Philip M. Fearnside

Guerra serve de desculpa para destruição da Amazônia

Paulo Arthur de Abreu Trindade, Juliana de Souza Araújo, Valter Monteiro Azevedo-Santos, Friedrich Wolfgang Keppeler, Tommaso Giarrizzo & Philip Martin Fearnside Em 26 de maio foi publicada na prestigiosa revista Science a versão em inglês do texto que segue sobre […]

Placas da empresa Potassio Brasil sao vistas a margem do rio Madeira na comunidade Indigena Urucurituba do povo Mura, no municipio de Autazes, Amazonas. Na regiao ha uma pressao para que seja liberada a mineracao de potassio e a construcao de um porto para escoar o minerio. Liderancas indigenas da regioa ja sentem a pressao da empresa Potassio Brasil e lutam pela homologacao de sua terra que esta sob analise da FUNAI desde o inicio dos anos 2000 (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 09/06/2022 às 12:31

Paulo Arthur de Abreu Trindade, Juliana de Souza Araújo, Valter Monteiro Azevedo-Santos, Friedrich Wolfgang Keppeler, Tommaso Giarrizzo & Philip Martin Fearnside

Em 26 de maio foi publicada na prestigiosa revista Science a versão em inglês do texto que segue sobre o falso argumento do atual governo federal de que precisa abrir as terras indígenas para mineração para ter fertilizantes com base de potássio para manter o agronegócio brasileira. A publicação em inglês está disponível aqui.

A invasão russa da Ucrânia está fornecendo uma nova desculpa para a destruição da Amazônia. Em 2 de março (7 dias após o início da invasão), o presidente Jair Bolsonaro pediu ao Congresso Nacional que dê urgência à aprovação do PL 191/2020 para abastecer o agronegócio brasileiro com os fertilizantes que o país normalmente importa da Rússia [1]. Em 9 de março, os apoiadores de Bolsonaro no Congresso aprovaram uma moção concedendo status “urgente” ao projeto, permitindo que ele contorne o processo normal do comitê. A moção foi aprovada, mas não foi finalizada por medo de boicotes internacionais aos minerais brasileiros.

O PL 191/2020 abriria as terras indígenas para mineração, hidrelétricas, extração de madeira, pecuária e agricultura industrial por empresários e empresas não indígenas [2]. Foi submetido ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020 pelo Presidente Bolsonaro e ganhou prioridade em fevereiro de 2021 quando as duas casas do Congresso Nacional foram capturadas pela coalizão de partidos que apoiam a agenda antiambiental de Bolsonaro [3]. No entanto, ele parou até a invasão da Ucrânia.

As terras indígenas são essenciais para a manutenção dos serviços ambientais da floresta amazônica brasileira, uma vez que essas terras protegem mais florestas do que as unidades de conservação federais [4]. A justificativa alegada para aprovar o projeto de lei é a suposta necessidade de extrair potássio, um componente-chave dos fertilizantes, da mina de Autazes, no estado do Amazonas. No entanto, Autazes não está localizada em terras indígenas oficialmente reconhecidas, tornando a aprovação do projeto irrelevante para esse objetivo [5]. Além disso, a Rússia não é a única fonte mundial de potássio: outros países, liderados pelo Canadá, são grandes fornecedores internacionais [6]. Mesmo dentro do Brasil, a mineração da Amazônia não é necessária para obter potássio. Os maiores depósitos de potássio estão no estado de Minas Gerais, e os depósitos do Brasil fora da Amazônia poderiam fornecer potássio ao país até pelo menos 2100 [7].

A aprovação do PL 191/2020 não atingiria os objetivos articulados por seus apoiadores. Mesmo que afetasse o status da mina planejada em Autazes, o projeto não seria funcional a tempo de resolver a escassez de fertilizante prevista no Brasil para o próximo ano. As importações terão de complementar a oferta. As principais mineradoras do Brasil agora se opõem ao PL191/2020 [8]. Atores internacionais, incluindo as empresas canadenses investidas em Autazes [9], não devem concordar em iniciar este projeto devido aos falsos pretextos sob os quais o projeto de lei está sendo avançado. Além disso, se o projeto de lei entrar em vigor sem alterações, importadores de minerais devem seguir com potenciais boicotes para deixar claro que as ações irresponsáveis do Brasil têm consequências. [10]

A imagem que abre este artigo pé de autoria de Bruno Kelly/Amazônia Real e mostra placa da mineradora Potássio Brasil na aldeia Soares do povo Mura em Autazes, Amazonas.

Notas:

[1] Coletta, R.D. 2022. Bolsonaro usa possível falta de fertilizantes da Rússia para defender mineração em terras indígenas,” Folha de São Paulo, 02 de março de 2022. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/bolsonaro-usa-possivel-falta-de-fertilizantes-para-defender-mineracao-em-terras-indigenas.shtml?origin=folha

[2] Câmara dos Deputados. 2020. PL 191/2020 www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2236765

[3] Ferrante, L. & P.M. Fearnside, 2021. Reviravolta no Congresso Nacional ameaça Amazônia. Amazônia Real, 09 de março de 2021.https://amazoniareal.com.br/reviravolta-no-congresso-nacional-ameaca-a-amazonia/

[4] Nogueira. E,M., A.M. Yanai, S.S. Vasconcelos, P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. 2018. Brazil’s Amazonian protected areas as a bulwark against regional climate change. Regional Environmental Change 18(2): 573-579. https://doi.org/10.1007/s10113-017-1209-2

[5] Santilli, M. 2022. Bolsonaro mente sobre potássio em terras indígenas. NeoMondo, 09 de março de 2022. https://neomondo.org.br/2022/03/09/bolsonaro-mente-sobre-potassio-em-terras-indigenas/

[6] Government of Canada. 2022. Potash facts. www.nrcan.gc.ca/our-natural-resources/minerals-mining/minerals-metals-facts/potash-facts/20521

[7] Pimentel, T. 2022. Estudo da UFMG contradiz Bolsonaro sobre exploração de potássio em terras indígenas para fertilizantes. g1 Minas, 07 de março de 2022. https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/03/07/estudo-da-ufmg-contradiz-bolsonaro-sobre-exploracao-de-potassio-em-terras-indigenas-para-fertilizantes.ghtml

[8] Pajolla, M. 2022. Após repercussão negativa, mineradoras abandonam defesa de PL que atinge terras indígenas. Brasil de Fato, 15 de março de 2022. www.brasildefato.com.br/2022/03/15/apos-repercussao-negativa-mineradoras-abandonam-defesa-de-pl-que-atinge-terras-indigenas

[9] Boadle, A. 2022. Bolsonaro pushes for mining on Brazil’s indigenous lands, citing fertilizer pinch. NASDAQ, 09 de março de 2022. www.nasdaq.com/articles/bolsonaro-pushes-for-mining-on-brazils-indigenous-lands-citing-fertilizer-pinch.

[10] Este texto é uma tradução de: Trindade^,P.A.A., J.S. Araújo, V.M. Azevedo-Santos, F.W. Keppeler, T. Giarrizzo & P.M. Fearnside. 2022. War serves as excuse for Amazon destruction. Science 376: 928-929. https://doi.org/10.1126/science.abq3611

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br