Lixeira de Parintins é a ponta da crise ambiental da ilha

Por Amazônia Real Publicado em: 24/11/2015 às 17:22

RENAN ALBUQUERQUE

A crônica situação em que se encontra a lixeira pública de Parintins, a 375 km de Manaus, porção leste do Estado, é resultado de anos de política pública incoerente com a realidade do município. É exemplo de falta de foco e prioridade do Estado no bioma. Foram mais de R$ 50 milhões investidos nos últimos dois anos – e isso para ficar apenas em 2013 e 2014 – com o boi-bumbá (infraestrutura e patrocínios) e nem a décima parte desse volume chegou a ser destinada de maneira correta para a recuperação da lixeira parintinense, que hoje é um dos mais significativos vertedouros de fumaça tóxica e chorume do Baixo Amazonas.

Não pretendo entrar no mérito do que é mais importante, o boi ou a lixeira, a cultura ou a plenitude psicofísica. Enfim, a realidade se inscreve em consequência de si mesma.

Soma-se a esse cenário crítico o fenômeno natural El Niño, que fez o calor de 2015, em nível global, ser o mais severo historicamente desde o início dos registros oficiais, conforme apontam dados do Hadley Center, afetando sintomaticamente a situação da Floresta Amazônica como um todo por causa da seca. A falta de ações de educação ambiental junto à população da ilha também foi um dos vetores que impulsionaram o declínio da governança sobre a lixeira pública.

Na semana que passou, mais uma audiência foi realizada para discutir o problema. Salvo um melhor juízo, é a quinta já organizada em diferentes níveis, apenas de 2013 até hoje. Sinceramente, aguardo resultados efetivos após a reunião, mas como se deu em 2007, na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, que foi o lugar de ao menos três reuniões para se discutirem possibilidades sobre o desmatamento zero para a Amazônia, é difícil acreditar em políticas públicas sem a devida governança estabelecida no município.

E o pior é que a lixeira é apenas um dos inúmeros problemas socioambientais vividos atualmente na Ilha Tupinambarana. Esgotamento indevido de recursos naturais de toda a monta é o que se nota. Evidente que os turistas que passam de três a seis dias aproveitando a beleza cênica desde a preparação do Festival Folclórico dos Bois até o último dia de arena (na reta final da apresentação) não conseguem se dar conta do cenário catastrófico onde se meteram: é realizada uma maquiagem no centro da cidade para empurrar e esconder o lixo para as zonas de periferia. Anualmente é o que ocorre e o caso da lixeira é emblemático. Assim o turista acredita que está visitando realmente um lugar onírico, onde tudo é festa porque a bela natureza assim permite.

Se uma pessoa desavisada for a São Paulo, hospedar-se em um hotel de luxo e passar uma semana apenas visitando exposições e ateliês da avenida Paulista e Higienópolis poderá ter a mesma sensação, de que está em uma das menos poluídas cidades do mundo para se viver. Se essa mesma pessoa passar uma semana hospedada em um puxadinho de Capão Redondo, a realidade observada será outra, certamente. Não se trata de São Paulo ser boa ou ruim. A questão é ponto de vista, guardadas as proporções de minha esdrúxula comparação.

Pois bem, os turistas do boi mal imaginam que a bela natureza da qual pensam desfrutar tem sido saturada, agredida e violentada por contaminações, degradações e poluições em diferentes escalas em Parintins. São mananciais, terras de várzea, territórios indígenas e plantações agrofamiliares que estão sendo destruídas em aceleração constante. Uma destruição sem sentido porque existem tecnologias e técnicos na cidade prontos a ajudar na solução do problema. Mas é uma tarefa árdua dialogar com o governo local. É plenamente possível se propor alternativas menos agressivas e correlacionadas com ações sustentáveis que contemplem particularidades amazônicas. Mas infelizmente o cenário é desolador na ilha.

Em 40 dias 2015 vai acabar e será mais um ano sem ações sustentáveis socioambientais na Ilha. Daí me questiono: até quando os deuses mitológicos Sateré-Mawé e Hixkaryana vão aguentar a natureza como está? O céu já está perto de cair e nós, brancos, só estamos forçando a queda, como ensina David Kopenawa Yanomami. Seria interessante, no futuro, considerarmos a possibilidade de fugir realmente para o mundo mítico do nusoken (lugar ideal dos Sateré-Mawé), onde as pedras falam e os animais são gente. Lá, talvez, a vida seja menos difícil.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

Reportagem Noticiosa

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