Cobertura Covid19 Amazônia

Mineradora Nexa escondeu casos de coronavírus entre operários

A empresa ficou quatro dias com as atividades paradas por decisão da Justiça do Trabalho do Mato Grosso (Imagem área da mineradora/Foto: reprodução) Cuiabá (MT) – A mineradora Nexa Resources, integrante da multinacional brasileira Grupo Votorantim, produz zinco, chumbo, cobre, […]

Por Marcio Camilo Publicado em: 12/05/2020 às 00:24

A empresa ficou quatro dias com as atividades paradas por decisão da Justiça do Trabalho do Mato Grosso (Imagem área da mineradora/Foto: reprodução)

Cuiabá (MT) – A mineradora Nexa Resources, integrante da multinacional brasileira Grupo Votorantim, produz zinco, chumbo, cobre, prata e ouro e contrata mais de 1.500 trabalhadores na Serra do Expedito, a 25 quilômetros da cidade de Aripuanã, que fica no extremo norte do Mato Grosso. Há dois meses, a empresa está realizando 14 dias de isolamento social para prevenir a disseminação do novo coronavírus em 100% dos empregados e terceirizados que chegam ao município.

A medida foi tomada pela mineradora após um inquérito do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso (MPT) constatar que dos 20 casos suspeitas de Covid-19 em Aripuanã, 14 se referiam às empresas, sendo um confirmado, em operários terceirizadas da Nexa, mas a empresa escondeu os casos das autoridades de saúde.

Por conta da ação do MPT, a Justiça do Trabalho paralisou as atividades da mineradora de 9 a 12 de abril sob pena de multa de R$ 1 milhão. São réus da ação as empresas Votorantim Metais Zinco S/A (representante da Nexa), Andrade Gutierrez Engenharia S/A e Construcap CCPS Engenharia e Comércio S/A.

O estado do Mato Grosso registrou até domingo (5), 519 casos confirmados de Covid-19 e 18 mortes, segundo dados das secretarias municipais divulgados pela plataforma Brasil.io.

O município de Aripuanã notificou três casos da doença e uma morte por coronavírus. A vítima era um morador de 34 anos – não vinculado às atividades da mineradora Nexa. Ele ficou cinco dias internado numa Unidade de Terapia (UTI) na cidade de Sinop, a mais de 400 quilômetros de Aripuanã.

Com o risco de que a Covid-19 saia de controle tanto nas minas subterrâneas quanto na cidade, já que a atividade de mineração (garimpo de ouro) é a maior fonte da economia da região, a prefeitura de Aripuanã decretou a situação de emergência e o isolamento social da população em 18 de março. São mais de 22 mil habitantes.

Aripuanã fica a 1.200 quilômetros de distancia de Cuiabá. O município anunciou que se prepara para o pior e está investindo mais de 1 milhão de reais no sistema de saúde que é precário e não tem condições de suportar a pandemia de coronavírus. No entorno da região há territórios indígenas de povos como Cinta-Larga, Kaiaby, Apiaká e Arara do Rio Branco.

“Maquiagem” na pandemia

Túnel onde operários trabalham em mina (Foto: reprodução Nexa)

Os documentos obtidos pelo Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso revelaram que as empresas Votorantim, representante da Nexa Recursos Minerais S.A., Andrade Gutierrez e Construcap estavam maquiando o número de suspeitas da Covid-19 entre os operários. Isso gerou subnotificações dos casos na estatística realizada pelo comitê local de enfrentamento da pandemia no município de Aripuanã.

A secretária municipal de Planejamento, Marcia Thomazi, informou que a construtora Andrade Gutierrez deixou de reportar casos suspeitos de coronavírus no canteiro de obras. Outra empresa (não revelada no inquérito), contratada pela Nexa, teria orientado seus funcionários a não procurarem um posto de saúde em caso de suspeita da doença. Essa informação foi descoberta por conta de uma ata de uma enfermeira integrante da Secretaria Municipal de Saúde (Samusa).

Também consta no inquérito que o gerente-geral de mineração da Nexa, Rodrigo Pasquali da Fonseca, defendeu que os funcionários não procurassem uma unidade de saúde e optassem por “canais eletrônicos de consulta divulgados previamente pelas autoridades técnicas”. Alegou ao MPT que o procedimento era uma orientação do Ministério de Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS) e que sua intenção com isso era não lotar as unidades de saúde de Aripuanã. Ele ressaltou que havia risco de caos social e que “não podia obrigar pessoas a ficarem em casa” e que a melhor saída foi mantê-los trabalhando para evitar um foco endêmico na cidade.

No entanto, uma enfermeira do Samusa, que prestou depoimento, disse que as informações omitidas eram fundamentais para o município ter o controle real de disseminação da doença entre os operários e para desenvolver políticas públicas de enfrentamento à pandemia na cidade.

O MPT destacou que os trabalhadores operam a todo vapor na mineração em minas subterrâneas, locais de alto risco de contágio e disseminação do vírus pela insalubridade e falta de ventilação.

“Os trabalhadores do empreendimento, com a continuidade das atividades, não podiam seguir as orientações de isolamento social determinado pelas autoridades internacionais e nacionais, nem mesmo em seus períodos de descanso, já que estavam alojados, que além da construção civil, que por si só já é uma atividade em que há aglomeração de pessoas, as minas já em atividade são subterrâneas, com inevitável proximidade entre trabalhadores em ambiente com ventilação limitada”, destaca trecho do inquérito assinado pelo promotor de justiça de Aripuanã, Carlos Frederico Regis de Campos.

O juiz da Vara do Trabalho de Juína, que atende a Comarca de Aripuanã, Adriano Romero da Silva, ressaltou que havia um “enorme risco de disseminação do coronavírus” na cidade. Ele citou também a falta de estrutura do sistema de saúde local que poderia sofrer uma sobrecarga de pacientes. Destacou que a cidade não possui leitos de isolamento, que o gerador de energia do hospital municipal é precário, além de problemas no setor de raio-X, falta de médicos intensivistas e dificuldades com exames laboratoriais.

“Evidente risco de dano próximo, grave, imodificável e de consequências catastróficas para o município de Aripuanã – MT, bem como para os demais municípios ao seu entorno (para não dizer toda a região norte do Estado de Mato Grosso), caso a tutela de urgência não seja deferida”, enfatizou o magistrado em sua decisão proferida no dia 9 de abril.

Prevenção da doença

A mineradora fica em Aripuanã, no Mato Grosso (Foto: reprodução Nexa)

A Justiça do Trabalho decidiu liberar a obra depois que a Nexa e suas empresas terceirizadas se comprometeram com a implantação de uma série de medidas de contingenciamento e prevenção da doença.

As atividades de construção e mineração na Serra do Expedito foram retomadas no dia 13 de abril. No acordo com o MPT, as empresas se comprometeram a adotar o isolamento de novos funcionários que vierem de outros estados, com quarentena de 14 dias que deve ocorrer mesmo se o trabalhador não apresentar os sintomas da Covid-19.

Os funcionários com teste positivo para a doença terão quartos individuais com banheiro. Duas vezes por semana, as mineradoras deverão produzir relatórios sobre a fiscalização para detectar novos casos.

A Construcap se comprometeu a doar 10 mil litros de álcool líquido ou gel à Secretaria de Saúde da cidade. E a Nexa terá de elaborar um plano de contingenciamento envolvendo escala especiais de trabalho, transporte diferenciado aos trabalhadores e o afastamento de pessoas de grupo de risco.

“Garimpeiro nunca para”

Garimpo ilegal em Aripuanã foi interditado pela Polícia Militar (Foto: CIOPAER)

A atividade de garimpo no entorno do empreendimento da Nexa também é outra preocupação. O prefeito de Aripuanã, Jonas Passarinho, que atualmente está afastado do cargo devido a uma investigação da Câmara Municipal, disse que garimpeiros estão atuando no local mesmo diante dos riscos de disseminação da pandemia.

Garimpeiros chegaram a ser retirados no ano passado durante uma operação da Polícia Federal e do Ibama. Diversos maquinários que faziam a extração ilegal do ouro foram incendiados. A Amazônia Real produziu reportagem sobre a operação que pode ser conferida.

Mas assim que as forças policiais deixaram a região os garimpeiros retomaram as atividades. E não só. Eles tentam ainda regularizar o garimpo por meio da Cooperativa dos Mineradores e Garimpeiros de Aripuanã (Coopemiga). “Estão em tratativas avançadas com a Agência Nacional de Mineração e negociam com a Nexa que detém os direitos de uso do subsolo. Garimpeiro nunca para”.

Aripuanã corre contra o tempo para ampliar a estrutura do único hospital público da cidade com a construção de divisórias para isolar os pacientes contaminados pela Covid-19, além da aquisição de oito respiradores e equipamentos de UTIs. O investimento total da obra será de 1,7 milhão de reais. A única UTI móvel do município foi uma doação da Nexa.

“Aripuanã tem suas particularidades, pois é uma cidade garimpeira o que faz dela um local transitório onde chega gente de todos os lugares. O empreendimento da Nexa também fez muita gente vir para cá. Para você ter uma ideia nos últimos três anos a cidade aumentou sua população em 7 mil pessoas. Sabíamos que essa doença iria chegar por aqui cedo ou tarde”, disse o prefeito afastado.

A reportagem da Amazônia Real entrou em contato com o prefeito em exercício de Apurinã, Adir Vieira Ferreira, e com o presidente da Coopemiga, Antonio Vieira. Ambos não retornaram as ligações para comentar o assunto até o fechamento desta matéria.

O que diz a Nexa?

Túnel da mina da mineradora (Foto: reprodução Nexa)

No inquérito, a Nexa alegou que o trabalhador infectado pela Convid-19 era da Andrade Gutierrez e foi diagnosticado com a doença no dia 27 de março. Garante que depois desse caso não houve mais trabalhadores contaminados. Ressaltou ainda que o funcionário foi isolado e não manteve contato com os demais trabalhadores, além de apresentar sintomas leves da doença.

Sobre os outros casos suspeitos apontados pelo MPT e pela Secretaria de Saúde, a empresa disse que não viu necessidade de reportá-los, já que “nenhum deles apresentava os sintomas identificados pelo Ministério da Saúde como sendo os próprios da moléstia”.

A Nexa destacou que tem colaborado “fortemente com os órgãos públicos em relação às medidas necessárias ao combate do coronavírus”. Também ressaltou a celebração de um “Pacote de Cooperação Nexa e Prefeitura de Aripuanã” que fora feito no dia 24 de março contendo medidas rigorosas de prevenção e cuidados para evitar qualquer tipo de contágio ou disseminação do coronavírus.

Entre as medidas do pacote estaria a implantação de isolamento preventivo de 14 dias a todos os trabalhadores que chegarem a Aripuanã; definição de casos para monitoramento seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde; acompanhamento periódico de saúde, com a presença de um médico e uma enfermeira, no caso de trabalhadores infectados pela Covid-19.

No plano de contingenciamento a empresa também destacou que disponibiliza álcool gel nas áreas comuns (bancadas de impressoras, alojamento, área de vivência, refeitório), bem como a “intensificação da higienização dos ônibus que transportam os trabalhadores e locais e objetos de comum acesso (banheiros, copas, refeitórios, maçanetas, corrimãos, bancos, puxadores de gaveta etc.).

A reportagem enviou e-mail com perguntas para assessoria da Nexa questionando sobre a omissão dos casos suspeitos do coronavírus dentro da empresa. Mas a mineradora não retornou contato para comentar o assunto.

Em 2019, garimpeiros protestaram contra o fechamento de garimpo ilegal em Aripuanã
(Foto cedida por Cleverson Veronese/TopNews)

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Sobre a matéria

Marcio Camilo

É jornalista cuiabano e remanescente da Comunidade Quilombola de Mato Cavalo (Nossa Senhora do Livramento – MT). Atua nas áreas de política, jurídico, cidades, esportes, cultura e reportagem. Já foi diretor de Cultura do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor) – gestão 2013 a 2015 – e, em 2014, integrou o Comitê Popular Regional da Copa do Mundo, que discutiu os impactos das desapropriações nas comunidades periféricas de Cuiabá (MT). Atualmente é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGCOM-UFMT), no qual investiga o fenômeno do Jornalismo Declaratório na imprensa cuiabana.