A Hidrelétrica de Sinop: 8 – Metilização de mercúrio

Um impacto relacionado com a emissão de metano é a metilização de mercúrio. Este processo ocorre em ambientes sem oxigênio, como nos sedimentos no fundo de um reservatório. Quimicamente, o processo de “metilização”, ou seja, o acréscimo de um […]

UHE Sinop (PAC)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 05/05/2019 às 00:14

Um impacto relacionado com a emissão de metano é a metilização de mercúrio. Este processo ocorre em ambientes sem oxigênio, como nos sedimentos no fundo de um reservatório. Quimicamente, o processo de “metilização”, ou seja, o acréscimo de um grupo metil (CH₃), neste caso ligando a um átomo de mercúrio (Hg), é quase idêntico ao processo de “metanogênese”, ou seja, a formação de metano (CH₄). A forma metil de mercúrio é a forma altamente tóxica, inclusive para humanos.

O mercúrio elemental (não venenoso) está presente nos solos da Amazônia, mesmo sem acréscimos devido à atividade garimpeira. Por terem milhões de anos de antiguidade, os solos amazônicos têm acumulado mercúrio recebido na chuva ao longo deste tempo. Cada vez que há uma irrupção vulcânica no mundo, mercúrio é lançado na atmosfera, onde se espalha pelo planeta inteiro e é depositado pela chuva. O passo crítico é fornecer ambientes para metilização.

Mesmo em reservatórios sem nenhuma atividade garimpeira, como Balbina, o teor de mercúrio é alto. Após a metilização, o mercúrio passa por plancto e peixes, concentrando por um fator de aproximadamente dez em cada elo da cadeia alimentar. O teor de mercúrio é alto em peixes predadores, como nos tucunarés que geralmente dominam as capturas em reservatórios amazônicos.

Quando estes peixes são consumidos por humanos, o teor sobe ainda mais. Os organismos dos animais, inclusive humanos, não têm meios para remover o mercúrio, que, então, acumula ao longo da vida toda.

Residentes nas margens de Tucuruí têm altos níveis de mercúrio no cabelo [1, 2]. Também é o caso em Balbina [3-5] (Figura 9), e é uma preocupação em Samuel [6].

Mercúrio causa gravíssimos impactos na saúde humana, embora pode levar décadas de acumulo para chegar aos níveis críticos. Quando o acumulado chega a este nível, o resultado é trágico e irreversível, como mostrado por tragédias como a de Minamata, no Japão [7]. [10]

Figura 9. Variação histórica dos níveis de mercúrio da hidrelétrica de Balbina após o represamento. A Linha azul indica a concentração em peixes (tucunaré: Cichla spp.) e a linha vermelha indica a concentração nos cabelos de moradores que se alimentam de peixe.

A queda abrupta no nível no cabelo humano após 1999 se explica pelo fechamento do reservatório para pesca comercial em 1997. Fonte: [3], baseado em dados de [5] para os anos 1992-2000 e de B.R. Forsberg (não publicado) para 2003.

Notas

[1] Leino, T. & M. Lodenius. 1995. Human hair mercury levels in Tucuruí area, state of Pará, Brazil. The Science of the Total Environment. 175:119–125.

[2] Fearnside, P.M. 1999. Social impacts of Brazil’s Tucuruí Dam. Environmental Management 24(4): 483-495. Tradução em português.

[3] Forsberg, B.R., Melack, J.M., Dunne, T., Barthem, R.B., Goulding, M., Paiva, R.C.D., Sorribas, M.V. & Silva, Jr., U.L. 2017. The potential impact of new Andean dams on Amazon fluvial ecosystems. PLoS ONE, 12(8), art. e0182254.

[4] Kehrig, H.A., O. Malm, H. Akagi, J.-R.D. Guimarães & J.P.M. Torres. 1998. Methylmercury in fish and hair samples from the Balbina Reservoir, Brazilian Amazon. Environmental Research 77(2): 84-90.

[5] Weisser, S.C. 2001. Investigation of the history of mercury contamination in the Balbina Reservoir, Amazon, Brazil. Dissertação de mestrado em toxicologia ambiental, Universität Konstanz, Konstanz, Alemanha, 66 p.

[6] Fearnside, P.M. 2005. Brazil’s Samuel Dam: Lessons for hydroelectric development policy and the environment in Amazonia. Environmental Management, 35, 1-19. Tradução em português.

[7] Harada, M. 1995. Minamata disease: Methylmercury poisoning in Japan caused by environmental pollution. Critical Reviews in Toxicology 25(1): 1-24.

[8] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018.

[9] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay, 01 de março de 2019.

[10] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [8]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [9].

A fotografia que abre este artigo é da obra da usina hidrelétrica Sinop (Foto: PAC)

Leia os outros artigos da série:

A Hidrelétrica de Sinop

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

A Hidrelétrica de Sinop: 3 – As explicações da empresa

A Hidrelétrica de Sinop: 4 – O processo de licenciamento

A Hidrelétrica de Sinop: 5 – Floresta morta e peixes em reservatórios

A Hidrelétrica de Sinop: 6 –Floresta morta e gases de efeito estufa

A Hidrelétrica de Sinop: 7 – Sinop como emissor de gases de efeito estufa

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br