Meio Ambiente

STF vai julgar o tombamento do Encontro das Águas (AM)

Por Elaíze Farias Publicado em: 28/08/2014 às 21:19

Alvo de contestação judicial por interesse econômico do Estado do Amazonas, o tombamento do Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões como patrimônio cultural e natural será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. O governo do Amazonas quer destombar a área do fenômeno natural para beneficiar o empreendimento do Terminal Portuário das Lajes, obra questionada pelo Ministério Público Federal, ambientalistas, artistas, escritores, universitários e ribeirinhos.

Nesta quarta-feira (28), o STF decidiu por unanimidade que vai julgar a ação movida pelo governo do Amazonas em janeiro de 2011, acatando o recurso ajuizado pela Procuradoria Geral da República com base em representação do Ministério Público Federal no Amazonas.

Na decisão, o STF manteve os efeitos da medida cautelar concedida em maio de 2012 pelo ministro Dias Toffoli, que suspendeu o andamento de obras no perímetro tombado do Encontro das Águas, entre elas o Porto das Lajes.

O Encontro das Águas é um fenômeno natural e um dos principais pontos turísticos de Manaus, reconhecido internacionalmente pelo seu valor paisagístico. Foi tombado em 2010 pelo Ministério da Cultura como patrimônio cultural, assegurando a proteção dos 10 quilômetros contínuos das águas escuras do rio Negro e as barrentas do Solimões, além dos 30 quilômetros quadrados do seu entorno.

Conforme nota distribuída pelo MPF do Amazonas, ao se pronunciar sobre o julgamento da ação no STF, o relator do processo, ministro Dias Toffoli, entendeu que o conflito está configurado e, por ter densidade suficiente para colocar em risco o pacto federativo, a competência do Supremo é atraída para o julgamento.

“A princípio pode parecer uma disputa pequena entre um estado e uma autarquia quanto a um tombamento. Mas ao fim e ao cabo, eu penso que isso gera um conflito federativo de tal ordem que tanto melhor que seja julgado pelo STF”, afirmou o ministro Toffoli em seu voto.

Na nota o MPF diz ainda que o conflito federativo foi suscitado após o Estado do Amazonas ingressar com ação contra a União e o Iphan para anular o processo de tombamento do Encontro das Águas. “O objetivo do Estado do Amazonas ao impedir o tombamento é permitir a instalação na área de proteção do bem o Porto das Lajes”, diz a instituição.

O MPF destacou ainda na nota que o dever de proteção aos bens pertencentes ao patrimônio cultural é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme disposto na Constituição Federal. “Ao manifestar-se contra o ato de tombamento federal do monumento natural do Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões, o Estado do Amazonas não somente é omisso no seu dever de proteção dos bens culturais, como visa a impedir que a União atue na proteção do bem”, diz o MPF.

Mapa mostra a área do projeto Terminal Porto das Lajes

O antropólogo Ademir Ramos, membro do movimento socioambiental S.O.S Encontro das Águas, destacou que o tombamento do patrimônio nacional foi assinado em 4 de novembro de 2010 pela ex-ministra da Cultura, Ana de Holanda, mas, devido a ação de contestação movida pelo governo do Amazonas em janeiro de 2011, a homologação pelo governo federal está parada há quatro anos.

“Agora não é mais uma luta do movimento, é uma luta da Procuradoria Geral da República em defesa do patrimônio da União. Esperamos que o STF supere esse litígio, que ameaça o pacto federativo, pois é uma contestação pelo destombamento do Encontro das Águas”, afirmou o ambientalista.

A ação que questiona o tombamento do Encontro das Águas foi movida pelo ex-governador Omar Aziz (PSD) com a justificativa de que o Estado não foi ouvido antes da decisão do tombamento. A decisão do Ministério da Cultura impediu a instalação do terminal portuário das Lajes, projeto que começou em 2008, durante o governo do hoje senador Eduardo Braga (PMDB) – ocupou o cargo de 2003 a 2010.

O Movimento S.O.S alega que o encontro dos rios Negro e Solimões, um dos principais pontos turísticos de Manaus, vai sofrer impacto ambiental e paisagístico com a construção do novo porto. O governo do Amazonas diz que a obra, orçada em R$ 200 milhões, vai ampliar a logística e o escoamento da produção do Polo Industrial.

Omar Aziz assumiu o cargo em 31 de março de 2010, foi reeleito e governou de 2011 até 04 de abril deste ano, quando deixou o cargo para disputar uma vaga no Senado Federal. No lugar dele, ficou José Melo (Pros), que agora tenta a reeleição, mas não se manifestou ainda sobre a permanência da ação contra o tombamento do encontro dos rios.

“O Estado quer o destombamento do Encontro das Águas. Parece que o Estado está fazendo isso por dever de ofício para beneficiar diretamente as empresas privadas, que querem construir o terminal portuário na área frontal do Encontro das Águas. Vamos perguntar ao governo Melo se é do interesse do governo continuar com essa ação? Ele não se pronunciou”, afirmou Ademir Ramos.

A secretária estadual de comunicação, Lúcia Carla Gama, foi procurada para se manifestar sobre a decisão do STF e os questionamentos do antropólogo Ademir Ramos, mas não respondeu até o término desta matéria.

Movimento S.O.S Encontro das águas em protesto contra a obra do porto (FotoAmazonas: Alberto César Araújo)

Área foi demarcada

No início deste mês, a superintendência do Iphan no Amazonas instalou três placas demarcatórias na área tombada. O Iphan pretende instalar dez no total. Uma das placas foi instalada no bairro Colônia Antônio Aleixo. A outra, nas margens do lago do Aleixo, na comunidade Bela Vista, e a outra nas margens do rio Negro, no bairro Puraquequara. Todas na zona Leste.

Segundo a superintendência, serão cinco placas na margem direita e cinco na margem esquerda. Elas ajudarão a sinalizar a área tombada.

Instalação de placa demarcatória do Encontro das Águas na comunidade Bela Vista. Foto: Valter Calheiros.

Histórico do tombamento

O tombamento do Encontro das Águas é uma demanda de moradores do bairro Colônia Antônio Aleixo e ativistas da causa ambiental e de proteção da área. Em 2010, o MPF/AM recorreu à Justiça Federal para obrigar o Iphan a promover o processo de tombamento do monumento natural.

Com a ação, ficou suspenso o processo de licenciamento ambiental do Porto das Lajes, para evitar danos futuros de impossível reparação ao patrimônio a ser preservado.

Em 2011, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, suspendeu a decisão proferida anteriormente pela Justiça Federal no Amazonas que proibia qualquer tipo de licenciamento na área do Encontro das Águas sem prévia autorização judicial.

Dois dias úteis após a decisão do TRF, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) concedeu a licença ambiental ao empreendimento. Na mesma semana, a Justiça Federal do Amazonas, em outro processo, determinou a anulação do procedimento de tombamento do Encontro das Águas em tramitação no Iphan.

Diante da sequência de decisões judiciais e atos administrativos desfavoráveis à proteção do patrimônio natural, em curto espaço de tempo, o MPF levou o caso ao conhecimento do STF, demonstrando o claro interesse do Estado do Amazonas em impedir a proteção do monumento natural da região.

As informações referentes ao histórico do tombamento foram enviadas pela assessoria de imprensa do MPF.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, crise climática, violências socioambientais e impactos de grandes empreendimentos na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel de 2013. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).