Philip M. Fearnside

Hidrelétricas e Aquecimento Global – 4: Dióxido de carbono de árvores mortas

Emissões de desmatamento podem ser substanciais, como resultado do deslocamento da população e estimulação do desmatamento no entorno das novas barragens e das suas estradas de acesso, como ocorreu na hidrelétrica de Tucuruí [1]. Emissões deslocadas podem ocorrer não […]

Lago da hidrelétrica de Balbina (Foto de divulgação Eletronorte)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 09/07/2018 às 17:53

Emissões de desmatamento podem ser substanciais, como resultado do deslocamento da população e estimulação do desmatamento no entorno das novas barragens e das suas estradas de acesso, como ocorreu na hidrelétrica de Tucuruí [1]. Emissões deslocadas podem ocorrer não só do uso perdido da terra, mas também do uso perdido da água, por exemplo, para substituir os peixes que anteriormente foram produzidos no rio natural sem barragens.

Esta é uma preocupação para as barragens no rio Madeira [2]. Além de bloquear a migração de peixes para suas áreas de reprodução (e.g., [3]), as barragens retêm sedimentos associados a nutrientes que sustentem a cadeia trófica para peixes a jusante [4, 5].

Outra importante fonte de emissão é o carbono liberado da decomposição acima da água, das árvores que são mortas por inundações [6]. As árvores são, geralmente, deixadas em pé no reservatório, onde se projetam acima da água e apodrecem na presença de oxigênio, liberando o carbono na forma de CO₂. Árvores adicionais são mortas perto da orla, na floresta que não é inundada, incluindo a floresta nas ilhas no reservatório, devido ao aumento do lençol freático. Esta adição é maior em reservatórios com margens irregulares e muitas ilhas, como a hidrelétrica de Balbina [7].

A liberação do carbono pela morte das árvores começa no enchimento do reservatório (bem antes de qualquer geração de eletricidade), e a maior parte das emissões ocorre dentro dos primeiros anos de vida do reservatório. O valor do tempo, portanto, faz deste impacto inicial um fator substancial contra as hidrelétricas em comparação com a geração a partir de combustíveis fósseis, que liberam a grande maioria das suas emissões na mesma hora em que a eletricidade é produzida (e.g., [8]).

Em 1990 (ano padrão para os inventários iniciais de gases de efeito estufa no âmbito da Convenção do Clima), a emissão anual de decomposição acima da água das árvores inundadas (sem contar a mortalidade na orla) foi estimada em 6,4 milhões de toneladas de carbono para Balbina [9], 1,1 milhões de toneladas para Samuel [10] e 2,5 milhões de toneladas para Tucuruí [11].

A represa Babaquara/Altamira, que ‘oficialmente’ não está planejada para construção rio acima de Belo Monte, mas que tudo indica que seja planejada na realidade [12-14], seria susceptível de se tornar a “campeã de todos os tempos” para essas emissões, com uma média nos primeiros dez anos, em conjunto com Belo Monte, estimada em 9,6 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano em forma de CO₂da decomposição acima da água das árvores inundadas, mais 0,07 milhões de toneladas de emissões das árvores afetadas ao longo da margem do reservatório [15, 17].

Notas

[1] Fearnside, P. M. 2001. Environmental impacts of Brazil’s Tucuruí Dam: Unlearned lessons for hydroelectric development in Amazonia. Environmental Management, v. 27, n. 3, p. 377-396.

[2] Fearnside, P. M. 2014. Impacts of Brazil’s Madeira River dams: Unlearned lessons for hydroelectric development in Amazonia. Environmental Science & Policy, v. 38, p. 164-172.

[3] Barthem, R. B.; Ribeiro, M. C. L. B.; Petrere Júnior, M., 1991. Life strategies of some long distance migratory catfish in relation to hydroelectric dams in the Amazon Basin. Biological Conservation, v. 5, p. 339–345.

[4] Forsberg, B. R.; Melack, J. M.; Dunne, T.; Barthem, R. B.; Goulding, M.; Paiva, R. C. D.; Sorribas, M. V.; da Silva Jr; U. L.; Weisser, S. 2017. The potential impact of new Andean dams on Amazon fluvial ecosystems. PLoS ONE, v. 12, n. 8, art. e0182254.

[5] Latrubesse, E. M.; Arima, E. Y.; Dunne, T.; Park, E.; Baker, V. R.; D’horta, F. M.; Wight, C.; Wittmann, F.; Zuanon, J.; Baker, P. A.; Ribas, C. C.; Norgaard, R. B.; Filizola, N.; Ansar, A.; Flyvbjerg, B.; Stevaux, J. C. 2017. Damming the rivers of the Amazon basin. Nature, v. 546, p. 363-369.

[6] Abril, G.; Parize, M.; Pérez, M. A. P.; Filizola, N. 2013. Wood decomposition in Amazonian hydropower reservoirs: An additional source of greenhouse gases. Journal of South American Earth Sciences, v. 44, p. 104–107.

[7] Feitosa, G. S.; Graça, P. M. L. A.; Fearnside, P. M. 2007. Estimativa da zona de deplecionamento da hidrelétrica de Balbina por técnica de sensoriamento remoto. In: Epiphanio, J. C. N.; Galvão, L. S.; Fonseca, L. M. G. (eds.) Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil 21-26 abril 2007. São José dos Campos, SP: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), p. 6713–6720. http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2006/11.13.15.55/doc/6713-6720.pdf

[8] Fearnside, P. M. 1997. Greenhouse-gas emissions from Amazonian hydroelectric reservoirs: The example of Brazil’s Tucuruí Dam as compared to fossil fuel alternatives. Environmental Conservation, v. 24, n. 1, p. 64-75.

[9] Fearnside, P. M. 1995. Hydroelectric dams in the Brazilian Amazon as sources of ‘greenhouse’ gases. Environmental Conservation, v. 22, n. 1, p. 7-19.

[10] Fearnside, P. M. 2005. Brazil’s Samuel Dam: Lessons for hydroelectric development policy and the environment in Amazônia. Environmental Management, v. 35, n. 1, p. 1-19.

[11] Fearnside, P. M. 2002. Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications. Water, Air and Soil Pollution, v. 133, n. 1-4, p. 69-96.

[12] Fearnside, P. M. 2017. Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases. In: Issberner, L.-R.; Lena, P. (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. New York, E.U.A. Routledge, p. 125-142.

[13] Fearnside, P. M. 2017. Belo Monte: Actors and arguments in the struggle over Brazil’s most controversial Amazonian dam. Die Erde, v. 148, n. 1, p. 14-26.

[14] Fearnside, P. M. 2017. Brazil’s Belo Monte Dam: Lessons of an Amazonian resource struggle. Die Erde, v. 148, n. 2-3. p. 167-184.

[15] Fearnside, P. M. 2009. As hidrelétricas de Belo Monte e Altamira (Babaquara) como fontes de gases de efeito estufa. Novos Cadernos NAEA, v. 12, n. 2, p. 5-56.

[16] Fearnside, P. M. 2016. Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams in tropical forests. In: Lehr, J.; Keeley, J. (eds.) Alternative Energy and Shale Gas Encyclopedia. New York, E.U.A.: Wiley, p. 428-438.

[17] As pesquisas do autor são finaciadas exclusivamente por fontes acadêmicas: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 305880/2007-1; 5-575853/2008 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Esta é uma tradução parcial atualizada de Fearnside [16]. Futuramente, um livro do Museu Paraense Emílio Goeldi terá um capítulo reunindo essas informações.

Leia os artigos da série

Hidrelétricas e Aquecimento Global-1: Resumo da Série

Hidrelétricas e Aquecimento Global – 2: Introdução às polêmicas

Hidrelétricas e Aquecimento Global – 3: O balanço de dióxido de carbono

A fotografia que ilustra este artigo é do Lago de Balbina, no Amazonas (Foto divulgação: Eletronorte)

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br