Elvira Eliza França

A Terapia das Caretas – Ações em unidade básica de saúde

Por Elvira Eliza França Publicado em: 28/06/2023 às 08:00

Em 2006, após a aprovação da nova Lei sobre drogas, n^o11.343, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, vinculada à presidência da República, ofereceu uma capacitação à distância para profissionais da saúde de todos os estados, para a adoção de um sistema de detecção do uso abusivo de drogas, e orientação para tratamento e internação de usuários e dependentes químicos. Por eu não ter vínculo institucional com o serviço público, fiz parceria com a gestora da Unidade Básica de Saúde Dr. José Rayol dos Santos, Aline Nery Albuquerque, para oferecer atendimentos voluntários naquela unidade de saúde. Assim, fui enquadrada nos critérios para realizar a capacitação e os atendimentos voluntários passaram a ser oferecidos semanalmente.

O procedimento básico nos atendimentos consistia na avaliação das expressões das emoções das pessoas e o ensino da técnica “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos – CAMM (denominada de caretinhas ou carinhas), além de outros procedimentos que eu estava aprendendo no curso da SENAD. As pessoas atendidas eram de todas as idades e o trabalho era integrado com médicos, odontólogo, enfermeira e assistente social. Essa experiência foi enriquecedora, com encaminhamentos mútuos para o atendimento dos usuários, caracterizando uma abordagem multidisciplinar. Contudo, quando houve mudança na gestão, em 2009, o atendimento voluntário foi suspenso. Em 2012, as atividades voluntárias foram retomadas na Unidade Básica de Saúde da Família – UBSF S-07, com a denominação de “Projeto Mãezinha do Céu: ações preventivas e terapêuticas”. Nesta nova fase, o trabalho terapêutico contou com o apoio da médica de família e comunidade dra. Tatiana de Souza Arruda e da enfermeira Lusia Prado de Sousa.

O projeto tinha como objetivo apoiar as mães de crianças e adolescentes com problemas de aprendizagem e comportamento social e pessoas que faziam uso de substâncias. A palavra Céu no nome do projeto era referência ao bairro de Manaus onde estava localizada a unidade básica de saúde, cuja clientela vivia predominantemente em palafitas, às margens do igarapé de São Vicente, que deságua no rio Negro. Contudo, na fase em que o projeto seria iniciado, a sede da unidade de saúde foi inundada pela grande cheia do rio Negro, e foi transferida para o bairro próximo de Aparecida. O nome original do projeto foi mantido e a médica e a enfermeira disponibilizaram uma sala para os atendimentos terapêuticos voluntários.

A agente comunitária de saúde que atua no bairro do Céu, Francisca Audeniza Teles da Silva, ficou diretamente ligada ao projeto, mas todas as pessoas da equipe de saúde tiveram oportunidade de ser atendidas na terapia e passaram a fazer os encaminhamentos das pessoas da comunidade. Elas também repassavam os resultados observados a mim, à médica e à enfermeira. Anualmente, passou a ser realizado um evento comemorativo do aniversário do projeto, no dia 12 de maio, data do início das atividades, que coincidiu com a data da criação da técnica “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos – CAMM”. Nesse evento, participavam usuários que estavam em tratamento no momento e também eram convidadas pessoas que haviam sido atendidas em outros lugares, desde a criação de CAMM.

Em 2018, com o apoio dos jornalistas Kátia Brasil e Alberto César Araújo, o evento ocorrido no Centro Estadual de Convivência do Idoso – CECI, do bairro de Aparecida, foi filmado e posteriormente editado por César Nogueira. No vídeo constam os relatos de pessoas que estavam em tratamento e outras que haviam participado da terapia em outros locais. No final do vídeo é apresentada a proposta que foi realizada em 2019, numa parceria com o programa de extensão da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, para capacitação de um grupo de estagiários para aprenderem a técnica CAMM e aplicarem no atendimento da comunidade. A professora Sandra Greice Becker, na época coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Saúde e Enfermagem – NIPES, foi quem coordenou essa parceria com a universidade.

De maio de 2012 a dezembro de 2019, foram atendidas 514 pessoas, cadastradas nas 435 fichas, nas quais estão incluídos os atendimentos familiares para duas pessoas ou mais de uma mesma família. Predominaram as mulheres (313) sobre os homens (186). De um modo geral, tiveram predominância as pessoas atendidas na faixa etária de 36 a 50 anos (116), mas também foi significativa a procura das pessoas mais jovens, entre os 26 a 35 anos (78) e as mais velhas, com 51 a 60 anos (75). Mas outras pessoas com idade acima de 75 anos (23) fizeram parte dos atendimentos, assim como as crianças de zero a 12 anos (66) e os adolescentes de 13 a 15 anos (30). Foram atendidos jovens de 16 a 25 anos (25), mas a procura maior foi dos que estavam entrando na juventude, na idade de 19 a 25 anos (58), e que estão mais expostos às situações de estresse e uso de substâncias, geralmente usadas para relaxar e proporcionar sensações de prazer.

Da pandemia para o presente momento

_{A Dra Tatiana Arruda com Elvira França (Reprodução Instagram)}

Durante a pandemia, as atividades presenciais de terapia na unidade de saúde foram suspensas e as pessoas passaram a ser acompanhadas no WhatsApp por vídeo, áudio ou envio de mensagens. Algumas pessoas do interior e de outros estados foram incluídas para receberem mensagens com informações sobre saúde, vacinação, cuidados preventivos etc., chegando a mais de 500 destinatários. Nessa fase, foram importantes as informações repassadas pelo epidemiologista da Fiocruz Jesem Orellana, e outros membros do Fórum Permanente em Defesa do SUS do Amazonas e da Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental e Luta Antimanicomial do Amazonas – FASMA. Para a elaboração dos comunicados, eram feitas pesquisas em sites de notícias confiáveis, assim como da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus – SEMSA e da Vigilância em Saúde do Amazonas.

Em março de 2022, as atividades presenciais foram retomadas, e em 2023 também foi retomado o evento anual de aniversário do projeto “Mãezinha do Céu: ações preventivas e terapêuticas”. O evento, que é aberto à comunidade, contou com o apoio da Paulus Livraria, e nele estiveram presentes várias pessoas que relataram os efeitos do uso da técnica “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos – CAMM” em suas vidas. Dentre elas estava Nádia Vettori, a primeira pessoa que foi testada com essa técnica. O evento de aniversário favorece a motivação daqueles que não acreditam que algo que parece ser tão simples, como fazer caretas e movimentos com os dedos das mãos, possa trazer resultados tão significativos na promoção da saúde física, mental e social.

A médica de família e comunidade, dra. Tatiana Arruda, que atua na unidade de saúde e que implantou o projeto “Mãezinha do Céu: ações preventivas e terapêuticas”, tem observado a evolução dos usuários nos exames de saúde. Também já foram atendidos casos de pessoas que estavam sequeladas de Acidente Vascular Cerebral – AVC e estavam com paralisia facial, e tiveram um processo de reabilitação mais rápido, principalmente para se comunicar. Há, ainda, relatos de resultados positivos de pessoas com transtornos mentais, como depressão, ansiedade, bipolaridade, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, autismo e dependência química etc.

O desafio, agora, é elaborar um projeto de pesquisa para vincular as ações do projeto a um programa institucional de pesquisa, para a realização de um trabalho que possibilite a comprovação científica, por meio de um estudo controlado. Desse modo, com resultados comprovados, a técnica CAMM poderá ser disponibilizada para o Sistema Único de Saúde – SUS, para ser inserida entre as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – PICS.

_{Material impresso que funciona como uma cartilha da técnica das caretinhas (Reprodução Youtube)}

A imagem que abre este artigo mostra Elvira França fazendo uma demostração da técnica das caretinhas (Reprodução YouTube)

Leia os outros artigos da série:

A Terapia das Caretas – Movimentos das Mãos

A Terapia das Caretas – Estratégias de promoção da saúde

Artigos de Opinião ou colunas

Sobre a matéria

Citações

“A recomendação para a prática de CAMM é de três sessões diárias: pela manhã, quando os disparos do hormônio cortisol estão subindo; depois no início da tarde quando estão em alta; e à noite quando estão baixando”, diz Elvira Eliza França.

Local de Cobertura

Manaus (AM)

Elvira Eliza França

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, especialista em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP). É autora dos livros: “Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas” editado pela Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); “Corporeidade, linguagem e consciência: escrita para a transformação interior” (1995), “Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior” (1993), “Do silêncio à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação” (1988) e “Filosofia da educacão: posse da palavra” (1984), publicados pela Editora Unijuí (RS). Criou a técnica terapêutica com as expressões das emoções denominada “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos - CAMM.”

DOE PARA A AMAZÔNIA REAL

Sua contribuição fortalecerá o jornalismo investigativo, feito com independência e liberdade editorial, que visibiliza as populações silenciadas.

DOAR AGORA

4 Comentários

Geni vieira marques de oliveira disse:

29/06/2023 às 02:48

Parabéns a os coordenadores e criadores desse projeto maravilhoso sou Geni vieira de Olinda Pernambuco. Sou natural de Alagoas filha de colônia de Leopoldina Al. Parabéns mesmo achei incrível maravilhoso

Responder
Maria valterina dos Santos Albuquerque disse:

28/06/2023 às 16:26

É um projeto maravilhoso,a Elvira já ajudou Minha filha Beatriz,minha irmã Vilma com os exercícios das caretas, minha irmã tinha sofrido um assalto junto com minha mãe o minha mãe foi assacinada e minha irmã não confia lembra da cara dos bandidos,até que com os exercícios das caretas ela conseguiu lembra. Agradeço muito a Elvira por ela cuida tão bem de nós.

Responder
João Marques nazareno disse:

28/06/2023 às 11:03

Muito bom trabalho minha amiga Elvira o seu conhecimento acrescentou muito a minha recuperação só gratidão a você

Responder
Maria Aparecida Almeida disse:

28/06/2023 às 10:16

É um projeto maravilhoso. É uma BENÇÃO. Vai ajudar muita gente para melhorar a sua autoestima e transformar a sua vida para melhor.
Agradeço à Prof. Elvira por enviar-me essas informações muito importantes.

Responder