Philip M. Fearnside

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

Ao começar o enchimento do reservatório, uma mortandade de peixes no rio a jusante da hidrelétrica chocou os residentes locais. A quantidade de peixes mortos nos 27 km de extensão do rio abaixo da barragem foi estimada em 13 […]

Obras da usina hidrelétrica de Sinop (Foto: Sinop Energia)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 08/03/2019 às 12:00

Ao começar o enchimento do reservatório, uma mortandade de peixes no rio a jusante da hidrelétrica chocou os residentes locais. A quantidade de peixes mortos nos 27 km de extensão do rio abaixo da barragem foi estimada em 13 toneladas [1]. Deste total, 5 toneladas foram retiradas para enterro pela empresa (Figura 2) e o restante, estimado em 8 toneladas, foi deixado no rio (Figura 3).

Figura 2. Peixes mortos coletados pela empresa no rio Teles Pires abaixo da barragem de Sinop em 07 de fevereiro de 2019, durante a fase de enchimento do reservatório (Foto: N. Flausino Júnior).

Figura 3. Peixes mortos no rio Teles Pires abaixo da barragem de Sinop em 07 de fevereiro de 2019, durante a fase de enchimento do reservatório (Foto: N. Flausino Júnior).

A empresa hidrelétrica havia apresentado resultados de modelagem feita por consultores indicando que o teor de oxigênio no corpo principal do reservatório (a parte de onde a água é liberada rio abaixo pelos vertedouros) seria acima do padrão mínimo de 5 mg por litro fixado pela Resolução n° 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) ([2], p. 130-197; [3]).

No entanto, os eventos reais foram diferentes dos resultados modelados: em 06 de fevereiro de 2019, a água liberada do reservatório continha uma quantidade minúscula de oxigênio: três medidas feitas pela Politec (Perícia Oficial e Identificação Técnica) de Cuiabá constataram teores de 0,13, 1,32 e 1,56 miligramas (mg) de oxigênio dissolvido por litro (Figura 4), ou seja, uma média de apenas 1,00 mg por litro. Outra medida no mesmo dia, feita pela Politec de Sinop, constatou 1,96 mg por litro [4].

Figura 4. Medidas por Politec (Perícia Oficial e Identificação Técnica) indicando teores de 0,13, 1,32 e 1,56 mg de oxigênio dissolvido por litro na água saindo da barragem em 06 de fevereiro de 2019.

Com raras exceções, peixes não conseguem sobreviver em água com oxigênio tão baixo. A exigência de oxigênio depende da temperatura da água: quanto mais quente a água, maior o teor de oxigênio que um peixe precisa (e.g., [5]).

Quando as medidas de teor de oxigênio foram feitas na saída do reservatório, a temperatura da água era 28,3 °C (Figura 4), ou seja, uma temperatura relativamente alta, implicando alta exigência de oxigênio pelos peixes.

Certamente, as exigências das espécies no rio Teles Pires eram muito maiores do que os teores que foram constatados na água. Por exemplo, como regra geral, 5 mg de oxigênio dissolvido por litro é considerado necessário para peixes tropicais em piscicultura [6].

Para piorar a situação ainda mais, havia uma alta carga de sedimentos na água abaixo da barragem, atribuída à turbulência na saída dos vertedouros ter mobilizado sedimentos do leito do rio [1]. No entanto, os peixes teriam morrido nas condições de oxigênio constatadas, mesmo sem os sedimentos adicionais.

A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA) multou a Sinop Energy em R$ 50 milhões pela mortandade de peixes [7], mas considera que a causa está limitada ao excesso de sedimentos e deve-se a um erro de gestão a empresa na forma como abriu as comportas do vertedouro.

No entanto, uma ação civil pública iniciada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso acusa não só a Sinop Energia, mas também a firma de consultoria contratada para elaborar um estudo de modelagem da qualidade da água e a SEMA por permitir que o reservatório seja enchido com base no estudo sem supressão adequada da vegetação; o caso foi transferido da esfera estadual para os tribunais federais [8], onde a recomendação ao juiz pelo Ministério Público Federal é para parar o enchimento do reservatório e exigir depósitos de valores pendente resolução final do caso, que continua a apuração, em regime “urgente”, para determinar a causa da mortalidade de peixes [9]. [12]

Notas

[1] Flausino Júnior, N. & R.M.G. Ventura. 2019. Vistoria na UHE Sinop referente a mortandade de peixes. Relatório Técnico Nº 158/2019. 15ª e 16 ª de Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Natural, Cuiabá, Mato Grosso.

[2] CES (Companhia Energética Sinop). 2016. Solicitação de autorização de supressão de vegetação – ASV da área do reservatório. Sinop-MT, dezembro-2016. 246 p.

[3] EON Consultoria e Planejamento S/C Ltda. 2018. A EON Consultoria e Planejamento S/C Ltda vem através desta responder as demandas da SEMA apresentadas em Parecer Técnico, datado de 25 de abril de 2018. EON, São Paulo, 12 de junho de 2018.

[4] Flausino Júnior, N. 2019. Modelagem matemática para supressão de vegetação na UHE Sinop para tomada de decisão Relatório Técnico Nº 159/2019. 5ª e 16 ª de Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Natural, Cuiabá, Mato Grosso.

[5] Gurgel, J.J.S. & J.E. Vinatea. 2019. Métodos de aumento da produtividade aquática natural.

[6] CTP (Centro de Produções Técnicas). 2019. Oxigênio: o gás vital para os peixes.

[7] Maisonnave, F. 2019. Poluição provocada por usina em MT provoca mortandade de 13 toneladas de peixes. Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 2019.

[8] Curvo, R.R. 2019. Assunto: Por dano ambiental, vindos do plantão cível protocolado com o cód.1370390. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Cuiabá, 12 de fevereiro de 2019.

[9] Giardini, F. 2019. Autos do processo nº 1000543-12.2019.4.01.3603. Ministério Público Federal, Procuradoria da República, Sinop, Mato Grosso, 15 de fevereiro de 2019. 10 pp.

[10] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018.

[11] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay 01 de março de 2019.

[12] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [10]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [11].

Leia o primeiro artigo da série A Hidrelétrica de Sinop

A imagem que abre este artigo é das obras da usina hidrelétrica de Sinop (Foto: Sinop Energia)

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br