A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Vale no Sul e no Norte

A Vale, segunda maior mineradora do mundo, tem duas faces na sua operação no Brasil. Na área mais antiga de lavra, no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais (conhecido no jargão da companhia por Sistema Sul), onde ela atua há quase […]

Área de carregamento dos vagões.(Foto: Salviano Machado/ Agência Vale)

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 13/02/2019 às 12:31

A Vale, segunda maior mineradora do mundo, tem duas faces na sua operação no Brasil. Na área mais antiga de lavra, no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais (conhecido no jargão da companhia por Sistema Sul), onde ela atua há quase 80 anos, seus métodos são arcaicos e perigosos.

Não por acaso, foi nessa área que aconteceram os dois maiores desastres ecológicos do país, em Mariana, há três anos, com 19 mortos e o vale do rio Doce contaminado, e em Brumadinho, no dia 25 de janeiro, com 165 mortos na última estatística, mas com possibilidade de 320 vítimas fatais, além do rio Paraopeba poluído.

No Pará, de onde a empresa já extrai quase metade da sua enorme produção de minério de ferro, de 400 milhões de toneladas ao ano, os procedimentos são modernos e oferecem risco muito menor. É no Estado que se localiza a província de Carajás, a maior reserva de minério de ferro de alto teor do planeta. As anacrônicas barragens de deposição de rejeitos, como as de Mariana e Brumadinho, estão praticamente eliminadas no Sistema Norte, que abrange também o Maranhão, por onde o minério é exportado.

Depois do desastre ambiental de 2015, a Vale já deveria ter abandonado as barragens com alteamento a montante, e o governo as proibido, como já fez há bastante tempo o governo do Chile, o maior produtor mundial de cobre.
Segundo os especialistas, essas barragens têm uma segurança relativa em pequenas minas, e enquanto são baixas. No entanto, o material das barragens é semifluido, sujeito a movimentos. Com o alteamento das suas bordas, as barragens, vão virando bombas-relógio.

Além disso, quase todas estão em grandes elevações, sobre expressivos aglomerados humanos, como em Minas. A situação mais crítica é a da barragem da Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional, em Congonhas, na região central do Estado, cidade com rico patrimônio histórico e cultural.

Em Carajás, a situação é completamente diferente nas minas situadas no conjunto de serras, na região centro-sul do Pará, segundo informações de especialistas:

Minério de ferro em Serra Norte (N4 e N5): 70% do peneiramento a seco, com tendência de zerar o peneiramento úmido. Barragem do Gelado, situada em um vale, na baixada, será eliminada no futuro.

Ferro Serra Leste: peneiramento a seco, sem barragem de rejeito.

Ferro Serra Sul (S11D): peneiramento a seco, sem barragem de rejeito.

Manganês do Azul: pequena barragem de rejeito.

Cobre-ouro do Sossego: grande barragem do rejeito da flotação-crescimento a jusante, com material sólido (estéril da mina).

Cobre-ouro do Salobo: grande barragem do rejeito da flotação-crescimento a jusante, com material sólido (estéril da mina).

Cobre-ouro da Antas North (Avanco): pequena barragem do rejeito da flotação.

No Salobo, como em Brumadinho, os escritórios, oficinas e refeitório da Vale ficam abaixo da barragem, que até agora parece segura.

Esse quadro se deve ao fato de se destinar à exportação a quase totalidade da produção de Carajás, que vai chegar a 230 milhões de toneladas, superando a produção de Minas Gerais, que também supre o mercado nacional? O fato de que 60% dessa exportação se destinam à China também influi sobre a existência desse contraste entre o Sistema Sul e o Sistema Norte da Vale?

O Pará já é o segundo Estado minerador do Brasil. É o maior exportador de minério de ferro do país. Tem a melhor mina de minério de ferro do planeta, em Carajás. É o segundo em número de barragens de mineração do Brasil.

Se as medidas de redução do perigo das barragens existentes em Minas forem realmente executadas, para evitar novas tragédias, a produção mineral paraense terá que ser incrementada em 40 milhões de toneladas pelos próximos dois anos, chegando então a 270 milhões de toneladas. Com isso, o Pará desbancará Minas da secular posição de maior produtor de minérios do país.

Mas o paraense pouco sabe da realidade que há por trás desses números. Daí o fraco interesse pelo que aconteceu e ainda acontece em Brumadinho. Não por coincidência, o Pará é sempre surpreendido por fatos que acontecem no seu próprio território e em conexão com ele mundo afora, numa frequência impressionante. Nem pela incapacidade de usar as riquezas que existem no seu território em benefício da sua população.

Se continuar assim, haverá ao menos uma compensação pelos danos causados pela maior transferência de minério de ferro de um país para outro, por uma distância – pelo mar – de 20 mil quilômetros, e que exigiu a implantação do maior trem de carga do mundo, o de Carajás, na forma de métodos de extração mais modernos e barragens mais seguras ou canceladas?

A imagem que abre este artigo mostra a área de carregamento dos vagões de minério da Vale em Carajás.(Foto: Salviano Machado/ Agência Vale)

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.