Povos Indígenas

Polícia Federal prende fazendeiros acusados de ataque aos índios Guarani Kaiowá

A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (18), por tempo indeterminado, o fazendeiro Nelson Buainain Filho e mais quatro produtores rurais (que não tiveram os nomes divulgados) por acusação de atacar a tiros contra aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da […]

Túmulo de Clodiodi Aquiles de Souza morto no dia 14 de junho de 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Por Kátia Brasil Publicado em: 18/08/2016 às 18:43

A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (18), por tempo indeterminado, o fazendeiro Nelson Buainain Filho e mais quatro produtores rurais (que não tiveram os nomes divulgados) por acusação de atacar a tiros contra aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da fazenda Yvu, em Caarapó, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. No ataque, que aconteceu em 14 de junho, foi morto com dois tiros o indígena Clodiodi de Souza, 26 anos.

A reportagem da Amazônia Real apurou que durante o cumprimento dos mandados de prisão, busca e apreensão, os agentes federais recolheram documentos na sede do Sindicato Rural de Caarapó. Foi o sindicato que divulgou uma nota na qual deixa claro que o fazendeiro Nelson Buainain arregimentou pessoas para atacar os indígenas. A PF disse que não prendeu seguranças das fazendas ou pistoleiros, que teriam também participado do conflito, mas continua investigando o caso.

De acordo com as investigações do Ministério Público Federal em Dourados, Nelson Buainain e os outros quatro fazendeiros presos preventivamente teriam envolvimento direto com o ataque aos índios Guarani-Kaiowá. Eles, que estão cumprindo as prisões em celas na delegacia da PF em Dourados, são acusados de crimes de formação de milícia privada, homicídio, lesão corporal, constrangimento ilegal e dano qualificado.

Conforme a investigação do MPF, o motivo do ataque aos índios Guarani-Kaiowá foi a ocupação que eles fizeram na fazenda Yvu, que está dentro dos limites da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1, em Caarapó. A fazenda está em nome de Silvana Cerqueira Amado Buainain, mulher de Nelson. Em maio, a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu o território tradicional dos índios, quando inicia o processo da demarcação. No dia 12 de junho os índios da comunidade Tey Kuê ocuparam a fazenda. Silvana pediu a reintegração de posse.

Segundo a investigação, os agentes da Polícia Federal em Dourados estiveram na fazenda Yvu, no dia 13 de junho, e foram notificados da ocupação da área por indígenas pelos fazendeiros, mas não encontraram reféns. Sem mandado de reintegração de posse, os policiais retornaram a Dourados.

Bloqueio policial na entrada da Reserva,- que dá acesso a retomada em Caarapó (Foto: Ana Mendes/CIMI)

“Frustrados da expectativa de que os policiais retirariam os índios do local, os proprietários rurais [que foram presos] e mais 200 ou 300 pessoas [ainda não identificadas], munidas de armas de fogo e rojões, se organizaram para expulsar os índios à força do local em 14 de junho. De acordo com testemunhas, foram mais de 40 caminhonetes que cercaram os índios, com auxílio de uma pá-carregadeira, e começaram a disparar contra a comunidade. De um grupo de 40 a 50 índios, oito ficaram feridos e um veio a óbito. Dos indígenas lesionados, um deles continua internado”, diz a nota do MPF.

Segundo o MPF, a decretação das prisões preventivas dos cinco fazendeiros visa garantir a ordem pública e evitar novos ataques violentos como o que ocorreu no dia 11 de julho, quando foram feridos mais três índios Guarani-Kaiowá, sendo dois adolescentes.

Ainda na nota divulgada à imprensa nesta quinta-feira (18), o MPF criticou a morosidade da Polícia Federal em cumprir as prisões dos fazendeiros. A Justiça Federal em Dourados deferiu o pedido de prisão do MPF no dia 5 de julho e expediu os mandados de prisão. “Por mais de 40 dias aguardaram o cumprimento pela Polícia Federal. Para os integrantes da força-tarefa Avá Guarani, a demora na execução da determinação judicial é reflexo da falta de priorização da questão indígena pelo Executivo em todo o país. Apesar da morte de um índio e da lesão de outros nove, foi necessário aguardar 44 dias para que os responsáveis pela violência fossem presos. Se não houvesse essa demora injustificada, ao menos seria possível evitar o segundo ataque à comunidade, que feriu três indígenas”, disse o MPF.

Em outra nota, a Delegacia da Polícia Federal em Dourados rebateu as críticas do MPF. “Primeiramente, não ocorreu qualquer atraso injustificado para o cumprimento das decisões judiciais, sendo que causa espécie esta manifestação, uma vez que o MPF participou de todo o processo de investigação, acompanhando todas as necessárias diligências realizadas pela Polícia Federal para o deslinde da questão. As ordens emitidas pelo Poder Judiciário foram cumpridas dentro do prazo outorgado. A Polícia Federal norteia todas as suas ações em criterioso planejamento operacional, cujo objetivo maior é o resguardo da integridade física de todos os envolvidos”, disse a PF.

Com relação à crítica do MPF de que a morosidade em prender os acusados “é reflexo da falta de priorização da questão indígena pelo Executivo em todo o país”, a Polícia Federal disse que, “no que concerne a alegação de não existir prioridade na questão indígena, importa esclarecer que, além da investigação em andamento, foi encaminhada para o Mato Grosso do Sul, imediatamente após o conflito, permanecendo até hoje na região, uma equipe da Polícia Federal sediada em Brasília, especializada em questões indígenas, a qual realiza constantes tratativas com integrantes da Funai, lideranças indígenas, produtores rurais e o próprio MPF, com o escopo de manter a paz e estabilidade social na região do conflito.”

Dos cinco fazendeiros presos por acusação do ataque aos índios Guarani-Kaiowá, a reportagem da Amazônia Real localizou apenas o advogado José Armando Amado, que é irmão da proprietária da fazenda Yvu, Silvana Cerqueira Amado Buainain, mulher de Nelson. José Armando Amado confirmou a prisão de Nelson Buainain, mas não disse se vai ingressar com um pedido de liberdade. Após o conflito, a Justiça Federal em Dourados concedeu um mandado de reintegração de posse para retirar os índios da fazenda Yvu, mas a Funai recorreu junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª. Região. Leia aqui.

Repercussão entre os Guarani

Enterro de Clodiodi de Souza, na Fazenda Yvu, em Caarapó (Foto: Ana Mendes/CIMI)

Dois meses após o conflito na fazenda Yvu, o acesso à Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1, em Caarapó, continua recebendo segurança de homens da Força Nacional. À reportagem, um dos líderes indígenas da etnia, Otoniel Guarani-Kaiowá, comentou as prisões dos cinco fazendeiros. “Não foi 100% [as prisões de todos os envolvidos], mas foi uma solução para mostrar que há punição,” disse Otoniel, destacando que o ataque ao seu povo foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU).

Em nota, a Funai condenou o ataque aos índios Guarani-Kaiowá. “A violência e o confronto armado são reações desproporcionais e inaceitáveis, que aprofunda a situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram os povos indígenas na região”, disse.

Segundo o órgão indigenista, seis Grupos de Trabalho multidisciplinares estão envolvidos na regularização dos territórios de ocupação tradicional dos povos Guarani Nhandeva e Kaiowá no cone sul do estado do Mato Grosso do Sul. A Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1 teve seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) aprovado e publicado pela Funai no dia 13 de maio de 2016. Os estudos técnicos realizados na identificação do território são de natureza antropológica, etno-histórica, cartográfica, ambiental e documental.

“Qualquer contestação à delimitação territorial realizada pela autarquia deve acontecer por meio das vias legais próprias”, disse a Funai. (Colaborou Fábio Pontes)

Túmulo de Clodiodi Aquiles de Souza morto no dia 14 de junho de 2016 (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Leia também: Em meio a conflito, os Guarani-Kaiowá mantêm retomadas de fazendas no Mato Grosso do Sul

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])