A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

O fim continua

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 20/05/2019 às 16:09

O gaúcho Getúlio Vargas, nascido e criado no outro extremo do território continental que constitui o Brasil, foi o primeiro presidente da república a conhecer a Amazônia pessoalmente, ainda que de forma superficial. Na campanha eleitoral de 1950, que lhe devolveu o poder nacional, dessa vez pela via democrática do voto direto e universal, ele pousou com seu avião nas principais cidades da região, nas quais fez seus discursos, o principal deles em Manaus.

No terceiro ano do seu mandato, em 1953, ele cumpriu o que prometera: dar atenção especial à parte maior, menos conhecida e menos integrada do Brasil, que abrigava a maior floresta tropical do planeta. Reservou 3% do orçamento nacional para formar um fundo de investimento, que seguiria o primeiro plano de desenvolvimento regional da história, coordenado por uma superintendência, a SPVEA.

Sua designação dizia ao que vinha: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Um dos mais importantes intelectuais nativos, o historiador amazonense Arthur Cezar Ferreira Reis, comandaria na autarquia. O plano era para aproximar a região do país, admitindo que ela tivesse alguma margem de autonomia para decidir o seu próprio destino, sem atropelos nem conflitos.

Como o Brasil em relação ao mundo, sob Vargas, a Amazônia se desenvolveria substituindo as suas importações, produzindo o que precisava, e identificando e valorizando as suas riquezas. A principal delas era a sua floresta. O acesso a ela continuaria a ser realizado pelos rios, o que era tão óbvio quanto a massa vegetal. Afinal, a Amazônia possuía a maior bacia hidrográfica do mundo.

Por mais tautológicas que sejam essas verdades, quase nove décadas depois, elas parecem elementos de um museu, figuras de retórica, peças de um universo que não existe mais. A SPVEA desapareceu em 1966 sem ter realizado a sua missão. O governo militar, que se impusera dois anos antes, através de um golpe de estado, tinha pressa.

Queria usar a Amazônia num projeto de grandeza geopolítica e econômica, capaz de contribuir para a economia nacional através da exportação de produtos eletrointensivos, e voltada contra a ameaça da cobiça internacional pelo que era um espaço vazio, sujeito a invasões e ocupações externas, manipulado por um discurso pretensamente preocupado com a preservação do meio ambiente e do habitante nativo.

Sua composição natural, com rios e floresta densa, era fator de insegurança nacional. Precisava ser povoada por colonos atraídos de outras partes do Brasil e colocados em frentes pioneiras, às margens de grandes estradas, que davam acesso às terras altas, até então impenetráveis.

A Amazônia realmente foi anexada ao Brasil, a região que mais tardiamente passou a fazer parte fisicamente do todo, e se integrou ao mundo como fornecedora de matérias primas e geradora de divisas. Mas à custa da destruição de 800 mil quilômetros quadrados de floresta, 10% de todo território brasileiro, em meio século, devastação sem igual na história da humanidade. Tem sido célere essa “corrida ao oeste”, em geral iniciada pela implantação de fazendas de gado, que foi comendo florestas pelos vales sucessivos, no Tocantins, no Araguaia e, mais recentemente, no Xingu.

O que era floresta amazônica virou sertão, de mata fina, cerrado, pastagem e, nos últimos tempos, extensos plantios de grãos – soja, sobretudo. Mas não ficou no limite do Xingu, no Pará. Agora se expande pelo Amazonas, o Acre e Roraima, que davam a impressão de poderem ficar imunes tantas são as áreas degradadas por mau uso ou falta de uso no rastro das frentes econômicas.

Em março deste ano, 21%, conforme mostraram as imagens de satélite, das áreas desmatadas estavam em Roraima, o segundo Estado que mais perdeu floresta, depois de Mato Grosso (com 33%). O Amazonas veio em seguida, com 18%, o mesmo índice de Rondônia. O segundo município mais desmatado da região é Mucajaí, em Roraima, que já perdeu 480 quilômetros quadrados. O sexto é Lábrea, no Amazonas, com 320 km².

O fim da Amazônia, portanto, prossegue.

A fotografia que abre este artigo é do presidente Getúlio Vargas sendo recebido por autoridades e populares em Manaus (Acervo CPDOC FGV)

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.