Povos Indígenas

Assurini do Xingu será o primeiro a dar oficina de língua indígena na Casa da Linguagem do Pará

Belém (PA) – O pajé aprendiz Timei Assurini vai ministrar a “Oficina Jejeyga – Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete”, entre os dias 24, 26 e 31 de outubro e 7 e 9 de novembro, na Casa da Linguagem do […]

Publicado em: 14/10/2019 às 16:49

Por Vivianny Matos da Amazônia Real

Belém (PA) – O pajé aprendiz Timei Assurini vai ministrar a “Oficina Jejeyga – Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete”, entre os dias 24, 26 e 31 de outubro e 7 e 9 de novembro, na Casa da Linguagem do Pará, localizada no centro de Belém (PA). As inscrições gratuitas, para estudantes da rede pública, e R$ 20, para o público em geral, estão abertas até a próxima quarta-feira (16). Timei disse que há cinco anos tentava realizar a oficina, mas não tinha êxito, “até que após muitas tentativas a instituição reviu sua postura”.

“A Casa da Linguagem buscou se posicionar quanto a afirmação equivocada de parte da equipe, que classificou minha língua como estrangeira e que não teria público para uma oficina dessa natureza, mas nossa Oficina de Língua Tupi Guarani dos Awaete já foi confirmada para final de outubro. Serei, segundo informações da instituição, o primeiro indígena a fazer uma atividade sobre língua indígena no local, o que é significativo, ainda mais num estado como o Pará e no Ano Internacional das Línguas Indígenas. Estamos muito felizes com a atitude da Casa de rever o caso e dar a todos nós essa oportunidade”, afirmou Timei da etnia Assurini do Xingu ou Awaete (como o povo se autodenomina).

Timei Assurini disse que vai mostrar na “Oficina de Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete” a importância da linguagem para os povos indígenas. “A gente fala não somente com a nossa boca. Também falamos com a nossa mão, com o nosso olhar… e isso é passado de geração a geração, é a nossa educação. É importante a gente conversar e melhorar a nossa relação. Cada um tem um conhecimento. Ninguém é maior do que ninguém”, afirma pajé aprendiz.

Administrada pela Fundação Cultural do Pará (FCP), órgão da Secretaria de Cultura do Estado (Secult), a Casa da Linguagem promove desde 1991, regularmente, oficinas e cursos de iniciação e aprofundamento que tenham a arte e o ofício como pressuposto teórico-prático, nas diversas formas de linguagens e expressões artísticas e culturais (verbal, cênica, musical, plástica e audiovisual).

A reportagem da agência Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da instituição para ouvir sua resposta com relação a língua Awaete, do tronco linguístico Tupi-Guarani, ser considerada “estrangeira” por alguns funcionários da Casa da Linguagem, como diz Timei Assurini. Em nota, a Fundação Cultural do Pará disse que “desconhece qualquer tipo de classificação oficial, feita pela instituição, da oficina de introdução da língua Awaete como um idioma estrangeiro”. E destacou que, “caso tenha havido posicionamento com este teor por parte de algum servidor, tal equívoco ocorreu de forma isolada e não representa em nenhum momento a postura da instituição”. Leia a nota completa no final deste texto.

A diversidade linguística

Timei Assurini em evento para estudantes no Jardim Botânico do Rio de Janeiro
(Foto: Arquivo pessoal)

Além do indígena Timei Assurini, participam da “Oficina Jejeyga – Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete”, como convidados especiais, o linguista e pesquisador alemão Sebastian Drude, a designer e indigenista Carla Romano e a advogada Clara Morbach.

“Essa iniciativa me fascina pois é muito abrangente e bem pensada. Ela possui várias facetas e tem o cuidado de mostrar um diálogo de igual para igual. Eu não falo uma palavra de assurini do Xingu. Ainda estou estudando. Porém, fui informado de que o objetivo da oficina é promover diálogos onde todos aprendem. A proposta é a de familiarizar pessoas interessadas em saber o que é uma língua indígena, qual é o seu contexto cultural, sua importância, etc. E é aí que posso contribuir. Sobretudo, para falar de diversidade linguística: quais são as línguas que existem no mundo e no Brasil; o que são famílias linguísticas; quais línguas são semelhantes ou não. Estamos pensando, como uma das atividades, em fazer dinâmicas para descobrir a língua e estudá-la juntos”, conta Drude.

A pesquisadora Carla Romano atua há 15 anos com as questões indígenas, dentro os quais cinco anos com os indígenas Assurini do Xingu. Ela é uma das articuladoras que tornaram possível a realização da “Oficina Jejeyga – Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete”. Além desta atividade, ela também organiza outras formações – realizadas por todo o Brasil – que envolvem trocas de saberes e práticas, através de vivências por meio de um projeto maior chamado Agenda Awaete.

“Estamos no ano Internacional de Línguas Indígenas pela ONU. Vamos abordar uma língua (Awaete) que está ameaçada. Então, convidamos a todos para uma grande troca de conhecimento, onde o Timei falará não apenas da língua em si, e sim de toda uma construção de oralidade, onde vai abordar as músicas, os contos, os animais, os povos, a relação do território da sua etnia e etc.”, disse.

A troca de conhecimentos com os karai

Timei Assurini em sua comunidade no Xingu, no Pará (Arquivo pessoal)

Para conhecer um pouco mais sobre quem é o primeiro indígena a ministrar uma oficina de uma língua indígena na Casa da Linguagem, a agência Amazônia Real entrevistou Timei Assurini. A entrevista foi realizada no campus de pesquisa do Museu Emílio Goeldi, em Belém. Entre o espaço fechado da biblioteca e a área aberta, entre as árvores e os cantos dos passarinhos – embora ameaçasse cair uma pequena chuva – o local onde Timei se sentiu mais à vontade, obviamente foi em meio a natureza. Leia abaixo o depoimento de Timei Assurini.

“Meu nome é Timei Assurini, sou da etnia Assurini do Xingu, que fica próximo ao município de Altamira (PA). Sou aprendiz de pajé, curandeiro da onça (espírito da onça). Meu povo tem 48 anos de contato com o karai – não indígena –, somos duzentos e cinquenta pessoas, distribuídas em cinco aldeias. Desde 2015, após encontrar a minha companheira Carla, ela tem me ajudado a mediar este mundo, porque hoje é uma necessidade, com o tempo de contato muita coisa mudou, mudaram também os nossos hábitos de convivência, principalmente quando entrou a empresa de Belo Monte em nosso território. Mas antes disso já estávamos sofrendo com o contato com os karai. Chegamos ao número de 52 pessoas na década de 80 (…)”.

“Fomos envenenados por grupos que disseram que iriam proteger a gente, mas não foi bem assim. Quase nos exterminaram. Entendendo esse sistema fui questionando: quem são essas pessoas (não indígenas, karai) que estão chegando? Quais são esses conhecimentos novos que estão desvalorizando os nossos? O meu conhecimento vem sendo repassado há vários anos, de geração em geração. Esses karai não estão dando valor aos nossos conhecimentos. Então eu decidi me conectar aos karai e demais povos das águas terras e florestas que pensam, que buscam, que estão tentando sobreviver… e iniciei a minha jornada aqui na capital do Pará, em Belém, em 2015. Em alguns lugares sofri muito preconceito”.

“Então, fui para o sudeste do Brasil. Fui para o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiânia… entendendo também o que é a permacultura dentro do conhecimento tradicional dos Awaete (que é a nossa cultura permanente que já praticamos há anos, há milésimos de anos). Depois de tanto fazer atividades de construção, atividades ritualísticas com outros parentes, e cada vez mais olhando como mediar essa comunicação com os karai – e não somente com eles, mas conosco também, pois precisamos nos curar também –. Com essa interferência das pessoas que só chegam para destruir a floresta, o rio, a terra… e nisso vai também a nossa cultura e nossa identidade, como a gente se identifica com o mundo que a gente vive”.

“Eu vejo essa sociedade que fala que ama tanto a Amazônia, a floresta, porém, estão muito distantes. Pois para uma pessoa falar, no Ano Nacional da Língua Indígena, que a Língua indígena Awaete é estrangeira… só por esse fato a gente vê que existem pessoas que não têm conhecimento, contudo, existem pessoas que não têm acesso, mas são fechadas. Porém, tem karai diferente sim. E precisamos levar eles para dentro da comunidade e não é para trabalhar para os indígenas e sim para a vida, para você mesmo, pois o que se planta, colhe”.

“É importante estarmos aqui na capital do Pará dialogando, para entender que não estamos longe e que estamos dentro da Amazônia. E que não estamos mortos. Estamos no caminho. E que temos que fazer uma troca para falar juntos e não falar sobre. Mas estamos distanciando com o povo daqui (do Pará). Tem tanto conhecimento na cidade, mas existem pessoas passando fome, sem moradia, sem água. É legal a gente compartilhar. Eu não venho com a verdade. Eu mostro de alguma forma, como uma verdade está ali e ninguém está vendo”.

“Somos o povo da terra, da água e da floresta. Não importa de onde nascemos ou de onde viemos. E essa coisa de branco… a única coisa que é branca é o papel. Cada um tem um nome. Nós não somos índios… somos povos indígenas e se eu começar a falar como eu quero me apresentar, na verdade eu não sou nenhum dos dois. Eu sou Awaete. Não sou nem índio, nem indígena. E também não sou assurini como a antropologia registrou o nosso nome como ‘Assuruni do Xingu’. Somos Awaete, que significa ‘povo verdadeiro’, os guardiões da memória”.

Timei Assurini (Foto: Arquivo pessoal)

O que diz a Casa da Linguagem?

A Fundação Cultural do Pará (FCP), que administra a Casa da Linguagem, enviou nota à reportagem da Amazônia Real informando que “desconhece qualquer tipo de classificação oficial, feita pela instituição, da oficina de introdução da língua Awaete como um idioma estrangeiro”.

Destacou que, “caso tenha havido posicionamento com este teor por parte de algum servidor, tal equívoco ocorreu de forma isolada e não representa em nenhum momento a postura da instituição”.

A instituição disse também que reconhece o caráter originário da cultura dos diferentes povos indígenas. “E a celebramos como uma grande norteadora da identidade paraense. A FCP é dedicada à valorização e ao fomento das diferentes manifestações culturais amazônidas, onde a expressão falada se insere – o que pode ser observado nas exposições, na filmografia, nas oficinas e espetáculos culturais promovidos em nossos espaços”.

Sobre a realização da oficina ministrada pelo pajé aprendiz Timei Assurini, a FCP afirmou que “a decisão de viabilizar uma iniciativa tão importante como o ensino da língua Awaete é parte das diretrizes da atual gestão, que busca a democratização dos espaços e do acesso ao conhecimento da nossa história, cultura e raízes”, e reafirmou a questão sobre o impedimento da oficina.

“Até o momento, não nos havia sido reportada qualquer reclamação neste sentido, de maneira que aguardaremos a publicação da reportagem e/ou mais informações sobre o caso para prestar eventuais esclarecimentos – sempre reforçando nosso compromisso com o respeito à diversidade da cultura do estado em todas as suas nuances”, finalizou a nota da Fundação Cultural do Pará.

Timei Assurini (Foto: Arquivo pessoal)

O que é?

Oficina Jejeyga – Introdução ao Tupi Guarani dos Awaete

Local: Casa da Linguagem (Av. Nazaré, nº 31, bairro Nazaré – Belém/PA)

Quando?

Outubro: Dia 24 (quinta-feira) das 14h às 18h

Dia 26 (sábado) das 9h às 17h

Dia 31 (quinta-feira) das 14h às 18h

Novembro: Dia 7 (quinta-feira), das 14h às 18h

Dia 9 (sábado), das 9h às 17h

Inscrições até dia 16/10: gratuitas para estudantes da rede pública

R$ 20 para o público em geral

Informações: (91) 3323-0048 / (21) 97261-6638

Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Vivianny Matos

É paraense, filha das periferias belenenses. Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Também concluiu um MBA em Gestão Estratégica de Marketing e Comunicação Digital. Atuou como assessora de comunicação no terceiro setor na Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e da UNIPOP (Instituto Universidade Popular), entre os anos de 2015 a 2020, no Estado do Pará. Faz reportagens que abordam diversas temáticas indígenas.

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1 Comentário

Pedro Lisboa disse:

13/11/2025 às 13:35

Parabéns pela matéria publicada. Sou pesquisador do Museu Goeldi e estou elaborando um trabalho sobre plantas indígenas sagradas e há um capítulo sobre as tintas e a pintura da pele do indígenas. Gostaria de ter sua permissão para usar uma foto da matéria que está bem representativa, resguardando os créditos logicamente. A foto é do Timei Assurini! Grato, Pedro!

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