. Harris, C. Huntingford & C.D. Jones. 2004. Amazonian forest dieback under climate-carbon cycle projections for the 21st century. Theoretical and Applied Climatology 78: 137-156,

[3] Miles, L., Grainger, A., & Phillips, O. 2004. The impact of global climate change on tropical biodiversity in Amazonia. Global Ecology and Biogeography, 13(6), 553–565.

[4] Salazar, L.F., C.A. Nobre & M.D. Oyama. 2007. Climate change consequences on the biome distribution in tropical South America. Geophysical Research Letters 34: art. L09708.

[5] Foley, J.A.; Asner, G.P.; Costa, M.H.; Coe, M.T.; DeFries, R.; Gibbs, H.K.; Howard, E.A.; Olson, S.; Patz, J.; Ramankutty, N.; Snyder, P. 2007. Amazonia revealed: forest degradation and loss of ecosystem goods and services in the Amazon Basin. Frontiers in Ecology and the Environment, 5(1): 25-32.

[6] Sampaio, G.; Nobre, C.; Costa, M.H.; Satyamurty, P.; Soares-Filho, B.S.; Cardoso, M. 2007. Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion. Geophysical Research Letters, 34: art. L17709.

[7] Good, P.; Jones, C.; Lowe, J.; Betts, R. & Gedney, N. 2013. Comparing tropical forest projections from two generations of Hadley Centre Earth System models, HadGEM2-ES and HadCM3LC. Journal of Climate 26(2): 495-511.

[8] Huntingford, C. & 25 outros. 2013. Simulated resilience of tropical rainforests to CO₂-induced climate change. Nature Geoscience 6: 268-273.

[9] Fearnside, P.M. 2013. Vines, CO₂ and Amazon forest dieback. Nature [comentário online].

[10] Laurance, W.F.; Andrade, A.S.; Magrach, A.; Camargo, J.L.C.; Valsko, J.J.; Campbell, M.; Fearnside, P.M.; Edwards, W.; Lovejoy, T.E. & Laurance, S.G. 2014. Long-term changes in liana abundance and forest dynamics in undisturbed Amazonian forests. Ecology 95(6): 1604-1611.

[11] Laurance, W.F.; A.S. Andrade, A. Magrach, J.L.C. Camargo, M. Campbell, P.M. Fearnside, W. Edwards, J.J. Valsko, T.E. Lovejoy & S.G. Laurance. 2014. Apparent environmental synergism drives the dynamics of Amazonian forest fragments. Ecology 95(11): 3018-3026.

[12] As pesquisas do autor são financiadas exclusivamente por fontes acadêmicas: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 305880/2007-1; 5-575853/2008 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Este trabalho foi apresentado no Fourth International Conference of Literature and Environment: II Biennial Conference of ASLE-Brasil “The Demise of Nature: Narratives of Water and Forests in the Anthropocene”, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 04-07 de junho de 2018.

A foto que abre este artigo é de autoria de Daniel Beltrá (Greenpeace).

Leia os artigos anteriores desta série:

Amazônia e o Aquecimento Global: 1 – Resumo da Série

Amazônia e o Aquecimento Global: 2 – Negadores do clima

Amazônia e o Aquecimento Global: 3 – Impactos na Amazônia

Amazônia e o Aquecimento Global 4 – O Relatório Suprimido

Amazônia e o Aquecimento Global: 5 – Secas

Amazônia e o Aquecimento Global: 6 – Mortalidade da Floresta

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br