Meio Ambiente

Do lixão à sala de aula, projeto Tresidela Nova acolhe crianças e adolescentes no Maranhão

Por Ana Mendes Publicado em: 13/07/2018 às 19:04

As crianças, que antes viviam no lixão, são filhas de catadores que ainda sobrevivem do lixo (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Balsas (MA) – O bairro Nova Tresidela, na cidade de Balsas, no sul do Maranhão, é conhecido como o local onde o lixo acumulado a céu aberto é despejado. Além do mau cheiro e dos problemas de saneamento do material depositado, sem tratamento e sem aterro, o bairro convive com o estigma que a sujeira traz. Não fosse o projeto sociosanitário Casa da Comunidade Tresidela Nova, coordenado atualmente pelo amazonense Adson Carneiro, o calçamento, a luz e as fossas sanitárias teriam demorado mais a chegar para as famílias que ali vivem.

Realizado pela Diocese da Igreja Católica de Balsas, o projeto foi idealizado pela missionária italiana Nádia Vettori, que morou durante 43 anos no Brasil, sendo 29 anos no Amazonas e 14 anos em Balsas.

Pelo projeto Tresidela Nova já passaram mais e 1.300 crianças e adolescentes. Seu objetivo é oferecer aulas de reforço escolar, música, artes e outras atividades, numa ação preventiva de saúde, educação, cidadania e promoção da convivência social. No início, as atividades principais eram a leitura com as crianças e a assistência às famílias do bairro. Depois, o projeto cresceu, provocando mudanças concretas e simbólicas na lugar. A comunidade conquistou benefícios públicos como: fornecimento de água encanada, luz e pavimentação das ruas.

“Nesses 14 anos, o projeto teve uma importância na mudança de vida tanto dos moradores da comunidade como na das crianças. Hoje elas são pais de família, pessoas que têm uma educação diferenciada. Os objetivos do projeto estão sendo alcançados e dando visibilidade à comunidade na cidade de Balsas”, disse Adson Carneiro.

Com 94.779 habitantes (segundo o IBGE/2017), o município de Balsas tem o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do Maranhão, devido à produção de grãos de soja e pecuária, com a presença de grandes empresas do agronegócio. Classificada com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio de 0,687, em 2010, tinha índice considerado baixo no ano 2000, com 0,521.

O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas (Ana Mendes/Amazônia Real)

Evanilde Santos Silva, moradora do bairro Tresidela, conta que quando o projeto Casa da Comunidade chegou, em 2004, não havia passagem para carros nas ruas. “Quando adoecia alguém, tinha que carregar na rede o doente. Tinha que ter dois homens pra carregar porque não tinha estrada de carro”, conta ela.

Hoje, em parceria com a prefeitura de Balsas, que cede os oficineiros, o projeto Tresidela Nova trabalha durante o contraturno escolar, com 87 crianças, entre seis e 16 anos. Para eles, são oferecidas aulas de música, canto, artes plásticas, contação de histórias, produção e interpretação de texto, dança e reforço escolar.

O projeto é mantido com doações das Paróquias de Santo Mato, Masiano, da Diocese de Pistoia e Associação Amigos de Dom Franco, ambas na Itália. Dos amigos do Projeto Tresidela Nova, que são pessoas de Balsas e de Manaus (AM). O projeto também se monetiza com a realização de bazares e vendas na loja Sonhos Mil, além de ventos anuais como o Jantar Solidário e Chá Literário.

Além desses apoios, o projeto recebe também de alimentos, materiais de limpeza, papelaria, roupas, sapatos e brinquedos. Conta com as parcerias de dois educadores cedidos pela Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Balsas. Assim, o projeto se sustenta, promovendo a educação, a saúde e a cidadania na cidade, numa ação por meio da qual ele, no decorrer do tempo, cria condições para que as crianças e adolescentes atendidos possam se tornar protagonistas deste importante movimento social na cidade.

O oficineiro Beethoven Melo conta que as aulas são multidisciplinares e que, estudando música, disciplina que ele ministra, as crianças aprendem história, matemática, raciocínio lógico e português. “As aulas também vão estimular a questão da interpretação e de como eles vão se deparar com as situações da vida”, disse ele.

Entre os educandos e os ex-educandos, é possível perceber o pensamento crítico que têm a respeito do contexto sociopolítico em que estão inseridos. Ana Caroline da Silva tem 11 anos e está fazendo aula de violão. Ela conta que quer ser advogada. “Quero defender as pessoas [que estão] sendo acusadas por crimes que ela não cometeu. Pelas injustiças”, afirma a menina.

A renda do lixão

Família de alunos são filhos de catadoras no lixão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

O perfil da maioria dos pais das crianças e adolescentes que frequentam o projeto Tresidela Nova é de trabalhadores rurais, empregados das fazendas localizadas nos arredores. As mães são, na maioria, donas de casa. Algumas famílias ainda complementam a renda familiar, aproveitando o potencial do lixão para reciclagem. Neste contexto, a parca verba dos pais não permite pensar em um futuro promissor para os filhos, e o projeto entra como um sustentáculo para lacunas familiares.

Mayara Dias Quixaba tem 24 anos e é estudante de pedagogia. Frequentou o Tresidela Nova e hoje faz parte da equipe de oficineiros, como contadora de histórias. “Eu acho que se eu não tivesse no projeto, eu hoje estaria com uma penca de filho bem enorme. O projeto foi um alicerce, onde minha família não pôde alcançar, o projeto alcançou. Mamãe sempre dizia: ‘vou fazer de tudo pra vocês terminarem o ensino fundamental, mas a faculdade eu não prometo pra ninguém’.”, afirma ela.

Sebastião da Silva, de 18 anos, não teve o mesmo destino. Ele trabalha no lixão do bairro desde os 15 anos. Frequentou o projeto Tresidela Nova nesta época, mas logo depois parou, por conta da jornada de trabalho de mais ou menos 11 horas diárias, para conseguir arrecadar cerca de um salário mínimo. Embora tenha cursado até o 6^o. ano do ensino fundamental, ele conta que só aprendeu a ler por conta do acompanhamento que recebeu no projeto.

“Lá que eu aprendi a escrever. Lá eles ensinavam a gente a escrever e ler. Eu sei ler. Eu penso em sair daqui [do lixão]. Muitas vezes a gente corre o risco de morrer aqui. O dinheiro não compensa o serviço que a gente faz. Eu penso em voltar a estudar e seguir meu rumo de vida. E trabalhar porque sem o trabalho não dá.”, conta ele que não se deixou fotografar pela nossa reportagem.

Já Raimunda de Jesus Costa, conhecida por Mundica, tem 56 anos e trabalha como catadora de lixo há dez anos. Pra ela, os catadores fazem um serviço que as pessoas deveriam fazer e por isso sente orgulho do que faz. Contundente, ela afirma que “Ninguém vai baixar a cabeça, não! Nós vamos erguer que é pra eles saber que a gente tá ganhando o nosso dinheiro com honra; melhor a gente trabalhar no lixão do que ficar malinando na coisa dos outros. Às vezes, quando vou fazer uma compra, as pessoas perguntam meu endereço e perguntam onde eu trabalho, e eu digo ‘trabalho lá no lixão’”.

O resgate da cultura negra

Crianças do projeto Tresidela Nova, em Balsas (Ana Mendes/Amazônia Real)

A cidade de Balsas fica na região do Matopiba, isto é, a nova frente de expansão agrícola que compreende uma parcela dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Cortada pela rodovia BR Transamazônica, Balsas fica na região do bioma cerrado, um dos hotspots mais degradados do mundo. Dados de 2015 apontam que quase 9.500 quilômetros quadrados foram destruídos em um ano.

Conforme dados do Censo 2010, 67% da população denominou-se parda, 22% como branca e 8% como preta. Adson Carneiro, coordenador do projeto Tresidela Nova, afirma que um dos compromissos da ação é atuar no resgate da cultura negra local. Afinal, o contexto de destruição da biodiversidade acompanhado de uma grande onda migratória acabou afetando, também, aspectos mais subjetivos.

“A negação de ser negro é muito forte aqui. Aqui quem dita as regras são os brancos e os negros ficam marginalizados. Dá a impressão de casa grande e senzala, o que é verdade, porque a mão-de-obra barata é negra”, aponta ele.

É por esse motivo, também, que o projeto Tresidela Nova tem como política integrar, na sua equipe, pessoas que ali estudaram quando crianças. Das 12 pessoas que compõem a equipe do Tresidela Nova, cinco são ex-educandos.

Jackeline Souza da Silva, de 22 anos, é coordenadora pedagógica e da biblioteca. Entrou no Tresidela aos 15 anos e hoje se vê nas crianças com as quais trabalha. Conta que lhe marcou a história de uma menina chamada Cristina que já havia repetido de ano várias vezes, por conta de dificuldades de leitura. “Ela já estava com uns três anos em uma série só, repetindo, repetindo. E aí quando eu peguei ela, eu comecei a trabalhar separadamente e ela foi evoluindo, e quando o projeto terminou ela já estava lendo. E eu me vi na Cristina, porque quando eu era criança, eu também passei pelo problema que ela passou de ter dificuldade de leitura”.

O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)
O projeto Tresidela Nova é realizado pela Diocese de Balsas, no sul do Maranhão (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

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Sobre a matéria

Ana Mendes

É documentarista. Atua como fotojornalista multimídia para os principais veículos da mídia independente brasileira, tais como Repórter Brasil, Amazônia Real, Agência Pública e The Intercept Brasil. Nas suas documentações, utiliza a metodologia da fotografia compartilhada e do ‘bem querer’ elaborada pelo fotógrafo J.R Ripper, com quem trabalha há muitos anos. Essa metodologia consiste em compartilhar o material bruto (fotos e vídeos) com as comunidades e povos fotografados na expectativa de selecionar um material condizente com a autoimagem daquela coletividade. Em 2019, o ensaio Pseudo Indígenas, no qual Ana faz intervenções em tinta, nanquim e carvão em imagens dos povos Guarani-Kaiowá e Akroá-Gamella foi vencedor de um dos mais importantes prêmios nacionais de fotografia, o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger. Ana faz parte do IMAGENS HUMANAS, um projeto de J.R Ripper. Para conhecer mais o trabalho dela, acesse: www.imagenshumanas.com.br ou instagram @anamendes_anamendes

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1 Comentário

Silvana de Sousa Rezende disse:

15/07/2018 às 19:45

Conheco esse abençoado Projeto e sua importância para os moradores de toda a Área da Tresidela, que é composta por três Comunidades Eclesias de Base. Crianças, jovens e família, são agraciados com as atividades desenvolvidas pelo projeto. O projeto precisa de mais pessoas que apoem financeiramente, assim eles poderiam ampliar as ações voltadas para o bem viver de tantas famílias.

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