Povos Indígenas

Lideranças indígenas torcem para Raoni ganhar o Nobel da Paz

A candidatura ao prêmio foi lançada pela Fundação Darcy Ribeiro, que destacou a dedicação e luta do cacique Kaiapó pelos direitos dos indígenas e pela preservação da Amazônia (Foto: Alberto César Araújo/2011) Manaus (AM) – Lideranças indígenas brasileiras expressaram, em entrevista à agência […]

O cacique Raoni com o cineasta James Cameron durante o Fórum Mundial de Sustentabilidade em 25 de março de 2011 em manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Por Elaíze Farias Publicado em: 19/09/2019 às 03:09

A candidatura ao prêmio foi lançada pela Fundação Darcy Ribeiro, que destacou a dedicação e luta do cacique Kaiapó pelos direitos dos indígenas e pela preservação da Amazônia (Foto: Alberto César Araújo/2011)

Manaus (AM) – Lideranças indígenas brasileiras expressaram, em entrevista à agência Amazônia Real, orgulho e alegria pela indicação do cacique Raoni Metuktire ao Prêmio Nobel da Paz 2020. A candidatura foi formalizada na semana passada pela Fundação Darcy Ribeiro (Fundar), com apoio de ambientalistas e indigenistas, junto ao Comitê do Prêmio Nobel em Oslo, na Noruega, instituição responsável pela escolha dos vencedores há 118 anos.

Ao lançar a indicação, a Fundar reconheceu os méritos de Raoni Metuktire enquanto líder de renome mundial. “Do alto de seus 90 anos, dedicou sua vida à luta pelos direitos dos indígenas e pela preservação da Amazônia”, justificou a Fundar ao lançar a campanha internacional e a hashtag #raoninobeldapaz2020 nas redes sociais.

A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, disse à reportagem que apoia a candidatura de Raoni ao Nobel da Paz. “Considero superimportante a indicação do cacique Raoni para o Nobel da Paz, por ser uma liderança tradicional de grande relevância, comprometida com os Direitos da Mãe Terra e que dedicou toda a sua vida para salvar a Amazônia. Eu apoio o Cacique Raoni para o Nobel 2020”, disse Sonia.

Raoni, com lideranças do Xingu, protesta contra a obra de Belo Monte, no Pará
(Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace/EVE/2009)

O líder indígena Marcos Apurinã, do Amazonas, disse que o cacique Raoni é uma “lenda viva” e um “defensor das causas indígenas e da natureza”. “Não tenho nem palavras, além de dizer que sinto muito orgulho em falar dele. Para mim, ele é uma lenda. Nos representa como um ‘deus’ para os povos indígenas. É o nosso grande cacique para nós indígenas de hoje e para as futuras gerações. É um exemplo vivo de compromisso em defesa das minorias. Espero que ele ganhe [o Nobel] porque é merecedor”, disse.

Marcos Apurinã ainda destacou que Raoni já se reuniu com várias autoridades internacionais proeminentes para reivindicar a proteção e a justiça aos povos indígenas, reforçando a credibilidade do líder Kaiapó como representante não apenas de sua etnia, como também de todos os indígenas do país.

“A gente reconhece ele como nosso grande líder, nosso representante legal. Infelizmente, ainda tem pessoas que o criticam, porque não querem o bem-estar dos povos indígenas. É o caso do presidente Bolsonaro, que disse que não reconhecia Raoni como líder. Mas ele não tem que reconhecer nada. Ele não é indígena. Eu pergunto: quem é Bolsonaro? De onde ele veio? Quando os europeus e as famílias deles chegaram aqui, destruindo nosso mundo, o Raoni e a família dele já estavam aqui. Ele é um sobrevivente dos massacres causados pelos invasores. O presidente diz que nós indígenas atrapalhamos o desenvolvimento. Mas o desenvolvimento que ele quer é pistolando e matando as lideranças indígenas”, desabafou Marcos Apurinã.

Outro líder indígena histórico, Ailton Krenak, também falou da importância da indicação do cacique Kaiapó. Para ele, Raoni é hoje “a maior autoridade tradicional dos povos indígenas”, que tem entre seus anfitriões reis e príncipes, primeiros-ministros e presidentes de outros países, além de autoridades como o Papa Francisco e o Dalai Lama, estes seus amigos, segundo Ailton.

Para ele, o líder indígena Raoni “é o homem sem cargo político e nem mesmo tem vínculo com organizações públicas ou político-partidárias”.

“Tem visibilidade positiva e mensagem contundente contra a destruição das florestas. Vamos reunir outros atributos do chefe, aqueles de sua biografia nunca escrita, de um mestre da oratória Kaiapó, grande guerreiro da paz entre seus irmãos indígenas do Brasil e do mundo. Um homem do seu tempo, capaz de viver com nada! ”, descreveu Ailton Krenak, que é escritor e líder do povo Krenak, de Minas Gerais.

A defesa da Amazônia

Há 30 anos Raoni e o Sting viajaram pelo mundo em defesa da Amazônia
(Foto: Rogério Assis/ISA/26/05/2017)

Raoni Metuktire é o líder indígena do Brasil de maior projeção nacional e internacional. Em 2019, ele voltou a viajar pelo mundo, pedindo apoio à causa indígena brasileira. Em abril, o cacique participou do Festival de Cinema de Cannes, o principal evento de cinema da França, com grande projeção internacional. Também se reuniu com o presidente francês Emmanuel Macron, quando também pediu apoio à Floresta Amazônica.

Em maio, ele foi recebido pelo Papa Francisco, no Vaticano. Na audiência, foi discutida a preparação para a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos, que acontece em outubro, e cujo tema será a Amazônia.

A luta de Raoni, contudo, não é nova. Há mais de 30 anos ele atua em defesa de seu povo, pela demarcação do território Kaiapó e pela preservação da Amazônia. Com apoio do cantor inglês Sting, Raoni ganhou notoriedade, quando se opôs à barragem Kararaô, que afetaria o rio Xingu. A obra foi interrompida, mas o projeto voltou 20 anos depois, com outro nome: Usina de Belo Monte. A obra obrigou Raoni a empreender uma nova turnê internacional de combate à hidrelétrica, mas desta vez, não teve êxito. A usina hidrelétrica foi construída no governo de Dilma Rousseff (PT) e inaugurada em 2016.

Símbolo da Amazônia

Sydney Possuelo e o cacique Raoni Metuktire Kayapó, em Brasília
(Foto: Instituto Indigenista/12/09/2019)

O sertanista Sydney Possuelo, que se reencontrou com Raoni no último dia 12, no retorno do líder Kaiapó de uma viagem à Europa, também manifestou apoio à candidatura do líder indígena ao prêmio Nobel da Paz 2020. Ele descreveu Raoni não apenas como um líder dos Metuktire, mas como um símbolo dos povos indígenas e da Amazônia.

“É necessário que a Europa, através da Academia do Nobel, reconheça a luta deste autêntico líder indígena que sempre lutou pelos povos indígenas amazônicos. Conheço Raoni desde meus 19 anos e digo tratar-se de um homem simples, sem vaidades, que sempre lutou pela liberdade e respeito que nossa sociedade e o Governo devem ter para com eles”, disse Possuelo à Amazônia Real.

O sertanista, que foi presidente da Funai, afirma que, de certa forma, “necessitamos reconhecer que os povos indígenas fazem parte da sociedade humana e sobre eles pairam, também, os mesmos Direitos Humanos que nos protegem”.

Indagado sobre como Raoni reagiu à notícia de sua candidatura ao prêmio Nobel, Possuelo respondeu: “Raoni, como já disse, é homem de grande simplicidade e a vaidade ou o desejo que nos envolveria, não o atinge”.

Primeiro indígena brasileiro

Raoni durante o Acampamento Terra Livre 2019, em Brasília
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Em nota divulgada na sua rede social, a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) diz que já iniciou o processo formal da indicação oficial do Cacique Raoni junto ao Comitê do Prêmio Nobel da Paz da Noruega.

“Na recente campanha, realizada em maio de 2019, o cacique Raoni defendeu, novamente, a preservação do meio ambiente e os direitos dos povos indígenas e alertou o mundo sobre o desmatamento da Amazônia e sobre as ameaças advindas do agronegócio, garimpeiros, mineradoras, grileiros e madeireiros predadores das florestas que abrigam os povos indígenas e as populações ribeirinhas”, diz a nota da Fundar.

“Por tudo o que representa, o cacique Raoni Metuktire, legítimo representante dos povos originários do Brasil, merece ser o primeiro brasileiro a conquistar, em 2020, o Prêmio Nobel da Paz! ”, finaliza a nota.

O Prêmio Nobel da Paz foi criado pelo inventor da dinamite, o sueco e químico Aldred Nobel (1833-1896), com o objetivo de premiar anualmente as pessoas que mais contribuíram para o desenvolvimento da Humanidade. A Fundação Nobel, criada em 1900, concede cinco premiações distintas: Química, Física, Medicina, Literatura e Paz Mundial.

Uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz pode ser enviada por qualquer pessoa qualificada para indicação, segundo diz o Comitê Nobel da Noruega, que é responsável por selecionar os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz. O processo começa no mês de setembro. Os ganhadores serão premiados no mês de dezembro em Oslo, na Noruega, durante a cerimônia onde recebem uma medalha, diploma Nobel e um documento confirmando o valor do prêmio. Os nomes vencedores serão conhecidos em outubro.

O primeiro laureado com Nobel da Paz foi o suíço Jean-Henri Dunant (1828-1910), fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em 1901. Desde então foram 99 vencedores do prêmio, entre eles, Martin Luther King (1929-1968), em 1964, Nelson Mandela (1918-2013), em 1993, e a mais jovem laureada; Malala Yousafzai, com 17 anos, em 2014.

A Fundação Dacy Ribeiro (Fundar) foi criada em 1996 pelo antropólogo, etnólogo, educador e político brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997). Em 1961, como funcionário do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ajudou a criar o Parque Nacional do Xingu. No governo do presidente João Goulart, Ribeiro foi ministro da Educação (1962-1963). Após sua morte a Fundar continuou em atividade como uma instituição dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de projetos educacionais, culturais, sociais e científicos, conforme consta no site da instituição, que tem sede no Rio de Janeiro.

Raoni durante cerimônia de entrega da Medalha de Honra ao Mérito Indigenista, em Brasília em 19/12/2017- (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O cacique Raoni durante o Fórum Mundial de Sustentabilidade em 5 /03/2011 em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O cacique Raoni durante o Fórum Mundial de Sustentabilidade em 25 /03/2011 em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Raoni com o cineasta James Cameron durante o Fórum Mundial de Sustentabilidade em 25 /03/2011 em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Raoni durante o Acampamento Terra Livre 2019, em Brasília (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O cacique Raoni e a delegação de indígenas que foram à Europa em 2019 em Bruxelas (Foto: Association Forêt Vierge)
Vaticano 27/05/2019 - O cacique Raoni Metuktire e o Papa Francisco (Foto Vatican Media)
Raoni e comitiva com o presidente da França Emmanuel Macron em Biarritz durante o Encontro do G7 em 25 de agosto de 2019 (Foto: Soazig de la Moissonniere / Présidence de la République)
Raoni e comitiva com o presidente da França Emmanuel Macron em Biarritz durante o Encontro do G7 em 25 de agosto de 2019 (Foto: Association Forêt Vierge)
Raoni na margem do rio Sena em Paris em 2019 (Foto: Association Forêt Vierge)
Raoni observa fotografia histórica que mostra ele apertando a orelha do ministro Mario Andreazza nos anos 80 durante a exposição de 30 anos da Luta pelos direitos indígenas em Brasília (Foto Oswaldo Braga de Souza- ISA)
O cacique Raoni chegando na Terra Indígena do Xingu (Foto: Association Forêt Vierge)
O cacique Raoni na Terra Indígena do Xingu (Foto: Association Forêt Vierge)
O cacique Raoni na Terra Indígena do Xingu (Foto: Association Forêt Vierge)

Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia com o crédito do autor e da agência Amazônia Real.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, crise climática, violências socioambientais e impactos de grandes empreendimentos na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel de 2013. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).