Política

Pandemia: Justiça determina fechar o comércio no Amazonas

Medida atende pedido de oito promotores, que temem que muitas pessoas morram em decorrência da falta de atendimento e omissão do Estado A decisão foi proferida neste sábado pelo juiz Leoney Harraquian, que autorizou a Polícia Militar usar a força […]

Uma mulher com Covid-19 aguarda em maca atendimento na parte externa do Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto, neste sábado (2) em Manaus (AM). Os hospitais da capital estão no limite da capacidade, com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados, as internações por Covid-19 no mês de Dezembro, foram maiores do que setembro, outubro e novembro juntos. Câmaras frigoríficas para armazenar corpos das vítimas já foram reinstaladas em três hospitais da capital. (Foto Edmar Barros/Futura Press/AE)

Por Amazônia Real Publicado em: 03/01/2021 às 02:03

Medida atende pedido de oito promotores, que temem que muitas pessoas morram em decorrência da falta de atendimento e omissão do Estado

A decisão foi proferida neste sábado pelo juiz Leoney Harraquian, que autorizou a Polícia Militar usar a força para cumprir suspensão

Na imagem, uma mulher com Covid-19 aguarda em maca atendimento na área externa do Hospital 28 de Agosto (Foto Edmar Barros/Futura Press/AE/02/01/2021)

Por Fábio Pontes e Elaíze Farias, da Amazônia Real

Rio Branco (AC) e Manaus (AM) – A Justiça determinou que o governo do Amazonas suspenda imediatamente atividades não-essenciais, isto é, o comércio, por um prazo de 15 dias. Na decisão proferida neste sábado (2), o juiz plantonista Leoney Figliuolo Harraquian estabelece que o Comando da Polícia Militar e a Secretaria de Saúde façam cumprir as restrições, autorizando, inclusive, o uso da força policial a partir de segunda-feira (4). Caso a ordem seja descumprida, haverá a aplicação de multa diária de R$ 50 mil em nome do governador Wilson Lima (PSC).

A decisão atendeu uma Ação Civil Pública (ACP) de oito promotores do Ministério Público do Estado do Amazonas, com pedido de urgência na liminar, ao perceberem a ineficácia das regras mais brandas de funcionamento do comércio e a resistência do governo em acatar maiores restrições para conter a circulação do novo coronavírus.

“Quanto à fumaça do bom direito, deve-se considerar que, constitucionalmente, toda a população amazonense tem direito subjetivo à vida e à saúde e aos tratamentos adequados para a sua promoção e recuperação e, assim, direito a leito clínico e de UTI em situações de urgência e emergência. Do mesmo modo, com a admissão pública pelas autoridades locais da insuficiência da rede disponível, há fundado receio de que muitas pessoas morram em decorrência da falta de atendimento adequado, pela omissão do Estado em adotar medidas efetivas de distanciamento social e da insuficiência do atual número de leitos hospitalares em funcionamento na capital – danos que são, certamente, de impossível reparação futura”, dizem na ação os promotores de Justiça, que atuam nas áreas de Saúde, Direitos Humanos e Defesa do Consumidor: Antônio José Mancilha; Cláudia Maria Raposo da Câmara; Delisa Olivia Vieiralves Ferreira; Lincoln Alencar de Queiroz; Mirtil Fernandes do Vale; Renata Cintrão Simões de Oliveira; Sheyla Andrade dos Santos e Vitor Moreira da Fonsêca.

Contendo 48 páginas, a ACP teve seu acolhimento apontado como forma de se evitar o “colapso da rede de saúde pública estadual”. A decisão saiu uma semana após o governador Wilson Lima reabrir o comércio, de segunda a sexta, depois de protestos contra o decreto que fechou lojas e shopping no dia 26 de dezembro.

Com aglomerações nas ruas e festas, os casos de Covid-19 aumentaram provocando a ocupação de leitos de UTIs em quase 100% na rede pública e privada de saúde. No dia 29 de dezembro, segundo o Informe Funerário da Prefeitura de Manaus, 52 enterros foram realizados em cemitérios públicos de Manaus, sendo nove como causa da morte a Covid-19 e as demais ocorreram por parada cardíaca e respiratória, além de doenças relacionadas à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

“Mesmo contando com uma situação de limitada restrição social, o Estado do Amazonas, cedendo à pressão de alguns setores econômicos, registrado na Ata da reunião ocorrida no dia 26.12.2020, presentes várias representações, ajustou proposta de alteração das regras restritivas que culminaram com a revogação do Decreto n.º 43.234 e edição do novo Decreto, de n.º 43.236/2020, restaurando o status quo ante, com consequências graves ao recrudescimento da pandemia e ao incremento do número de óbitos provocados pela Covid-19″, escreveram os promotores na ACP.

Na ação, o Ministério Público requereu ainda que a Justiça obrigue o governo a “implantação de mais leitos clínicos e de UTI”. Os promotores dizem também que “a medida é essencial à assistência à saúde da população e manutenção da vida dos pacientes confirmados ou com suspeita de Covid-19, que dependem da rede de urgência e emergência da rede pública estadual”.

O magistrado determinou que se acate a suspensão das atividades no Estado, exceto as essenciais, recomendada em um parecer da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), ligada ao governo estadual, no último dia de 2020.

“Vislumbro a urgência em determinar ao Estado do Amazonas que tome medidas mais eficazes ao combate do Covid-19, de forma a diminuir o número de infectados, para que, somente após o controle total de casos, possa haver uma flexibilização de fato”, escreveu na decisão o juiz Leoney Harraquian, do Tribunal de Justiça do Amazonas. Ao final das duas semanas, completa o magistrado, o governo fica proibido de adotar medidas que ampliem o convívio social sem levar em consideração os dados técnicos e epidemiológicos elaborados pela FVS. Leia a decisão aqui.

Em seu último pronunciando, no dia 29 de dezembro, após ser alertado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público do Estado (MPE), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado (DPE) – que recomendaram o fechamento das atividades econômicas devido ao aumento de casos de Covid-19 -, Lima disse que ” (…) não há outro caminho e a ciência não nos aponta outro caminho a não ser evitar aglomerações. Então estamos estudando nas próximas horas que medidas vamos tomar para poder conter o aumento que nós estamos tendo de Covid-19 no estado”.

Somente na noite deste domingo (3), é que o governo de Wilson Lima anunciou que foi notificado da decisão judicial: “o Estado respeita o entendimento do Ministério Público do Estado e do Judiciário quanto à necessidade de conter o avanço do novo coronavírus, que continua pressionando a rede de atendimento à saúde”.

E disse que “e vai discutir com representantes do comércio e serviços a adoção de medidas para reduzir o impacto da crise econômica provocada pela pandemia”. Leia mais no final do texto.

Nesta segunda-feira (04), o governo do Amazonas divulgou nota informando que vai acatar a decisão judicial suspendendo as atividades e voltou a publicar o Decreto nº 43.269 do dia 23 de dezembro de 2020 e que havia sido revogado por pressão dos empresários. Na publicação do Diário Oficial do Estado de hoje, o governo do Amazonas apenas republicou o teor do Decreto anterior, sem atualizar a data ou incluir novo serviços considerados não-essenciais. Academia de ginástica, por exemplo, foi considerado essencial e continuará funcionando normalmente (para saber quais os serviços que estão suspensos leia no DOU, na página 7)

Segundo a Secretaria Estadual de Comunicação (Secom), a suspensão das atividades não essenciais vale já a partir do dia 2, significando que ela expira no dia 17 (um domingo). A escolha da data contradiz a explicação da própria Secom, que ainda no sábado e ao longo deste domingo informou à imprensa local que não havia sido notificada sobre da decisão judicial.

“O Governo do Estado ainda não foi notificado. Quando isso ocorrer, irá reunir os órgãos que compõem o Comitê de Enfrentamento à Convid-19 para analisar o documento e determinar os procedimentos cabíveis”, disse a nota de sábado e repetida até a noite deste domingo.

Decisão tardia, diz especialista

Pacientes com Covid-19 esperam triagem na área externa do 28 de Agosto
(Foto: Sandro Pereira/Fotoarena/AE/02/01/2021)

Para o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia Jesem Orellana, referência na análise dos cenários da pandemia, se a decisão judicial for cumprida será possível reduzir os casos novos e, em três ou semanas, diminuir o número de pacientes graves e a demanda de internações e de óbitos. Desde agosto, ele vinha alertando para o risco de uma segunda onda de Covid-19 no Amazonas.

“Só vai se amenizar se essas medidas que estão sendo ordenadas pelo Judiciário forem cumpridas. Mas se não continuar fazendo o distanciamento, o governo do estado continuar se omitindo, a prefeitura de Manaus continuar se omitindo, podemos ter um terceiro pico dentro da segunda onda. E se demorarmos mais com a questão da vacina teremos, sim, a terceira onda”, alerta Orellana.

O pesquisador considera que a decisão judicial, embora tardia, é positiva no curto prazo, mas adverte que só se sentirão os efeitos dessa medida daqui a algumas semanas. “O que vai ser feito de hoje em diante é o que vai evitar futuros adoecimentos, casos graves e mortes. Essas mortes que aconteceram hoje e que vão continuar acontecendo nas próximas duas semanas são resíduos do que acontece de hoje (dia 2) para trás”, conta. Em outras palavras, Jesem Orellana explica que janeiro continua com um “cenário de guerra”, com aumento de internações e demandas por leitos.

Em 23 de dezembro de 2020, o governador amazonense publicou o Decreto 43.234, que proibia o “funcionamento de todos os estabelecimentos comerciais e serviços não essenciais e destinados à recreação e lazer”, entre 26 de dezembro e 10 de janeiro. Só seriam liberados a abrir as portas os supermercados, farmácias e postos de combustíveis. O decreto teve vida curta após pressão dos empresários, que diziam que a medida causaria sérios impactos na economia local, e levarem seus funcionários a fechar as ruas centrais de Manaus na véspera de Natal.

Em reunião ocorrida no dia 26 de dezembro entre empresários e o governador Wilson Lima, ficou decidido que, em vez das medidas de restrição, o estado do Amazonas adotaria regras mais brandas em meio ao surto de casos e mortes. Essa flexibilização aconteceria por meio da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre governo e empresários- cabendo o setor “a fiscalização do cumprimento dos protocolos de segurança nos estabelecimentos”. Na ocasião, o procurador-Geral de Justiça, Alberto Júnior, participou da reunião e não se opôs à abertura do comércio.

Para especialistas, as medidas de restrição aos serviços não essenciais – mesmo se ocorrido nos padrões originais do decreto – chegaria de forma atrasada, já que desde o começo de dezembro o Amazonas já apresentava alta considerável de infecções. O recuo do governo diante das pressões dos empresários tornou a situação ainda mais caótica.

De acordo com o Boletim Diário da FVS, houve 293 novos casos de Covid-19 no Amazonas, totalizando 201.867 infectados. O número de óbitos confirmados foi de 29, elevando para 5.325 o total de mortes.

“É um governo desesperado”

Homens empurram ambulância para “pegar no tranco” em frente ao 28 de Agosto
(Foto Edmar Barros/Futura Press/AE/02/01/2021)

O pesquisador Jesem Orellana, em entrevista à Amazônia Real na noite deste sábado, também criticou as medidas anunciadas pelo governo de Wilson Lima de abertura de leitos na Maternidade Dona Lindu e na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecom).

“Aumentou a taxa de contágio de forma de que já não consegue mais atender à demanda em leitos de UTI no Hospital Delphina Aziz (unidade de referência para Covid-19)”, diz.

“Você começa a receber comunicados de hospitais, principalmente da rede privada, anunciando a alta demanda hospitalizar. E chega o Natal. A epidemia vai só se agravando. O vírus circula de forma generalizada e você não consegue mais conter a epidemia. O que vemos é um governo desesperado, improvisando vagas de leitos hospitalares em diferentes lugares. É uma medida de desespero porque não tomou decisão no momento oportuno. Foi uma decisão tardia, fora de tempo”, complementou.

Segundo Orellana, abrir vagas em leitos hospitalares em maternidades ou em unidades de tratamento oncológicos demonstra que o governo se deu conta, somente agora, do que aconteceu ao não conter a epidemia semanas e meses antes.

“Agora é o que resta. Tentar abrir em hospitais, mesmo que sejam improvisados, mesmo que não haja quantitativo de profissionais de saúde, acompanhamento clinico de perto, mas essa medida basicamente evita que as mortes aconteçam em casa. Porque elas vão continuar acontecendo nos hospitais. São medidas trágicas nesse sentido. Ao levar esse tipo de pacientes para lugares que têm pessoas que são naturalmente de risco, como os pacientes oncológicos, para câncer, são pacientes debilitados imunológicos. As gestantes que fazem parte de grupo de risco, os recém-nascidos”, afirma ele.

Recorde de internações

Em nota divulgada às 22h47 deste domingo (3), o governo de Wilson Lima reconheceu o aumento no número de internações diárias nos hospitais de Manaus por Covid-19: “é o maior desde o início da pandemia”. No entanto, o chefe do Estado não comentou sobre a decisão de abrir leitos na Maternidade Dona Lindu e na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecom), mesmo sendo questionado pela reportagem.

Neste domingo (3), segundo a nota, foram hospitalizadas 159 pessoas, conforme Boletim Diário de Covid-19 da Fundação de Vigilância em Saúde. “É o recorde de internação em 24 horas, superando os picos de abril e maio, quando o maior número de internação em um dia foi de 105 pacientes”.

Em outro ponto da nota, o governo anunciou que mantém em execução ao Plano de Contingência para o Recrudescimento da Covid-19 e antecipou a abertura de novos leitos exclusivos para pacientes Covid-19. “Em dez dias, disponibilizou mais 409 leitos, em cinco unidades de saúde, para atendimento de pacientes com a Covid-19. A Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) coordenou uma grande força-tarefa e conseguiu aumentar 90 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 319 leitos clínicos, em pouco mais de uma semana”, diz a nota, da qual a íntegra está no site do governo.

Cemitério público Nossa Senhora Aparecida, localizado no bairro Tarumã
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Matéria atualizada às 13h15 desta segunda-feira (04) para incluir informação de que o governo do Amazonas vai acatar a decisão judicial

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