Juarez Silva Jr.

EaD: a Educação a Distância e a conjuntura atual

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 03/09/2019 às 16:42 Atualizado em: 05/09/2019 as 14:02

Hoje, fugindo um pouco das temáticas recorrentes que tenho tratado aqui na coluna, pretendo trazer ao leitor um ponto de vista em outra área, da qual apesar de bem familiarizado, afinal, nela tenho título de especialista, tenho estado um tanto afastado, a EaD.

Para começo de conversa lembro que Educação a Distância se escreve assim mesmo, sem acento. O assunto, apesar de não raro subestimado, é de alta relevância no contexto atual amazônico e nacional. No caso da região amazônica, por suas características de desenvolvimento e logística, o acesso à educação, em especial a superior, é muito prejudicado quando em comparação com outras regiões do país. Porém, o mote desse nosso texto é a relevância estratégica que ganha a EaD em uma conjuntura nacional de premeditado desmonte da educação, sobretudo superior pública, incluindo a pesquisa.

Quando defendi a minha monografia de título “A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO: Um breve relato e reflexões sobre experiências exitosas e possibilidades.”, em 2006, tínhamos um cenário muito promissor tanto em nível internacional, quanto nacional e regional. De lá para cá muito se avançou na aplicação da modalidade. Não imaginava, porém, que uma conjuntura política viria a transformar a EaD em uma ferramenta de resistência e sobrevivência de todo um sistema.

As premissas básicas a justificar o emprego da modalidade seguem as mesmas, a saber, oferta expandida de cursos, flexibilidade de horários, acesso remoto, redução elevada de custos e tempos de deslocamento, melhor aproveitamento para os perfis mais alinhados. Já os contextos sofreram algumas alterações, a começar por uma melhora na infraestrutura geral de telecomunicações, seguidas de amadurecimento tanto dos desenhos instrucionais, quanto do público em relação às novas tecnologias e a modalidade em si, combinada com a consolidação dos projetos de interiorização das IES (Instituições de Ensino Superior), públicas e privadas.

O que agora realmente temos de novo e não previsto é um tremendo ataque à universidade pública brasileira, com inusitados e gigantescos cortes de verbas, incluindo aí todos os níveis de bolsas, ou seja, praticamente inviabilizando a graduação e a pós-graduação nos moldes tradicionais presenciais…, e é aqui que a EaD aparece como alternativa viável para que as instituições e estudantes simplesmente não sejam eliminados por “inanição financeira”.

No trabalho de 2006 eu dizia que a EaD era vista por nações em desenvolvimento como forma de superar dificuldades como capacidade de infraestrutura física, de pessoal e administrativas, distâncias e principalmente custos, mas também como forma de “driblar” as barreiras e desigualdades sociais impostas historicamente, entre elas a “reserva de vagas” não dita para as elites nos cursos de maior prestígio e mobilidade social, mas também oportunizar o acesso dos desprivilegiados a tais cursos e também aos cursos de médio e “baixo” prestígio e potencial de mobilidade. Afinal, os cursos a distância, inclusive os livres, sempre foram desdenhados pelas elites e a classe média; logo, ficavam fora da cobiça e disputa desigual.

Cabe frisar que isso não equivale a aceitar passivamente um “apartheid educacional”, com privilegiados no presencial e não privilegiados no EaD. Agora utilizei no masculino pois estou me referindo a ensino, pois não entendo a modalidade como inferior em qualidade e possível prestígio, pelo contrário, trata-se meramente de aproveitar o preconceito irracional transformando-o em oportunidades efetivas, sem grandes oposições. Na África do Sul, mesmo na época do apartheid, o EaD permitiu tanto a brancos pobres, quanto negros, conquistarem seus diplomas universitários, Mandela por exemplo foi um deles, formando-se em Direito.

Basicamente o que estou querendo dizer, é que o pouco dinheiro que resta aos orçamentos das universidades públicas federais não é suficiente para manter todos os cursos presencialmente, mas talvez possa ser para sustentar um sistema híbrido com alto emprego da EaD. Isso não é exatamente uma novidade nas federais, muitas já o fazem diretamente ou em parceria com o sistema UAB-Universidade Aberta do Brasil. Outras universidades estaduais e privadas também se beneficiam largamente desse mix, a exemplo do “presencial mediado por tecnologia” também chamado “presencial conectado”, utilizado pioneiramente pela UEA-Universidade do Estado do Amazonas, aonde fazem questão de dizer que “não é EaD”, muito embora teoricamente se enquadre no conceito, já que as características basilares da “EaD”, são ter estudantes e professores distantes fisicamente, alta carga de autoinstrução e alguma flexibilização, mesmo que não seja exclusivamente assim em todas atividades.

Particularmente, apesar de entender que o EaD “raiz” e mais benéfico, seja o que permite a maior e quase completa autonomia do estudante, isto é, com inexistentes ou menor número possível de momentos presenciais e síncronos, a exemplo dos antigos cursos por correspondência ou dos atuais cursos online, não deixo de reconhecer o “presencial conectado” como EaD, ou ao menos “Semi EaD”. A utilização de EaD tem hoje maior abrangência nas IES privadas.

Por outro lado, o dos estudantes, a possibilidade de ter cursos, especialmente os de pós-graduação Stricto Sensu, previstos desde a LDB de 1996, pré-regulamentados pelo Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, contra uma extrema “má vontade” da Capes em regulamentar o disposto nele, permitindo assim as ofertas pelas IES, e reafirmados mais recentemente pelo DECRETO Nº 9.057, DE 25 DE MAIO DE 2017, pode além de aumentar a oferta de cursos, reduzir sensivelmente a dependência de bolsas de estudos, já que deslocamentos, gastos pessoais e com moradia e manutenção fora do domicílio original podem ser eliminados ou muito reduzidos, além da possibilidade de manter empregos e atividades econômicas conciliáveis com os estudos. Sei, perfeitamente, que não é o desejável e ideal, nem serve para todas as situações, porém diante da agora demonstrada alta vulnerabilidade do sistema, a ponto de inviabilizar completamente o prosseguimento por boa parte dos estudantes e o próprio ensino e a pesquisa em si, é uma necessidade que precisa passar a ser melhor considerada.

Sinceramente não sei se para além de um suposto plano de “desarticulação ideológica e resistências” promovido pelo governo, há também uma consciente ideia neoliberal de aproximação entre os modelos de IES públicas e privadas, como no caso do programa “Future-se”, forçando a EaD como padrão, aliás, já houve manifestações diversas de simpatia governamental pela EaD, inclusive em outros níveis de ensino, mas nesse justo ponto resta a dúvida. Também particularmente, apesar de não enxergar a EaD por um viés mercantilista neoliberal, logo, divergir de propostas vindas a partir desse puro viés, simplesmente como especialista na modalidade, educador geral e pessoa progressista, acho que é um caminho possível e até desejável.

Ao finalizar, aproveito aqui para parabenizar o pessoal do Centro de Mídias de Educação do Amazonas pelo excelente trabalho de disponibilização e oportunização digital, não apenas pelos conteúdos de ensino fundamental, médio e EJA, além de especializações, mas também de capacitação continuada, aproveitada inclusive entre outros pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, bem como, felicitar os profissionais e estudantes que tem contribuído para essa modalidade libertadora de educação.

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.

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