Philip M. Fearnside

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 14/10/2020 às 15:31

“Desmatamento” refere-se à conversão de “floresta” em “não-floresta”, e o significado do termo, portanto, depende do que é considerado uma “floresta”. As distinções semânticas frequentemente confundem as discussões sobre desmatamento.

O desmatamento em dados oficiais brasileiros, como os do Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), refere-se ao desmatamento de floresta primária ou nativa, não à derrubada de florestas secundárias. As “florestas secundárias” referem-se à sucessão em áreas previamente desmatadas (diferente do uso deste termo no Sudeste Asiático para se referir a florestas exploradas). Os levantamentos do PRODES definem as florestas com base em tipos de vegetação classificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [1], ao invés de ser definido pelo percentual de cobertura do chão pelas copas das árvores [2].

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), mais conhecida como a “Convenção do Clima”, define “floresta” como tendo pelo menos 10% de cobertura ([3], p. 4.74), permitindo assim diversos tipos de Cerrado a serem considerados “florestas”, e sua derrubada ser considerada como “desmatamento”. Observe também que a definição da Convenção do Clima, que é baseada na definição usada pela Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas ([4], p. 3), inclui áreas “temporariamente sem estoque” que foram completamente cortadas, mas que se destinam a serem permitidas a regenerar, abrindo assim uma brecha ao tornar a definição de “floresta”, e, portanto de “desmatamento”, dependente do conhecimento da intenção ao invés de ser baseada apenas em medições objetivas verificáveis por satélite.

Uma distinção importante é o desmatamento “líquido” versus “bruto” (por exemplo, [5]). O desmatamento “líquido” subtrai áreas que estão se regenerando como florestas secundárias. Algumas interpretações também incluem plantações silviculturais, tais como o eucalipto, como contando para a redução do desmatamento líquido, inclusive o Plano Nacional de Mudanças Climáticas de 2008 do Brasil. Esse plano prometia acabar com o desmatamento “líquido” até 2015 ([6], p. 12), objetivo que não foi cumprido. O desmatamento “líquido” zero ou reduzido como meta acarreta um perigo, pois cada hectare de plantação ou árvores em regeneração efetivamente cria uma licença para cortar um hectare de floresta primária ou madura em outro lugar.

O compromisso do Brasil como parte do Acordo de Paris de 2015 refere-se a atingir o desmatamento “ilegal” zero até 2030 ([7], p. 3). Isso está longe de acabar com o desmatamento, já que o desmatamento pode continuar desde que seja “legal”. Com o avanço do Cadastro Ambiental Rural (CAR), todas as propriedades do país devem ser cadastradas muito antes de 2030, facilitando a obtenção de autorização para desmatamento “legal” até os limites previstos no atual Código Florestal Brasileiro (20% na Amazônia). Uma vez que muitas propriedades presentes e futuras em áreas de floresta amazônica têm pouco desmatamento, grandes quantidades de desmatamento “legal” podem continuar [8].[9]

A imagem que ilustra este artigo, mostra área de desmatamento e que foi queimada na região da vicinal do Salomão, no município de Apuí, no Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/09–08-2020)

Notas

[1] IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 2012. Manual Técnico da Vegetação Brasileira: Sistema Fitogeográfico, Inventário das Formações Florestais e campestres, Técnicas e Manejo de Coleções Botânicas, Procedimentos para Mapeamentos. 2^aed. IBGE, Rio de Janeiro, RJ. 275 p.

[2] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. Metodologia Utilizada nos Projetos PRODES e DETER. INPE, São José dos Campos, São Paulo, SP. 33 p.

[3] IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). 2006. 2006 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. Vol. 4: Agriculture, Forestry and Other Land Use. H.S. Eggleston, L. Buendia, K. Miwa, T. Ngara, & K. Tanabe (eds.) IPCC National Greenhouse Gas Inventories Programme Technical Support Unit, Institute for Global Environmental Strategies (IGES), Kanagawa,

[4] FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). 2012. FRA 2015 Terms and Definitions. Forest resources Assessment Working Paper 180. FAO, Roma, Italia. 31 p.

[5] Brown, S. & D. Zarin. 2013. What does zero deforestation mean. Science 342: 805–807.

[6] CIMC (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima). 2008. Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC – Brasil. Ministério do Meio Ambiente (MMA), Brasília, DF. 132 p.

[7] Brasil. 2015. Intended Nationally Determined Contribution towards Achieving the Objective of the United Nations Framework Convention on Climate Change. 10 p.

[8] Nunes, S., T. Gardner, J. Barlow, H. Martins, R. Salomão, D. Monteiro & C. Souza Jr. 2016. Compensating for past deforestation: Assessing the legal forest surplus and deficit of the state of Pará, eastern Amazonia. Land Use Policy 57: 749–758.

[9] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

Leia o primeiro artigo da série:

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

1 Comentário

Marcos Bento disse:

15/10/2020 às 17:04

As florestas plantadas cobrem 10 milhões de hectares, . Considerando o que se desmata na Amazônia todo ano, de 0,5 a 1 milhão de ha, seria necessário um crescimento anual de 5% na área florestal para permitir o desmatamento de 5 mil km², resultando num desmatamento líqüido zero. É pouco provável, de 2006 a 2017 a expansão média foi de 0,321 milhão de ha. De 2017 para 2018 não houve crescimento.

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