A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

O trem que passa

Santarém, no Estado do Pará, foi um dos municípios mais favorecidos por obras de infraestrutura na Amazônia durante o ciclo dos governos militares, entre 1964 e 1985. Três dos cinco generais que ocuparam a presidência visitaram a sede municipal em […]

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 12/07/2019 às 17:34

Santarém, no Estado do Pará, foi um dos municípios mais favorecidos por obras de infraestrutura na Amazônia durante o ciclo dos governos militares, entre 1964 e 1985. Três dos cinco generais que ocuparam a presidência visitaram a sede municipal em viagem de serviço, Garrastazu Médici mais de uma vez.

Nesse período, surgiram a hidrelétrica de Curuá-Una (a primeira da região), o novo porto e a BR-163, a rodovia que ligou Santarém por terra ao sul do país, através de Mato Grosso, em 1,5 mil quilômetros de extensão. Três velhos sonhos finalmente se realizaram. Santarém iria tirar proveito da sua posição estratégica na região central da Amazônia, no delta interior de dois grandes rios: o Amazonas, o maior do planeta, e o Tapajós, considerado um dos mais bonitos.

Mas não se realizou a legítima aspiração ao progresso e bem-estar dos seus moradores. A falta de complemento social nos investimentos em bens materiais continuou sujeitando o município à montanha russa do crescimento ocasional seguido de regressão, anulando a fixação e multiplicação dos efeitos do crescimento econômico.

Santarém foi perdendo posições nos principais indicadores de desenvolvimento do Pará e da Amazônia. Não é mais a terceira cidade regional, que ficava abaixo apenas de Belém e Manaus. Mesmo no plano estadual, se reduziu a uma oitava posição na economia paraense.

Um novo ciclo está em andamento. São investimentos expressivos, que, por força do seu anúncio, antes mesmo que se materializem, influem sobre os fluxos migratórios e mexem com as expectativas dos nativos e dos que chegam em busca do que falta em muitas outras áreas do país: oportunidades de negócios e de emprego.

No final do mês passado, a concessionária estadual de energia, a Equatorial, anunciou a duplicação dos 436 quilômetros do Tramoeste, com energia gerada pela hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, a quarta maior do mundo, atravessando nove municípios cortados pela Transamazônica. É obra de curto prazo de maturação, prevista para entrar em funcionamento no próximo ano.

Vai dar suporte ao que se apresenta como a consolidação do município como o principal corredor de exportação em formação no Brasil, drenando a riqueza do Centro-Oeste, sobretudo soja, até o Oceano Atlântico. Também já anunciaram seus empreendimentos a BeHidro, especializada na construção de estaleiros, a LDC, Aliança Navegação e Logística, Master Operações Portuárias e a Raízen, que atua na produção de açúcar e etanol, transporte e distribuição de combustíveis e geração de bioeletricidade, com a aplicação de 100 milhões de reais.

Santarém será apenas um ponto de transbordo de cargas e a atividade que nela se desenvolver exigirá a destruição das suas florestas e a expulsão do caboclo de suas terras? Mais uma subida na montanha russa, sem garantia que, desta vez, o progresso fará domicílio na região, substituindo a função episódica dos garimpos de ouro, iniciada em 1958?

O debate intenso e aprofundado das questões atuais é a condição para não repetir os erros e desatenções do passado. Já existe o Grupo de Gestão Integrada para o Desenvolvimento Regional Sustentável, mas sua existência parece ser mais decorativa do que efetiva, se Santarém não assumir um papel mais nativo e forte do que o que prevalece em toda Amazônia: assistir a passagem do trem da história como mero espectador.

A imagem que ilustra este artigo mostra assentados próximo à hidrelétrica Curuá-Una, em Santarém e é de autoria de Alberto César Araújo/Amazônia Real

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.