Philip M. Fearnside

A Hidrelétrica de Sinop: 3 – As explicações da empresa

A SEMA, que havia autorizado o enchimento do reservatório sem suprimir toda a vegetação, expressou “profunda indignação” com relação à mortalidade ser considerada um efeito do baixo teor de oxigênio que, por usa vez, seria agravado pela falta de […]

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 21/03/2019 às 16:50

A SEMA, que havia autorizado o enchimento do reservatório sem suprimir toda a vegetação, expressou “profunda indignação” com relação à mortalidade ser considerada um efeito do baixo teor de oxigênio que, por usa vez, seria agravado pela falta de remoção da vegetação; a SEMA alegou que a mortandade seria apenas devido ao excesso de sedimento: “o evento não tem relação com a supressão vegetal para formação do reservatório. ….A mortandade dos peixes foi causada pela alteração da turbidez da água, devido ao carreamento de sedimentos a jusante (abaixo) da barragem” [1]. No entanto, o estudo de modelagem que foi usado como base para a autorização de encher o reservatório com apenas 30% de supressão de vegetação foi feito justamente para mostrar a relação entre a percentagem da vegetação suprimida e o teor de oxigênio, e mostrou que maior supressão melhora o teor de oxigênio na água, o teor sendo melhor com a remoção de 30% do que teria sido com 0% de remoção [2].

Mortalidade de peixes a jusante de barragens tem sido frequente na história recente da Amazônia, como na hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins, em 2011 [3, 4] e na hidrelétrica de Teles Pires em 2014-2015 [5-7]. No UHE Colider, no rio Teles Pires, houve mortalidade ao concluir o enchimento do reservatório [8], embora outras causas também foram alegadas [9]. Também houve mortandade durante a construção no caso de Colider, antes de começar o enchimento do reservatório [10].

Mundialmente, as barragens em uma desastrosa série de hidrelétricas na bacia do rio Mekong, no sudeste asiática, são as mais conhecidas pelos seus impactos sobre a pesca e o consequente sacrifício do sustento dos residentes locais [11], e a barragem Nam Theung 2 (NT2) em Laos é a mais conhecida, esta hidrelétrica, como Sinop, também sendo um projeto de Electricité de France (EDF) [12]. Com relação à supressão da vegetação no reservatório de NT2, uma “pessoa próxima à empresa [EDF]” relatou que a Electricité de France “forneceu informações enganadoras à Agência de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do governo de Laos, para evitar a demora e despesa de uma supressão completa” ([12], p. 117). [15]

Notas

[1] Santiago, W. 2019. PGE aponta equívoco do MP e afirma que suspensão de enchimento em hidrelétrica causará danos ainda maiores. Olhar Juridico, 13 de fevereiro de 2019.

[2] CES (Companhia Energética Sinop). 2016. Solicitação de autorização de supressão de vegetação – ASV da área do reservatório. Sinop-MT, dezembro-2016. 246 p.

[3] Marinho, L. 2011a. Usina acaba com pesca no Tocantins. O Eco, 25 de abril de 2011.

[4] Marinho, L. 2011b. Peixes morrem na UHE de Estreito. O Eco, 01 de Abril de 2011.

[5] Alves, A. 2015a. Hidrelétrica Teles Pires começa encher reservatório sem terminar a supressão vegetal; veja fotos. Olhar Direto, 18 de janeiro de 2015.

[6] Alves, A. 2015b. Pesquisador alerta para a mortandade de ‘toneladas’ de peixes na UHE Teles Pires. Olhar Direto, 19 de janeiro de 2015.

[7] Fearnside, P.M. 2015a. A Hidrelétrica de Teles Pires: O enchimento e a morte de peixes. p. 109-113. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 2. Editora do INPA, Manaus. 297 p.

[8] Notícia Exata. 2018. SEMA identifica responsabilidade sobre morte de peixes no rio Teles Pires. Notícia Exata, 01 de fevereiro de 2018.

[9] G1 MT. 2018. Polícia investiga morte de milhares de peixes em barragem de usina em MT. Supostas irregularidades no funcionamento de usina hidrelétrica em Colíder estariam causando mortes de peixes no Rio Teles Pires, segundo a polícia. G1, 20 de maio de 2018.

[10] Goreth, C. 2014. Mortandade de peixes leva MPE a ingressar com ação contra empresas responsáveis por usina hidrelétrica. Ministério Público do Estado de Mato Grosso, 05 de setembro de 2014.

[11] Ziv, G., E. Baran, So Nam, I. Rodríguez-Iturbed & S.A. Levin. 2012. Trading-off fish biodiversity, food security, and hydropower in the Mekong River Basin. Proceedings of the National Academy of Sciences, USA 109(15): 5609–5614.

[12] Shoemacker, B. & W. Robichaud (eds.). 2018. Dead in the Water: Global Lessons from the World Bank’s Model Hydropower Project in Laos. University of Wisconsin Press, Madison, Wisconsin, E.U.A. 352 p.

[13] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018.

[14] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay, 01 de março de 2019.

[15] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [13]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [14].

Leia os outros artigos da série:

A Hidrelétrica de Sinop

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

A imagem da UHE de Sinop acima é de autoria do PAC/Divulgação

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br