O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 14 – O aumento do desmatamento pós-desaceleração

Após o pico de desmatamento de 27.772 km2 por ano em 2004, a taxa caiu em 84% ao longo dos oito anos seguidos, chegando a 4.571 km2 por ano em 2012. Isso gerou uma ilusão perigosa em Brasília de que […]

Imagem aérea de queimada próximo aos limites da Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia . 07 de agosto de 2020. (Foto Bruno Kelly/Amazônia Real)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 27/01/2021 às 13:46

Após o pico de desmatamento de 27.772 km² por ano em 2004, a taxa caiu em 84% ao longo dos oito anos seguidos, chegando a 4.571 km² por ano em 2012. Isso gerou uma ilusão perigosa em Brasília de que o desmatamento estava sobre controle e que o governo poderia, portanto, construir estradas, represas e outras infraestruturas sem colocar a floresta em risco. Infelizmente, esse nunca foi o caso. As taxas de desmatamento têm tendência de alta desde 2012, chegando a 11.088 km² por ano em 2020, ou 243% acima da taxa de 2012 (Figura 14).

Figura 14. Taxas anuais de desmatamento na Amazônia brasileira do programa de monitoramento do desmatamento por satélite (Prodes), do INPE.

As forças subjacentes ao desmatamento aumentam a cada ano, com cada vez mais população, investimento e estradas que dão aos desmatadores acesso à floresta. Mais mercados internacionais se abriram para a carne brasileira durante este período, e as exportações se expandiram. A reversão da queda do desmatamento em 2012 coincidiu com a promulgação de um grande enfraquecimento do “Código Florestal” do Brasil, reduzindo as restrições para desmatamento próximo a rios e em encostas íngremes e perdoando vastas áreas de desmatamento ilegal feito até 2008, com consequências ambientais e sociais significativas [1, 2]. Mais importante ainda, isso demonstrou a extraordinária influência do bloco “ruralista” (representantes de grandes proprietários de terras) e criou uma antecipação de futuras “anistias”.

O Código Florestal de 1965 (Lei 4771/1965), um pacote de regulamentações que regulamentam o desmatamento, foi substituído pela Lei 12.651/2012. Em 2011, a votação inicial na Câmara dos Deputados, onde a representação é proporcional à população, aprovou a revisão por uma proporção de sete para um. Como a população brasileira é 85% urbana, a grande maioria do eleitorado não tem interesse financeiro em poder desmatar mais, especialmente em locais sujeitos a risco. As pesquisas de opinião mostraram que 80% da população brasileira se opuseram a qualquer mudança no Código Florestal [3]. Acredita-se que o poder do dinheiro da soja e de outros interesses do agronegócio seja a explicação mais lógica para o resultado [4].

Uma série de eventos políticos afetou o aumento desde o fim da desaceleração. Uma delas foi a incerteza política durante e após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi forçada a se afastar do cargo quando seu julgamento começou em março de 2016, culminando em seu impeachment formal em agosto de 2016. A incerteza em 2016 ofereceu uma oportunidade para o rápido avanço de iniciativas legislativas para remover as restrições ambientais, e isso continuou após a transferência formal dos poderes presidenciais para Michel Temer [5].

Outros fatores podem ter contribuído. O valor do real em relação ao dólar norte-americano diminuiu 12% de janeiro a maio de 2016 (período em que as decisões sobre o desmatamento são normalmente tomadas), aumentando a atratividade da exportação de soja e carne bovina. Os preços da carne bovina aumentaram 5% e os da soja 12,5%. O preço da soja em maio de 2016 ficou 18% acima da média de maio dos cinco anos anteriores. Esses fatores econômicos teriam contribuído para o aumento de 29% em 2016, mas a magnitude do aumento sugere que também teve raízes no aumento espetacular do poder político dos ruralistas, que começou bem antes do final da administração presidencial anterior [6].

A eleição de Jair Bolsonaro, que assumiu a presidência do Brasil em janeiro de 2019, provocou um aumento dramático no desmatamento. Nos quatro meses anteriores à eleição de outubro de 2018, quando as pesquisas apontaram a vitória de Bolsonaro como altamente provável, o desmatamento aumentou 36% em relação às taxas dos mesmos meses do ano anterior, aparentemente em antecipação ao relaxamento dos controles prometido pelo candidato [7]. O ano de 2019 do programa de monitoramento Prodes, do INPE, de julho de 2018 a junho de 2019, inclui este período e apresentou um aumento de 34,4% em relação ao ano Prodes anterior. A taxa de 2020 aumentou mais 9,5%. Os incêndios também aumentaram em 2019 e 2020, chocando o mundo [8].

As ondas de desmatamento e de queimadas durante o governo Bolsonaro foram resultados tanto de ações concretas do governo, que essencialmente desmantelaram o Ibama e outros órgãos ambientais, quanto da constante retórica antiambiental do Presidente e seu Ministro do Meio Ambiente [9-12]. Uma tentativa de controlar a situação em 2020, colocando as operações ambientais sobre controle militar e decretando uma moratória de 120 dias sobre as queimadas, não teve quase nenhum efeito, com a derrubada e a queima continuando em níveis recordes [13, 14]. A postura antiambiental do governo e a alta probabilidade de quaisquer penalidades por violações ambientais serem posteriormente “anistiadas” eram bem conhecidas das pessoas realmente envolvidas no desmatamento e queimadas. [15]

A imagem que abre este artigo mostra área de queimada próxima aos limites da Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia em 07 de agosto de 2020. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Notas

[1] Metzger, J.-P., T. Lewinsohn, C.A. Joly, L.M. Verdade & R.R. Rodrigues. 2010. Brazilian law: Full speed in reverse. Science 329: 276-277.

[2] Soares-Filho, B.S., R. Rajão, M. Macedo, A. Carneiro, W. Costa, M. Coe, H. Rodrigues & A. Alencar. 2014. Cracking Brazil’s forest code. Science 344: 363-364.

[3] Lopes, R.J. 2011. Datafolha indica que 80% rejeitam corte de proteção a matas. Folha de S. Paulo 13 de junho de 2011.

[4] Fearnside, P.M. & A.M.R. Figueiredo. 2016. China’s influence on deforestation in Brazilian Amazonia: A growing force in the state of Mato Grosso. In: R. Ray, K. Gallagher, A. López & C. Sanborn (eds.) China and Sustainable Development in Latin America:The Social and Environmental Dimension. Anthem Press, New York, EUA, p. 229-265.

[5] Fearnside, P.M. 2017. Como sempre, os negócios: o ressurgimento do desmatamento na Amazônia brasileira. Yale Environment 360, 18 de abril de 2017.

[6] Fearnside, P.M. 2016. Brazilian politics threaten environmental policies. Science 353: 746-748.

[7] Angelo, M. 2018. Aumento de 268% no desmatamento, saída do Acordo de Paris, mineração e grandes obras: a Amazônia no governo Bolsonaro. INSESC, 19 de outubro de 2018.

[8] Barlow, J., E. Berenguer, R. Carmenta, & F. França. 2019. Clarifying Amazonia’s burning crisis. Global Change Biology 26: 1–3.

[9] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

[10] Fearnside, P.M. 2019. Os Novos Números de Desmatamento Confirmam o “Efeito Bolsonaro”, Apesar das Negações. Amazônia Real, 20 de novembro de 2019.

[11] Fearnside, P.M. 2019. Retrocessos sob o Presidente Bolsonaro: Um desafio à sustentabilidade na Amazônia. Sustentabilidade International Science Journal 1(1): 38-52.

[12] Fearnside, P.M. 2019. Desmonte da legislação ambiental brasileira. In: J.S. Weiss (ed.) Movimentos Socioambientais: Lutas – Avanços – Conquistas – Retrocessos – Esperanças. Xapuri Socioambiental, Formosa, Goiás. p. 317-381.

[13] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2020. Forças militares e Covid-19 como cortinas de fumaça para a destruição da Amazônia e violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 16 de dezembro de 2020.

[14] OC (Observatório do Clima). 2020. Queimadas em agosto confirmam que Exército fracassou na Amazônia. OC, 01 de setembro de 2020.

[15] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

Leia os outros artigos da série:

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 9 – Estradas

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 10 – Soja

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 11 – Pecuária

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 12 – Crescimento populacional e Dinâmica doméstica

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 13 – Degradação extrema

Artigos de Opinião ou colunas

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br